É de partir coração de quem tem coração. Aproximadamente quatro anos atrás, eu comentava com alguns amigos um fato que estava ficando cada vez mais visível à olho nu: um número crescente de pessoas em situação de extrema pobreza, no país inteiro, vivendo em situação de rua e revirando o lixo para sobreviver. Para so-bre-vi-ver! Pessoas como nós, em condições sub-humanas. Nas regiões centrais das cidades, no Brasil inteiro, estão crescendo os acampamentos de pessoas em situação de rua. E o que é pior: desempregadas, desalentadas e excluídas de programas sociais, boa parte dessas pessoas, num ato de desespero e desesperança com a “vida” acabam se rendendo às drogas.
A gravidade é tão grande que ao pensar nessas pessoas para escrever esse comentário, eu nem consigo me referir neste momento à questão do direito saúde, à educação, a um emprego digno, nem muito menos aos direitos à cultura e lazer. A urgência me faz ter que tratar aqui do mínimo do mínimo. Da mais básicas de todas as necessidades: do direito universal à dignidade humana, do direito à comida, do direito a um pedaço de chão, do direito a um teto.
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Gente! As pessoas estão passando fome no Brasil, que é o quarto maior produtor de alimentos do mundo e um dos maiores exportadores de alimentos do planeta, às custas de muita devastação ambiental, queimadas e financiamento, por exemplo do Banco do Brasil. É preciso tratar do direito a um simples pedaço de terra em um país que tem as maiores concentrações de terras do mundo. De acordo com o Censo Agropecuário/2017 do IBGE, mais de dois mil latifúndios brasileiros ocupam juntos, uma área equivalente a mais de quatro milhões de propriedades rurais e segundo a OXFAN/2019, no relatório Terra, Poder e Desigualdades na América Latina, no Brasil, quarenta e cinco por cento da área rural do país está nas mãos de menos de um por cento das propriedades.
É urgente também tratar do direito a um simples teto, para que essas pessoas possam dormir, fazer as suas necessidades e tomar banho: o mínimo em termos de abrigo e higiene. Os dados do IPEA mostravam, baseados na pesquisa do Sistema Único da Assistência Social, que já em 2020 tínhamos mais de duzentas mil pessoas – homens, mulheres e crianças morando nas ruas e esses números não param de crescer.
“Ah, mas isso é impossível de se resolver, o Brasil não tem dinheiro…” alguém pode estar pensando… Não, minha gente! O Brasil é o país que só em 2021 entregou ao “rentismo”: bancos e especuladores financeiros nacionais e internacionais, uma boa parte do orçamento da nação, assaltando o seu próprio povo para o pagamento da dívida pública, que acumula juros sem fim e que nunca passam por uma auditoria séria. Bancos que, inclusive, não pagam impostos sobre os seus dividendos, que são uma parte do lucro.
Para que o escândalo fique bem claro, com dados concretos, o próprio Banco Central do Brasil, informou que de maio de 2021 para abril de 2022, ou seja, em apenas um ano, o dinheiro da nação pagou só de juros, quatrocentos e oitenta e nove bilhões de Reais! Só de juros! Isso representa quatro vezes o valor também absurdo do lucro do ano passado, que a Petrobras entregou aos acionistas, em grande parte estrangeiros, às custas da exploração da população que paga em Dólar pelo combustível produzido em Real. Isso provoca um estúpido aumento da concentração de renda nas mãos de poucos, em detrimento da miséria de boa parte da população brasileira.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas, a pobreza no Brasil triplicou de 2020 para 2021, chegando a mais de vinte e sete milhões de pessoas nessa situação humilhante. E é evidente que tudo isso é fruto dessa terrível política econômica, que é o mesmo tipo de política econômica que, implantada em boa parte da América Latina, também somada à crise sanitária, amplia a crise social que coloca mais de oitenta e seis milhões de pessoas nesta mesma situação, segundo os dados da CEPAL, que é a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe. A situação do Brasil é ainda mais grave, se somada ao desmonte da Petrobrás, ao preço escandaloso que se cobra pelos combustíveis e impactam nos preços dos alimentos e do custo de vida geral da população, e à péssima condução que tivemos no combate à pandemia.
O Brasil precisa urgentemente traçar planos a curtíssimo, curto, médio e longo prazos para enfrentar esta situação, em parceria com os países da América Latina. Emergencialmente é preciso resgatar essas pessoas que estão abandonadas em situações sub-humanas e em paralelo desenvolver políticas de Estado para ir retomando o processo de desenvolvimento e industrialização no continente, necessários à geração de emprego e renda dignos para a região. E, pensando no caso do Brasil, nada disso será possível se não houver uma reversão do atual quadro político do país, mergulhado em retrocesso, com trabalho e diretos precarizados, processo de desindustrialização avançado e com pessoas sem perspectivas reais de se aposentarem no futuro.
Vale destacar que não há chance de se desenvolver qualquer política pública que recoloque o país no rumo do desenvolvimento social e econômico e que resgate essas pessoas da miséria em que se encontram diante do apagão de dados vivido pelo Brasil, fruto da falta de prioridade do governo Bolsonaro em realizar o senso do IBGE. Não há espaço para achismos. Precisamos “pra ontem”, não de um raio x, mas de uma tomografia da população brasileira para intervir profissionalmente com políticas públicas a partir daí.
Por fim, algo fundamental: sensibilidade humana e força política do próximo governante do país, e dos representantes das instituições democráticas, além de respaldo popular vindo não só das urnas de 2022, mas da pressão permanente do povo nas ruas para que mudanças profundas sejam capazes de diminuir as extremas desigualdades sociais e econômicas no Brasil. O Brasil, enquanto nação, precisa funcionar também para essas pessoas e, se não funcionar para elas, não funcionará bem para ninguém.
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