Ao entrar como professora voluntária de história em um pré-vestibular comunitário, conheci um coletivo de juventudes de favela, que, a partir desse e de muitos outros projetos, estão ampliando suas redes, aumentando suas potencialidades e super dispostos a fazer a diferença. Ele se originou em 2018, a partir de um encontro de diversos jovens negros de favelas do bairro da Tijuca numa laje do Morro do Borel, na zona norte do Rio de Janeiro, que tinha como intuito discutir sobre política, cotidiano e as violações de direitos. O coletivo, autointitulado Brota na Laje, passou a pensar, organizar e participar de uma série de ações voltadas a esses territórios.
Além dos encontros, as ações do Brota na Laje no seu primeiro ano de existência foram a construção de uma agenda de ações no Complexo do Borel com a memória das datas da Chacina e do Ocupa Borel, e construção do evento “Se o Borel Fosse Nosso”. Ainda em 2018, o grupo foi convidado para colaborar na construção da pré-candidatura de Mônica Francisco, uma das militantes mais reconhecidas do território, eleita deputada estadual no mesmo período. No ano seguinte, um dos maiores projetos do coletivo saiu do papel: a criação de um pré-vestibular comunitário.
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Muitos membros do Brota são os primeiros das suas famílias a entrar na faculdade e o coletivo acredita que esses espaços podem e devem ser ocupados por pessoas pretas, pobres e faveladas. A população negra teve, ao longo da história, o acesso à educação negado e, apesar de todas as conquistas para ocupar esses espaços, ainda ocorrem inúmeras tentativas de interdições e de violação desse direito por parte, inclusive, do Estado. O Brota na Laje atua contra isso, porque acredita que a educação tem um papel importante no combate ao racismo, a discriminação de gênero e das demais desigualdades sociais, por ser uma das formas de inclusão social, de formação de cidadania, de ampliação de oportunidades e da construção de uma sociedade plenamente democrática. O grupo luta não só para ajudar a realizar o sonho dessas pessoas de entrar para uma faculdade, mas para que elas consigam permanecer dentro delas.
Através de um grupo de pais da Escola Oga Mitá, o coletivo fechou uma parceria com a escola, que acolheu o projeto, fornecendo boa parte da infraestrutura necessária para que ele acontecesse. O projeto conta também com uma equipe de professores voluntários, constituída por membros do coletivo, pais de alunos da escola, professores da escola, professores que atuam em outras instituições de educação, estudantes universitários, pesquisadores e outras pessoas que se identificam com o projeto e querem somar. A maior parte dos alunos que frequentam esse pré-comunitário são moradores das favelas da região da grande Tijuca. Para além das atividades em sala de aula, também é realizado formação de professores, encontros de planejamento, atividades externas, arteterapia, campanha de arrecadação financeira para cobrir os demais gastos do curso (através de mecanismos de vaquinha virtual), doação de material, arrecadação de lanche para os alunos (encabeçada por um grupo de pais da escola) e muitas outras coisas.
O pré-vestibular teve que passar para as atividades remotas por causa da pandemia. Foi um processo complicado, com a evasão de boa parte dos alunos, mesmo assim o coletivo e a rede de colaboradores não desistiram do sonho. Em 2021, as aulas remotas permitiram expandir as fronteiras do projeto e alcançar estudantes e professores voluntários de outros territórios (bairros, cidades e estados). A ideia do projeto agora é voltar para as atividades presenciais – dentro de todos os protocolos de segurança -, fortalecendo a parceria com a escola e com os demais colaboradores, ampliando as atividades.
Durante a pandemia, o coletivo também se voltou de maneira muito forte para um dos problemas sociais que atinge diretamente aqueles que vivem nas favelas, nas ruas e em situação de pobreza: a questão da fome. Promoveu arrecadação e distribuição de alimentos para os moradores, através de cestas básicas e produção de quentinhas para moradores de rua. Essa ação foi feita de forma conjunta, com outros coletivos que compõe a Frente de Favelas da Tijuca. Ainda dentro da questão da alimentação, fortaleceu as redes de hortas comunitárias das favelas da região, organizando encontros e conversas com os trabalhadores das hortas.
Atualmente, o Brota na Laje é parceiro no projeto Cidadania Ativa e acesso à Justiça, do Ibase (Instituto de brasileiro de análises sociais e econômicas), que tem como objetivo impulsionar a participação cidadã, qualificar a incidência política e viabilizar formas de acesso à justiça em territórios específicos. Produz Indicadores de Cidadania dados e pesquisas que demonstram a efetividade ou violação de direitos sofridas pelas(os) cidadãs(ãos) locais, através de pesquisas participativas (em conjunto com os territórios), processos formativos e processos de diálogo amplo com organizações, militantes, ativistas, movimentos e coletivos, que caracterizam a cidadania ativa local. Nesta edição o projeto é desenvolvido no Complexo do Borel e em Jardim Gramacho. Outra parceria é com o projeto Tamu Junto, que realiza a produção de verbetes para o dicionário de Favelas Marielle Franco.
No início de dezembro, colaborou com a construção do Centenário do Borel, evento para marcar os cem anos do início da favela. O evento fechou a principal via de acesso para promover a comemoração contando com som de artistas locais, uma feira solidária, o concurso miss Borel, homenagens as pessoas que prestaram serviços e contribuíram na história do território, projeções com as reivindicações que marcaram o Ocupa Borel (organizada pelo Brota) e apresentação da escola de samba Unidos da Tijuca (oriunda dessa mesma comunidade). O coletivo aproveitou a ocasião para divulgar as suas outras atividades.
Tendo como princípios o combate ao racismo, as violências de gênero, a LGBTfobia, ao genocídio da juventude negra e periférica, e as mais diversas formas de discriminação, violência e violação que assolam diariamente as populações pobres, pretas e faveladas, o Brota na Laje vem ampliando suas redes e fortalecendo suas ações, através da atuação de jovens negros que acreditam que as lutas e resistências são coletivas. Ao escrever sobre o Brota na Laje percebi que o coletivo nada mais é do que a prática do UBUNTU, da ideia do “eu sou porque nós somos”.
Muito obrigada Blenda, Larissa, Henrique, Renan, Wendel, Vívian, Pedro e Natália, por dividirem essas vivências comigo e por nunca desistirem, por mais difícil que sejam os processos de resistência.
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