– Ah, compadre, nem me pergunte porque eu não sei o motivo. Mas pode procurar por aí: as pessoas gostam muito mais dos vilões do que dos bandidos.
– Que conversa é essa, sujeito! Pois eu só torci pelo bandido pra provocar os outros nos filmes de bang-bang lá da minha cidade, quando era menino. A gente se organizava e entrava todo mundo junto na sala pra torcer pelo bandido. Eita! Era bom! Toda vez que o mocinho aparecia e tocava aquela música bonita, a gente dava a maior vaia: Uhhhhhh! Mas quando o bandido (geralmente era mexicano, e o Trump deve gostar disso), pois quando o bandido aparecia com aquele suor, aquele barba por fazer, sempre sujo, nojento, a gente começava a torcer que nem uns doidos, batendo palmas e gritando: – Vai! Dá um pau nesse mocinho de merda, vai, vai! Os velhos lá dentro do cinema queriam matar a gente, não entendiam como era possível alguém torcer justamente pelo lado errado.
– Pois ainda bem que naquele tempo era brincadeira de menino. Porque agora, na corrida eleitoral, a torcida pelo pior lado é pra valer, é por convicção mesmo.
– Convicção? Tá ficando maluco? Ninguém torce pelo pior conscientemente. Pode até torcer, mas por desinformação, ou raiva, ou despeito, ou mesmo por vingança.
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A gente lembra mesmo é dos vilões
– Ah, é? Pois olha, outro dia eu estava lendo num livro desses de história da televisão que os personagens que ficam pra sempre na memória dos radiouvintes (no tempo das radionovelas), dos espectadores e telespectadores (nos tempos do cinema e da tv), e até lá mais atrás, no tempo das histórias da carochinha ou dos contos de Esopo, são os vilões. Todo mundo lembra deles e esquece dos mocinhos.
– O quê? Onde já se viu? Ora, se a gente passa a novela toda torcendo pro vilão se dar mal e o mocinho se casar com a mocinha no final… Que papo é esse? Eu me lembro muito bem que nos tempos daquela série “Vigilante Rodoviário”, da Tv Tupi, a gente torcia até rachar pelo Vigilante Carlos e pelo cachorro dele, o Lobo.
– A vantagem de ser mais velho é que a gente se lembra de umas coisas… Eu adorava aquela Harley Davidson do Vigilante. Queria porque queria ter uma igual.
– E aquele Simca Chambord… Lindão!
As inesquecíveis Maria de Fátima e Odete Roitman
– Mas a gente se lembra só do Vigilante porque os vilões não tinham nem nome… Mas, voltando ao papo, presta atenção aqui e me responde depressa: quando a gente fala da novela “Vale Tudo”, eu a-pos-to como tu não vai saber dizer o nome do mocinho ou da mocinha.
– Ihhh… É verdade, lembro não. Mas ninguém esquece das vilãs, a Maria de Fátima, ô, pessoa ordinária! E a i-nes-que-cí-vel Odete Roitman, com aquele jeito esnobe, com nojo dos pobres…! Fantástica!
– E na história da Chapeuzinho Vermelho? Vamos combinar: ô, menina chata aquela Chapeuzinho! E burra! Porque cair naquela conversa do Lobo de ir pela estrada da floresta em vez de pegar a outra estrada só mesmo pra gente otária, né? Bem feito: se ferrou! Já o Lobo Mau, a gente não esquece dele nunca.
– Porque é o personagem principal da historinha. O Lobo é muito mais charmoso do que a chata da Chapeuzinho. Tá vendo como eu tenho razão?
Rey? Quem é Rey? Darth Vader? Esse eu conheço!
– É verdade. Mas fica por aí, né?
– Pior é que não fica não. Aposto dez contra um como tu não vai conseguir lembrar quem era o mocinho ou a mocinha daquela novela “Senhora do Destino”. Mas não tem como esquecer da Nazaré Tedesco – que vilã ma-ra-vi-lho-sa!
– Caramba! Tá conseguindo me convencer. Mas a gente não esquece também da Carminha de “Avenida Brasil”, né? Que bichinha má! Aquela praga era rúim que doía!
– Pois só pra completar: tu sabe dizer quem é o Rey e o Finn de “Star Wars”?
– Nem suspeito. Pra mim, aquela série é o Darth Vader e ponto final. Aquilo é que é bandidão de respeito, com aquela máscara de ferro brilhante, aquela capa preta…!
– Pois é. Rey e Finn são os heróis. Mas eu nunca vi nenhum deles fora de lá. Agora, o que não falta é camiseta com a cara do Darth Vader!
– Olha, eu entendi tudo, concordo, e até já mudei de ideia. Mas o que tem isso a ver com o que a gente está vivendo hoje, neste momento, no Brasil?
Prestenção, Brasil! Prestenção!
– Criatura, tu não tem desconfiômetro não? Prestenção, prestenção! É só dar uma olhada nas pesquisas pra ver que o brasileiro médio parece que não está dando a menor bola pra quem é abertamente racista. Ou homofóbico. Ou misógino, a pessoa que odeia mulher e nem se importa com a violência que todo dia fazem contra elas. Ou que defende a ditadura. Ou a tortura.
– Menino de Deus! Pior é que é verdade! Tudo bem que está até difícil encontrar mocinho nessa eleição. Mas que o povo é chegado a um vilão, ah, é!
– Uma situação muito complicada, compadre, porque uma coisa é gostar de vilão das histórias de ficção, dos contos infantis, das séries da tv, essas coisas. Outra, bem diferente, é misturar tudo e terminar votando nos bandidos só pra provocar, como a gente fazia no tempo em que ia pros filmes de cowboy torcer por eles, só pra tirar onda. E é isso que infelizmente está acontecendo.
Anule o voto. E o Brasil que se dane!
– Que coisa, né? E o Brasil que se dane, né? Pior é que é isso mesmo. As pessoas não se deram conta de que ficção é ficção e realidade é realidade. E o que está em jogo é o futuro de todos, por isso é muito importante escolher bem. Pode até não ser o melhor, mas que seja o menos pior, né? Porque alguém vai ser eleito de qualquer forma. E não é deixando de votar ou anulando o voto que se vai resolver seja lá o que for.
– A justiça eleitoral não ensina isso. Toda propaganda que a gente vê só fala em escolher o melhor para o futuro, essas coisas. Mas eu mesmo nunca vi uma propaganda ensinando a escolher… o menos pior! E isto faz parte da democracia, né? Se não tem o ótimo, vamos escolher pelo menos um bom. E se não tiver um bom, vamos com o menos pior, e seja lá o que Deus quiser.
– O que não pode é apelar pra solução mais fácil: lavar as mãos e votar em branco ou nulo, né? Porque toda vez que alguém faz isso está deixando de ajudar o menor pior. E favorecendo… o bandido, o pior de todos!
– Exatamente. Mas a gente não para pra pensar nisso, né? Até porque eu, por exemplo, continuo gostando dos vilões da tv. Essa Laureta da novela das 9, por exemplo, está ótima! Mas, pra cuidar da minha vida, da vida da minha família, do meu estado, do meu país, o diabo é quem quer uma Laureta. Pode até nem ser assim um mocinho, mas que seja o menos vilão de todos.
– Senão os bandidões vão tomar conta do pedaço. E nós, ó: top, top, top!
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