A Lei de Cotas para pessoas com deficiência completou 30 anos de existência em 2021, sendo instrumento de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. De acordo com o artigo 93 da Lei 8.213/91, estão obrigadas as empresas com cem ou mais funcionários a preencherem de 2% a 5% de seus cargos com pessoas com deficiência.
Dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), divulgado em 4 de janeiro de 2021, apontam que somente 486 mil profissionais com deficiência, entre os 46 milhões de trabalhadores, possuem carteira assinada no país, elementos que reforçam o papel fundamental da Lei de Cotas na promoção da empregabilidade desse segmento. A taxa de desemprego entre as pessoas com deficiência pode ser 80% maior do que as demais pessoas da população ativa, de acordo com a WRIC-ONU.
A Lei de Cotas representou um grande avanço pois permitiu a abertura de novas oportunidades, garantindo independência e a qualidade de vida para as pessoas com deficiência. Além de promover a diversidade nas empresas, a referida lei possibilita ao movimento sindical acesso às informações disponíveis e dificulta a substituição de pessoas com deficiência por outro trabalhador (a). Atualmente, a Lei exige a contratação de pessoa na mesma situação ou reabilitado. No serviço público, além das vagas, a lei também garante condições adequadas para a realização de concursos.
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É inquestionável o papel pedagógico da Lei de Cotas em uma sociedade tão marcada pelo capacitismo. Dados do Dieese apontam que mais da metade das pessoas com deficiência com trabalho formal, 54% delas, recebem até dois salários mínimos, revelando que as pessoas com deficiência ainda ocupam em sua maioria postos de trabalho que exigem menor formação e com remunerações mais baixa do que trabalhadores (as) que não possuam deficiência.
A pandemia também piorou a situação dos trabalhadores (as) com deficiência no mercado de trabalho, mas é fato que o encerramento de vínculos de trabalho já ocorria antes de março de 2020. Levantamento do Dieese demonstra que quase metade das vagas da Lei de Cotas não foram preenchidas, houve queda na Fiscalização (redução de quadros e de orçamento), existência de ataques sistemáticos a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), por parte de empresas e de gestores do governo federal. Ou seja, sem uma intervenção pública que reverta esse quadro, os avanços desse segmento populacional serão perdidos, em especial o direito ao trabalho, condição fundamental para a autonomia e a independência.
A Lei de Cotas mesmo sendo um instrumento para a promoção da diversidade no mercado de trabalho, o governo Bolsonaro, desde que assumiu o poder, tem apresentado iniciativas para desmontar essa política tão importante que garante atualmente a possibilidade de ingresso dessa população no trabalho. Já no ano de 2019, o Planalto apresentou o Projeto de Lei (PL) 6159/2019, que flexibiliza totalmente o cumprimento da Lei de Cotas, diz que se uma empresa precisa contratar duas pessoas, a contratação de apenas uma resolverá a obrigação.
Além de determinar a habilitação/reabilitação compulsória, mesmo que a pessoa não precise de trabalho ou necessite de qualquer auxílio do governo, o Projeto de Lei regula o desvio de função e cria uma competência para a Reabilitação do INSS determinar que atividade seja desenvolvida pelo trabalhador com deficiência. Em caso de descumprimento da Lei a empresa poderá pagar apenas uma multa equivalente a dois salários mínimos por três meses e nada mais. O projeto ainda reduz a penalidade e diminui a importância de um instrumento de fiscalização para a aplicação da Lei, que garante um percentual de 2% a 5% de contração de pessoas com deficiência nas empresas que possuem mais de cem funcionários.
Ainda em 2019, o governo Bolsonaro fez mais uma tentativa de mudanças na Lei de Cotas, apresentou a Medida Provisória (MP) 905, que Institui o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, que altera a legislação trabalhista, e dá outras providências, incluindo diversas modificações por meio de emenda à Lei de Cotas.
No ano seguinte, em 2020, o presidente enviou para o Congresso a MP 927, para que durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuariam apenas de maneira orientadora. Objetivando diminuir a capacidade de fiscalização e, consequentemente, possibilitar o descumprimento da norma, uma vez que a fiscalização é estruturante para o devido cumprimento da obrigação.
O governo também editou, em julho de 2020 o Programa Garantia Jovem, que criava a possibilidade de empresas substituírem a contratação de pessoas com deficiência reabilitadas por jovens. O programa integrou a proposta de MP, porém, após ampla mobilização da Sociedade Civil, o governo federal recuou na apresentação da medida.
Proposições de autoria do Poder Executivo para a flexibilização da lei de cotas para PCD:
1. Projeto de Lei (PL) 6159/2019 – Dispõe sobre (…) a Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 … para dispor sobre a reabilitação profissional e a reserva de vagas para a habilitação e a reabilitação profissional. O autor é Poder Executivo, e foi apresentado em 26 de novembro de 2019. O texto aguarda Constituição de Comissão Temporária pela Mesa Diretora.
2. MP 905, de 11 de novembro de 2019: Institui o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo, altera a legislação trabalhista, e dá outras providências. [o texto original da MP não altera o artigo 93 da Lei 8.213/1991, porém o texto do substitutivo incluiu diversas modificações por meio de emendas. O Substitutivo não chegou a ser apreciado, a MP 905 foi revogada pela MP 955, mas ambas perderam a eficácia].
3. MP 927, de 22 de março de 2020: Dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), e dá outras providências. [A MP perdeu a eficácia, porém o artigo 31 contido no texto original da MPV, que tratava de fiscalização do cumprimento da lei de cotas, foi alvo de várias ADIs acatadas pelo STF:
… Artigo 31. Durante o período de cento e oitenta dias, contado da data de entrada em vigor desta Medida Provisória, os Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia atuarão de maneira orientadora, exceto quanto às seguintes irregularidades: (Vide ADIs nºs 6.342, 6.344, 6.346, 6.348, 6.352 e 6.354/2020) …].
4. MP 936, de 1º de abril de 2020: Institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares para enfrentamento do estado de calamidade pública. [O texto original da MP não contém o termo ‘deficiência’ – a estabilidade da pessoa com deficiência foi incluída por meio de emenda, resultando na Lei 14.020/2020]
5. MP 1045, de 27 de abril de 2021: Institui o Novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda [o assunto não é abordando no texto original da MP, mas há notícias de que emendas no Congresso poderão enfraquecer a lei de cotas, o que depende de análise; por outro lado o Congresso incluiu emenda que veda a demissão de pessoa com deficiência]
6. Programa Garantia Jovem – íntegra da proposta de MP de julho de 2020, que não foi apresentada e criava a possibilidade de empresas substituírem a contratação de pessoas com deficiência e reabilitadas por jovens.
*Michel Platini é brasiliense, ativista dos direitos humanos, lgbti e tradutor de LIBRAS.
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