Em 2018 uma leva inédita de parlamentares de extrema-direita ganhou espaço no Parlamento elegendo-se na esteira de Bolsonaro. Não se espera novidade dessa natureza agora em 2022, e por isso a Câmara dos Deputados verá sua composição modificar-se dentro dos três agrupamentos hoje existentes: esquerda, bolsonaristas e Centrão.
A Câmara deverá apresentar uma diminuição na fragmentação. Devido à cláusula de barreira que vigora desde 2018 (EC 97/2017), o cerco aos partidos pequenos se fecha. Agora para 2022 estabelece-se que só receberão recursos do fundo partidário e tempo de rádio e televisão – isto é, garantia de sobrevivência organizacional e eleitoral – os partidos que atingirem 2% dos votos válidos para a Câmara dos Deputados distribuídos em nove unidades da federação e 1% dos votos em cada uma delas.
A diminuição da fragmentação virá da extinção de partidos pequenos ou pela sua integração em federações. A extinção de partidos leva à pura e simples diminuição daqueles em atividade. A união em federação, desde que ela atinja a cláusula de barreira, faz com que os partidos continuem existindo, e assim mantenham sigla, identidade, estatutos. Contudo, a federação deve durar no mínimo quatro anos e atuar sempre unida – ao contrário das coligações eleitorais, que em regra se dissolviam logo após os pleitos. As federações devem gerar assim, na prática, uma diminuição do número de agremiações dentro do Congresso.
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As federações hoje inscritas no TSE são: PT, PCdoB e PV; PSOL e Rede; PSDB e Cidadania. Vê-se que a esquerda tradicional preocupou-se em manter sua identidade, pois partidos que deveriam ter problemas com a cláusula associaram-se. Já PSDB e Cidadania definem uma federação de centro-direita. A miríade de partidos da direita, por sua vez, provavelmente vai assistir à extinção de algumas siglas e à migração de deputados “órfãos” para as agremiações restantes. A “desfragmentação” formal virá da direita.
A esquerda, definida como PT, PCdoB, PSOL, Rede, PSB, PV e PDT, tem hoje 121 deputados. Devido ao bom desempenho de Lula no pleito, espera-se que esse grupo cresça. Na imprensa já surgiram números como 170 parlamentares, 180 – eu pessoalmente imagino algo menor, como 150. A distribuição interna, contudo, variará significativamente. O PT deve ser o grande beneficiado, o que pode favorecer PCdoB e PV, que estão em sua federação. Já PSOL e Rede, com puxadores de voto importantes no Sudeste, como Boulos, Luiza Erundina e Marina Silva, têm boas perspectivas de crescimento. PSB e PDT, partidos médios e que concorrem isolados, podem sofrer e mesmo não se beneficiar desse crescimento esperado.
Centrão e bolsonaristas, por sua vez, devem apresentar os movimentos mais interessantes na configuração futura, disputando umas 340-360 vagas. Ambos os grupos dividem uma série de posicionamentos ideológicos: defendem a pauta de costumes e na economia e nas políticas públicas são conservadores. Contudo, a forma de “fazer política” e vencer eleições difere.
O Centrão apresenta-se ao eleitor como aquele vácuo ideológico que se assenta em redes tradicionais (empresários, associações, sindicatos patronais, comunicadores, redes de cabos eleitorais movidas a recursos financeiros) e que disputa a eleição baseada em recursos e visibilidade generalizada. Vê-se aí a importância do orçamento secreto e também a camaleônica capacidade de serem bolsonaristas em 2022 e tornarem-se governo com Lula em 2023.
Os bolsonaristas, por outro lado, disputam o voto do eleitor baseado num discurso altamente ideológico, em que as pautas conservadoras e reacionárias (família tradicional, armas, discriminação contra minorias) e também o antipetismo são o carro chefe. Para este grupo, a visibilidade é de outra natureza, mais focalizada, e atinge um grupo bem definido agora em 2022, os apoiadores intensos do presidente Bolsonaro.
Em termos numéricos, se a esquerda de fato crescer, Centrão e bolsonaristas entrarão em luta fratricida pelas vagas remanescentes. O campo de luta terá em um lado abundância de recursos do orçamento secreto e de outro uma exposição radicalizada de valores reacionários e antipetistas, principalmente nas redes sociais.
O Centrão, caso ocorra vitória de Lula, não deve apresentar surpresas. Hoje parte já caminha com o petista, como alas do MDB. Os demais, por sua vez, devem aproximar-se do governo numa escalada de cortejos que será menos exuberante para os hoje atores neutros, como o PSD, e mais extremada por parte de Republicanos, PP e PL, ainda abraçados a Bolsonaro.
Já os bolsonaristas enfrentarão uma encruzilhada. Difícil imaginar que alguma sigla dará guarida e protagonismo a um grupo coeso e homogêneo de opositores bolsonaristas. Seria o PL, ou o PP? Isso só ocorrerá se os bolsonaristas tomarem conta dessas siglas, o que é altamente improvável.
Os bolsonaristas enfrentarão dois grandes desafios. O primeiro é dos números. Do tamanho de seu grupo dependerá sua força. E por outro lado deverão enfrentar o espectro inafastável da política moderna: a institucionalização. Espalhados e isolados em várias siglas como zumbis sem guarida formal, eles terão pouca efetividade. Sua sobrevivência dependerá de alguma forma de organização formal, a qual também porá em jogo seu extremismo.
ps: o Centrão foi levado, em termos de posição frente ao eleitorado, mais para a direita. Isso deverá afetar a condução de um eventual governo Lula. Mas isso é material para outro texto.
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