Emanuel estava superfeliz naquele iluminado entardecer de sábado. Percebera, logo cedinho, que os passarinhos passaram o dia cantando mais alegres, os animais corriam em festejo e as flores exalavam um perfume especial. Não era desmotivada a sincronicidade da vida em euforia durante o avançar do relógio. É que logo mais a família de Emanuel receberia a visita dos jovens italianos Francisco e Clara. Eles moravam na pequena cidade de Assis e visitavam o Brasil para se aconselharem com Jeová.
Os dois jovens haviam abandonado as riquezas de suas respectivas famílias, renunciado aos títulos nobiliários e todo tipo de ostentação patrimonial. Dedicavam-se aos pobres e aos leprosos, vivendo com eles em plena e sincera integração. As pessoas tinham-nos como verdadeiros santos católicos, alguns até jurando que eram testemunhas de incontáveis milagres por eles praticados. A pequena Assis, em razão das comunidades que cresciam em torno dos dois, havia se tornado centro de romaria a atrair a atenção do mundo. Mas era exatamente esta atração a principal razão da preocupação dos dois caridosos cristãos. É que, humildes, se sentiam pequenos instrumentos da paz e do amor, recusando-se à soberba de serem destinatários de qualquer admiração. Precisavam saber diretamente o que estava acontecendo.
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– Eles chegaram? Eles chegaram? Eles chegaram? – entrou, esbaforida Jaci, na casa de Emanuel.
– Eles quem, menina? – gargalhou Emanuel, fingindo-se desentendido.
– Os italianinhos, chiaro? – interrompeu Jaci.
– Entendi, Jaci. Você quer saber como Francisco compôs a sua Oração? – seguiu sorrindo Emanuel, para começar a cantarolar. – “Senhor, fazei de mim um instrumento da Vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor…”
– Adoro este louvor ao amor incondicional – interrompeu outra vez Jaci. – Mas eu quero conhecê-los por outro motivo. Especialmente a Clara.
– Já sei! Você quer conversar com Clara sobre como elaborar um regramento de uma comunidade feminina entre as divindades? – continuou, brincando, Emanuel. – Ou saber o que ela quis dizer quando ensinou que é “Melhor guardar tesouros no céu do que na terra”?
– Deixe de ser chato, Emanuel! Eu conheço de cor e salteado cada palavra de Clara, sei que ela “nunca perde de vista o seu ponto de partida” – interrompeu, impaciente, Jaci. – E não se limita à chegada, pois colocou “a mente no espelho da eternidade”. E de eternidade todos nós somos especialistas.
– Ela está assim desde cedo, Emanuel! – sorriu Oxalá. – Passou lá no terreiro e quase não pude trocar de roupa. Me pegou pelas mãos e chegamos aqui correndo. Nem tive tempo de perguntar a razão de tanta pressa.
– Entendi, Oxalá! Jaci certamente quer aproveitar a presença dos dois no Brasil e pedir apoio na luta que trava contra a ganância dos que destroem a floresta Amazônica – riu Emanuel. – Cuidado para que Ceuci não fique enciumada!
– E sem falar da nossa irmã Caipora – brincou Oxalá. – Ela está tendo muito trabalho, agora que os governantes brasileiros acabaram com todos os órgãos de fiscalização e proteção da floresta. Oxóssi está reclamando que não consegue socorrer em tempo as vítimas dessa política destrutiva. Todo dia é uma norma ou uma ordem para acabar com a vida e o meio ambiente.
– Disso todos sabemos! Agora mesmo querem impedir a demarcação das terras ocupadas pelo meu povo – suspirou Jaci. – Como diria Clara, “Quem ama as coisas temporais, perde o fruto do amor.” Eles amam o ouro, as madeiras cortadas ilegalmente…
– Francisco e Clara até que poderiam inspirar a magistratura para que protejam os direitos dos povos de Jaci. Eles são muito queridos no Brasil – refletiu Oxalá. – Vou conversar com Orula e Yewá para que entrem nessa empreitada. Nossas comunidades sofrem das mesmas perseguições.
– Acredito ser uma boa ideia! Clara certa vez me disse que devemos ser “a ponte entre Aquele que tudo pode e as criaturas que de tudo precisam” – concordou Emanuel. – Compreendi a sua pressa, Jaci. É preciso urgência para salvar o seu e o meu povo e a natureza defendida.
– Você não entende nada, Emanuel! – cortou Jaci, fingindo-se zangada. – A sua verdade está mais difícil de ser encontrada do que um camelo passar pelo buraco de uma agulha. A luta para defender o meu povo começou no dia em que as caravelas portuguesas invadiram Pindorama.
– Tá certo, Jaci! Por que você quer conhecer Francisco e Clara? – perguntou, curioso, Emanuel.
– “Elementar, meu caro Watson!” – foi a vez de Jaci soltar uma sonora risada. – Quero conhecer os meus parentes.
– Parentes? – surpreendeu-se Emanuel.
– Fratelli! Fratelli! – respondeu, divertindo-se, Jaci, gesticulando como fazem os italianos. – Vocês não chamam os dois de Irmão Sol e Irmão Lua? E o que Guaraci e eu somos? Não somos o Sol e a Lua?
– Bravo! Bravo! – aplaudiu Oxalá, para vibrar com a tirada final da serelepe Jaci. – A minha Oshupá não perde uma.
– Bendito seja o seu humor, Jaci! – gargalhou Emanuel, para logo apontar para o portão celestial. – E olhe lá os nossos convidados chegando? A Casa do Pai pertence a vocês, podem entrar!
– Eikobé xe rapixar etá! T’-ere-îu-katu! – apressou-se Jaci, para logo cumprimentar os visitantes. – Xe r-oryb nde kuaba resé!
– Piacere di conoscerti – cumprimentou Clara, em sorriso angelical.
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