A palavra GENOCÍDIO anda por aí, em milhares de memes do WhatsApp, pichada pelos muros, escrita nas paredes dos viadutos, repetida em artigos de jornal, sussurrada em conversas de botequins e pintada em milhares de cartazes durante as manifestações contra o atual governo. Não à toa. Afinal, parodiando Machado de Assis, estamos seguindo literalmente em marcha batida rumo ao número estrondoso de meio milhão de mortos pela pandemia.
E meio milhão não são cinco, nem 50, nem 500, nem cinco mil mortos. Meio milhão de vidas perdidas, entre as quais as de amigos, parentes, conhecidos ou pessoas famosas, corresponde à população de uma cidade do tamanho de Florianópolis, de Santos, de Niterói, de Boa Vista ou de Rio Branco. É como se elas simplesmente tivessem desaparecido do mapa em pouco mais de um ano. Convenhamos: é muita, muita gente morta.
Toda vez que se registram mortes em massa que não resultaram de algum fenômeno natural como um terremoto, por exemplo, e poderiam ter sido evitadas ou foram voluntariamente cometidas, o termo GENOCÍDIO volta a ser usado, como agora.
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O conceito de GENOCÍDIO se firmou poucos anos depois da Segunda Guerra. Foi usado pela primeira vez pelo advogado judeu Raphael Lemkin para definir o crime hediondo cometido pelos nazistas. Em nome da supremacia da raça ariana, Hitler, seu exército e seus asseclas mandaram para câmaras de gás ou para os paredões de fuzilamento nada menos que seis milhões de judeus, ciganos, testemunhas de Jeová, negros, homossexuais e deficientes físicos e mentais.
Faltava um nome para esse tipo de crime. Lemkim juntou duas palavras: genos (que significa “raça”em grego) e cide (que significa “matar” em latim). A palavra faz menção a ações coordenadas com o objetivo de exterminar pessoas de determinado grupo, cromo frisa o professor de história Daniel Neves. Portanto, GENOCÍDIO não se relaciona a crime contra algum indivíduo, mas a um grupo, com a finalidade de extinguir uma raça, uma cultura, uma religião ou mesmo uma nacionalidade.
Ou, trazendo aqui para o nosso caso, simplesmente pela negação da ciência e das providências que ela coloca nas mãos de quem deveria prover a saúde da população. Como a negligência na aquisição de vacinas. Do mau exemplo pelo não uso de máscaras. Pelo incentivo às aglomerações, que aceleram a contaminação pelo vírus. E assim por diante.
PublicidadeGENOCÍDIO passou a ser considerado pela ONU um crime contra a humanidade em 1948. Tais crimes são julgados pelo Tribunal Internacional de Haia. E o Brasil? Sim, já tivemos um caso de GENOCÍDIO legalmente reconhecido.
O Brasil já teve um caso oficial de GENOCÍDIO
Ele foi registrado em Roraima, na década de 1990. Ficou conhecido como o “Massacre de Haximu”. “Os historiadores discutem a ideia do genocídio indígena, uma vez que séculos de práticas violentas contra as populações indígenas resultaram na morte de milhões de pessoas e no surgimento de uma cultura de preconceito e violência contra essas populações”, lembra o professor Daniel Neves Silva.
Claro que também se fala em genocídio negro no Brasil, por conta da eliminação de milhares de escravos africanos trazidos para servir de força de trabalho nos canaviais e em outras atividades. Mas o genocídio dos ianomâmis em Roraima, por um grupo de garimpeiros que extraíam ilegalmente ouro de uma reserva indígena foi o único reconhecido legalmente até hoje. Os garimpeiros invadiram uma aldeia e massacraram dezenas de mulheres, crianças e idosos. Algo em torno de 80 vítimas foram identificadas. Os autores foram condenados por crime de GENOCÍDIO pelo STF, em 2006. Mas em 2011 os 22 condenados tiveram as penas revogadas por prescrição.
GENOCÍDIOS famosos
Além do holocausto dos judeus, foram reconhecidos como GENOCÍDIOS os atos praticados na Guerra da Bósnia, no processo de fragmentação da Iugoslávia. Foram responsabilizados e condenados Slobodan Praljak, general bósnio-croata; Radovan Karadzic, presidente dos sérvios na Bósnia; e Ratko Mladic, general sérvio-bósnio. O caso mais simbólico foi o Massacre de Srebrenica, no qual cerca de oito mil bosníacos foram assassinados por forças do exército sérvio e enterrados em valas comuns.
Outro GENOCÍDIO famoso foi o dos tutsis, realizado pela etnia hutu, em Ruanda, durante a guerra civil de 1990 a 1994. Cerca de 800 mil tutsis foram mortos por guerrilheiros hutus somente em 1994.
No começo do século passado ocorreu o GENOCÍDIO armênio contra a população cristã de origem armênia que habitava o território do Império Otomano. Recentemente, o presidente Joe Biden reconheceu o massacre, ocorrido durante a Primeira Guerra Mundial, como GENOCÍDIO. Milhares de pessoas foram obrigadas a cruzar a pé regiões desérticas, e outras milhares foram executadas. Algo em torno de 1,5 milhão de armênios foram mortos.
O GENOCÍDIO congolês ocorreu no Congo Belga. Os belgas, a mando de Leopoldo II, rei do país, exploraram sistematicamente milhões de pessoas em sua colônia por meio de práticas violentas que incluíam amputações e assassinatos. Estima-se que 10 milhões de congoleses tenham morrido por conta dessas ações.
Há também o GENOCÍDIO do Camboja. O comandante Pol Pot, na época em que seu partido, o Khmer Vermelho, dominou o país asiático, foi reconhecido como o responsável por cerca de mortos.
Joseph Stálin e Mao Tsé-Tung, ambos responsáveis por dezenas de milhões de mortes na União Soviética e na China, igualmente são apontados como GENOCIDAS.
Estaria havendo um GENOCÍDIO no Brasil?
Mas, e no Brasil? Os mortos pela pandemia são vítimas de GENOCÍDIO pelo atual governo? A história dirá. Mas até a história reconhecer, muito provavelmente estaremos todos mortos em consequência do próprio GENOCÍDIO ou mesmo por causas naturais. E aí não haverá mais nada a fazer, como punir os responsáveis ou conter o morticínio.
O momento é de ação. Como diz o ditado, a justiça tarda mas não falha. Só que a história tarda ainda mais e não pretende punir ninguém. Portanto, mãos à obra, porque a vida tem pressa. Os cidadãos não querem entrar para a história como vítimas de um GENOCÍDIO. Querem, simplesmente, continuar vivas.
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