Por Jean Paul Prates*
Julho de 2015: o fórum internacional Open Government Partnership (“Parceria para um Governo Aberto”) apontava o Brasil como líder do ranking mundial da transparência de dados sobre gastos do governo federal, ao lado do Reino Unido, e à frente de países como Estados Unidos, Dinamarca, Noruega e Alemanha.
Aquele era o Brasil do Portal da Transparência e da Lei de Acesso à Informação (LAI), instrumentos criados nos governos do PT para garantir que todos os cidadãos e cidadãs conheçam atos e gastos do governo.
Nem precisamos olhar muito à nossa volta para concluir que hoje vivemos em um Brasil muito diferente. A LAI e o Portal ainda existem. O que mudou foi o comando do País.
Atualmente, até as visitas dos filhos do presidente da República — que não são crianças a serem protegidas da curiosidade, mas ocupantes de cargos eletivos — ao Palácio do Planalto estão protegidas por 100 anos de sigilo.
É evidente que um governo com a índole do atual não seria compatível com a transparência. E os pontapés no direito do povo de saber sobre seus atos não começaram agora, quando o cerco da opinião pública, do Judiciário, da CPI da Covid e da imprensa começa a se fechar sobre as negociatas promovidas ou toleradas por peixes grandes da corte de Bolsonaro.
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Basta lembrar que apenas 24 dias após a posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019, um decreto muito lesivo à democracia foi editado, alterando as regras de aplicação da LAI para ampliar o número de funcionários autorizados a dar informações e classificá-las como secretas e ultrassecretas.
O decreto foi travado pelo Legislativo, mas a vocação brumosa da gestão bolsonarista é daquelas que se aferram à teimosia.
A imposição do sigilo secular sobre as informações dos crachás de acesso ao Palácio do Planalto emitidos em nome do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) é apenas um exemplo de como o atual presidente e seus fiéis aliados gostam de governar “por debaixo dos panos”.
Em plena pandemia e diante de todas as suspeitas de tenebrosas transações na aquisição de vacinas, o Ministério da Saúde decretou sigilo de 10 anos sobre os documentos do segundo contrato com a Pfizer para compra da vacina contra a Covid-19.
Uma década até parece pouco, diante do século que vai durar o sigilo baixado pelo Exército sobre o processo que apurou a ida do general da ativa e ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello a um ato político no Rio de Janeiro com Bolsonaro. O mesmo prazo foi aplicado ao segredo sobre o cartão de vacinação do presidente da República.
Até as negociações para libertar e repatriar o turista sem noção preso no Egito por fazer piadas misóginas com uma vendedora local ganharam 100 anos de mistério — essa mania de 100 anos parece o conto da Bela Adormecida, onde um reino inteiro sucumbe ao sono ao longo desse período, por efeito de uma maldição.
A Lei de Acesso à Informação realmente prevê a possibilidade de decretação de sigilo sobre informações sensíveis, em nome da segurança nacional ou à privacidade de alguém.
O que o governo não explica é onde estão os riscos à segurança nacional ou a lesão à privacidade nos casos que passaram a ser escondidos da população e das próximas cinco gerações de brasileiros por seus decretos de sigilo.
Seria o caso, talvez, de se explicar a Bolsonaro que o Estado brasileiro e seu ordenamento jurídico não foram instituídos como ferramentas particulares do circunstancial ocupante do Palácio do Planalto.
Ou, ainda, recitar para o atual presidente os princípios que a Constituição exige da administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. De cara, já vemos a violação do princípio da publicidade — com tanto segredo, não é despropositado acreditar que os demais pilares estejam sendo profanados.
Mas, melhor que explicar as regras do jogo para quem desdenha delas, é tirar de vez o jogador incapaz de respeitar a pactuação coletiva que mantém esse País de pé.
*Jean Paul Prates é senador da República pelo estado do Rio Grande do Norte.
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