O Brasil protege a violência política como quem cuida de um bem precioso. É a violência política o instrumento que pode ser lançado ou posto numa balança quando a estrutura de poder se remodela. É uma ferramenta antiga, que muitos utilizam de forma hábil e quase regimental, mantendo a estrutura rudimentar e homogênea das casas legislativas intactas. São as práticas – até poucos anos – não narradas do espaço público brasileiro, porque tomadas como parte do jogo: ataques, ameaças, silenciamentos, assédio físico, sexual, difamação, agressões físicas e até mortes.
A compreensão da baixa presença de mulheres na política como um déficit democrático, junto às inúmeras reivindicações por espaço das demais maiorias silenciadas, fez com que a nuvem de poeira lançada sobre a violência política começasse a chegar ao chão e suas expressões começassem a ser nomeadas como um problema público. Ou ao menos é assim que deveriam ser.
O quadro ainda homogêneo visto na política nacional vem sendo modificado por esforços coletivos das mulheres, negros e LGBTQI+, com destaque para o resultado positivo das últimas eleições municipais para as mulheres negras, indígenas e transgênero. E foi então que vimos o instrumento ainda pouco nomeado voltar a ser lançado tão logo eleitas as novas representantes, desta vez com intensidade e frequência até então inéditas. A sequência de ataques sofridos pelas vereadoras de diversas cidades e capitais assim que eleitas, e as recentes e constantes ameaças direcionadas à deputada estadual Érika Hilton e a vereadora Benny Briolli -como exemplo, mas não exclusivamente – sinalizam um novo momento nas velhas práticas políticas e eleitorais no Brasil: é passada a hora de agir.
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As ações de enfrentamento à violência política contra as mulheres no Brasil devem partir do reconhecimento da lesão aos direitos coletivos, pois é isso que representa uma parlamentar precisar se exilar para exercer seu mandato em segurança. É inadmissível que não se assegure o exercício político daquelas que, eleitas democraticamente, empurram o Brasil para um parlamento mais plural e representativo. O recado que está sendo compartilhado no silêncio político das instituições impõe a mobilização coletiva em defesa de cada uma das parlamentares, sob risco de não nos sobrar mais nada de diverso e pretensamente democrático neste país.
Os silenciamentos e a falta de segurança impostos às mulheres, em específico e de modo mais cruel às negras e trans, para o exercício regular do trabalho parlamentar no Brasil se adequa à imagem de uma autocracia embalada de democracia. As denúncias públicas dos ataques contra essas mulheres parecem ainda não encontrar eco na indignação pública, nas respostas institucionais e nas regras eleitorais. Como no próximo ano as urnas serão abertas novamente, é importante lembrar que a violência política contra as mulheres foi utilizada como “cabo eleitoral” e “palanque” nas últimas eleições, de modo que se tornar urgente repensar as regras eleitorais para que proíbam e punam seu uso como marketing político.
Como conclusão insatisfatória deste tema aberto, relembro o tempo em que as instituições públicas “puniam” as mulheres vítimas de violência doméstica com a inexistência de um sistema mínimo de proteção, uma justiça cega e silente e a recorrente revitimização. Esse quadro ainda não está adequado ao que desejamos, mas sem dúvida, o reconhecimento de que a violência doméstica e sexual é um problema público no Brasil é uma vitória de todas nós. Do outro lado da mesma moeda, quando tratamos da violência política contra as mulheres falamos de um diagnóstico comum na organização de um sistema patriarcal, racista, misógino e transfóbico, com a sensível diferença destas vítimas serem representantes de um sistema público, e mesmo assim não receberem acolhimento, como se privado fosse o ataque sofrido. É como se o privado fosse ocasião para deixarmos pra lá. O antigo não meter a colher – que, felizmente, ao menos como dito popular, hoje é publicamente contestado sobre brigas conjugais.
A violência política contra as mulheres têm marcado a todas e todos nós, mas esse instrumento que feriu o passado e o presente, segue lançado para o futuro que se projeta na política brasileira , a depender do que façamos agora.
Nunca é demais lembrar: quem é de casa se movimenta com destreza no escuro.
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