*Por Manoel Murrieta
É verdade que, de portas praticamente fechadas, o mercado financeiro já sente os primeiros sintomas de uma quarentena. É como uma febre que queima nos bolsos sob a ameaça de uma terrível recessão. Não sabemos ao certo quando e como essa depressão econômica virá nem podemos afirmar qual será seu impacto. O que temos atestado é o fato de que a comunidade científica estima já para as próximas semanas, logo no início de abril, o pico de contágio do novo coronavírus (Covid-19) no Brasil. Incumbido da missão de proteção dos direitos coletivos, o Ministério Público trabalha para que o índice de letalidade na população brasileira seja amenizado e o prejuízo financeiro reduzido.
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Embora atingidos pela pandemia, de certo modo tivemos a chance de nos precaver do vírus que, desde dezembro passado, já anunciava agilidade e força, levando a humanidade a uma complexa reflexão e busca por cooperação. A esperança para contornar uma possível superlotação de pacientes com coronavírus nos poucos hospitais disponíveis pelo país está, de fato, no isolamento social, que foi adotado na maior parte dos estados e municípios e tem sido encarado com responsabilidade pelos cidadãos, afinal, estamos falando de vidas!
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Em meio aos acontecimentos, surgiu na Esplanada a ideia de tratar do problema econômico por meio da redução salarial de trabalhadores, atingindo tanto à iniciativa privada quanto aos servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário — proposta que, além de ferir cláusula pétrea constitucional, repete um modelo econômico antigo e esgotado, que não mais se sustenta diante das novas necessidades de consumo. Com o entendimento contrário e sinalizando compreender a importância de manter o poder de compra dos cidadãos, no último sábado, em conversa com o economista Guilherme Benchimol da XP Investimentos, o ministro Paulo Guedes comentou as medidas que poderão ser adotadas para ajudar a recuperar a economia do país. Demonstrando maior lucidez quanto ao cenário em seu aspecto macro e microeconômico, Guedes afirmou que não defende a redução de salários.
A expectativa, agora, é que sejam adotadas medidas como aprovação de uma lei de emergência que flexibilize a Lei de Responsabilidade Fiscal, possibilitando gastos maiores no enfrentamento ao Covid-19, medida já apoiada pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, o governo federal já anunciou a ajuda emergencial de R$ 600 por mês para pessoas de baixa renda, que serão pagos durante pelo menos três meses, e um pacote de crédito que ajuda às empresas a cumprir suas folhas de pagamentos.
PublicidadeÀ frente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) tenho acompanhado as discussões promovidas junto com a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas) e mais de cem outras entidades do serviço público. Ao levantar a possibilidade de diminuir a renda de profissionais, incorre-se em medida pouco pensada, que não considera as perdas já praticadas por sucessivas reformas. No caso dos servidores públicos, há que se considerar o fato de que esses já despendem parte dos salários com Imposto de Renda e contribuição previdenciária. Além disso é fundamental destacar a relevância do servidor público como consumidor e a representatividade desse poder de compra para o aquecimento da economia, sobretudo em época de pandemia mundial.
Em breve, a crise sanitária se dissipará e as soluções adotadas hoje repercutirão para o equilíbrio social que queremos no futuro. Por isso, o Estado deve agir com urgência para garantir o direito à renda e não pela redução salarial — proposta que, inclusive, não é uma novidade no atual governo. Responsáveis pela gestão, ordem, fiscalização, arrecadação e distribuição de serviços e recursos, volta e meia os servidores públicos são alvo de investidas como essa. Atualmente, as vozes que se levantam e propõem a redução da remuneração de servidores, além da redução das horas de trabalho, esquecem que estão comprometendo subsistência e a qualidade dos serviços prestados à sociedade.
Efetivamente, como sociedade, dispomos de algumas alternativas para superar esse momento. Além do empenho dos trabalhadores da Saúde, da persistência de grandes cientistas e dos avanços em biotecnologia já alcançados, contamos com o suporte de brilhantes economistas. São profissionais competentes que, certamente, se consultados, terão alternativas satisfatórias para sanar o problema financeiro com humanidade e sem exageros temerosos.
Como bem levantado pelos colegas promotor e procurador de Justiça Renato Kim Barbosa e Rafael Neubern Demarchi Costa, respectivamente, países que enfrentaram o coronavírus semanas antes do Brasil nem sequer pensaram em sugerir uma medida que reduzisse recursos que tratam da subsistência familiar. Além disso, o próprio texto constitucional já propõe uma série de medidas econômicas sanadoras que há muito aguardam por regulamentação e implementação. O Tesouro dos Estados Unidos, por exemplo, destinou US$ 350 bilhões em empréstimo para pequenas e médias empresas.
Por outro lado, enquanto o consumo direto nas ruas está paralisado, há que se levar em conta outros segmentos que conseguiram se manter ativos, em maior ou menor escala, nesta quarentena. É o caso das indústrias de higiene e farmacêutica, muito procuradas por aqueles que querem evitar ou tratar qualquer sintoma semelhante aos do coronavírus e por quem já necessita de medicamento para tratar doença crônica pré-existente. Além disso, é nos laboratórios farmacêuticos que são desenvolvidos testes e pesquisas para vacina contra o Covid-19, entre outros.
A sociedade tem adotado novos hábitos de convivência, trabalho e consumo. As pessoas interagem mais e de formas diversas. Uma mudança que não tem volta e se dá, em boa parte, por influência das tecnologias. Em meio ao isolamento, o setor de comunicação digital ganhou ainda mais espaço, garantindo acesso remoto para o teletrabalho, compras online e serviços de entrega, por exemplo.
Nesse novo “modus vivendi”, os Membros do Ministério Público reforçam o seu compromisso de estarem atentos e vigilantes para a manutenção do Estado Democrático de Direito. Para tanto, é preciso que a instituição se mantenha unida, forte e que determinadas prerrogativas sejam respeitadas, garantindo a eficiência e a independência funcional para que a sociedade brasileira continue tendo as entregas que tanto carece.
*Manoel Murrieta é Promotor de Justiça do Estado do Pará e Presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) e coordenador da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas). É pós-graduado em Direito Ambiental e Políticas Públicas pelo Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (Naea/Ufpa) e professor de Processo Penal na Escola Superior Madre Celeste (Esmac/PA).