Milhões de críticas já foram feitas ao comportamento inaceitável e temerário de Bolsonaro em relação à pandemia, pelos péssimos exemplos que dá diariamente ao país, por incentivar o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes, por em dúvida o poder das vacinas, recusar ostensivamente o uso da máscara, promover aglomerações e negar a importância da ciência. Tudo isso num país que, neste momento, é o que mais depende de uma liderança firme e responsável. Mas pouco se falou ou refletiu sobre o poder pedagógico do exemplo. Vamos lá.
Líderes políticos, religiosos, esportivos ou do setor artístico exercem sobre seus admiradores uma influência que eles próprios desconhecem. E justamente por desconhecê-la, abdicam de exercê-la para uma boa finalidade. Ou, ao contrário, e o que é pior, contribuem para a adoção de práticas nocivas e perigosas.
Ainda recentemente, o jogador Gabigol, ídolo da torcida flamenguista, foi flagrado participando de uma festa clandestina, e teve de pagar uma multa de 110 mil reais para não responder a um processo por crime contra a saúde pública. Flagrantes de pessoas participando de festas e reuniões clandestinas infelizmente se multiplicam diariamente.
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Mas quando uma figura pública como um jogador respeitado e admirado até pelos adversários como Gabigol é detido numa festa clandestina a situação muda radicalmente de figura. Porque a força empática desses líderes funciona como uma espécie de poder irradiador de comportamentos. Tal como os admiradores copiam o tipo de roupa, o penteado, o modelo dos sapatos e a maquiagem de seus ídolos – ou de seus líderes – eles igualmente copiam… seus comportamentos! E aí reside o perigo do mau exemplo.
“Eu não quero palavras: quero atitudes”
À primeira mirada, este texto pode parecer até pueril, pela repetição de conceitos que permeiam a história ao longo dos milênios de civilização. Ainda assim, o momento exige o reforço de alguns desses conceitos. E o fazemos, inclusive, aproveitando a própria força dos que se impuseram principalmente pelo exemplo, e não pela retórica.
O poeta Carlos Drummond de Andrade sintetizou: “Eu não quero palavras e nem insinuações, porque palavras se vão ao vento, e insinuações se acabam com o tempo. Eu quero atitudes”. O Diretor da Qintess, Rogério Dias, lembra: “(…) estamos vivendo uma época em que a empatia e as parcerias passaram a ter uma importância muito maior na vida das pessoas. Mais do que capacidade de predizer cenários, portanto, as lideranças precisam oferecer uma visão humana, necessária para apoiar e tranquilizar cada um dos colaboradores de suas equipes”.
Se substituirmos na frase dele a palavra “colaboradores” por “cidadãos”, e “equipe” por “país” vamos perceber que a lição de Rogério Dias vale para uma empresa e para um país.
Chico Xavier, líder religioso espírita que converteu a própria vida num exemplo palpável de doação à humanidade, também merece ser citado: “O exemplo é uma força que repercute, de maneira imediata longe ou perto de nós. Não podemos nos responsabilizar pelo que os outros fazem de suas vidas, cada qual é livre para fazer o que quer de si mesmo, mas não podemos negar que nossas atitudes inspiram atitudes, seja no bem quanto no mal”.
Até entre anônimos, as frases sobre as virtudes do exemplo são muitas. Todas sintetizando um único pensamento: “Exemplo não é uma OUTRA maneira de ensinar, é a ÚNICA maneira de ensinar”. Até porque o bom exemplo é um comportamento contagioso, como já disse alguém. O pior é que o mau exemplo também é altamente contagioso.
Sim, as palavras também funcionam como exemplos
E quando se trata de líderes políticos, não só as ações, mas as palavras igualmente funcionam, e muito, como exemplos, tanto para o bem como para o mal. Quando Paulo Guedes vai a público dizer que filho de porteiro não devia ter direito ao Fies, que empregada doméstica não merece ir à Disney, ou que a população não tem o direito de envelhecer para não comprometer a Previdência, está dando, com palavras, um péssimo exemplo.
Pior: está verbalizando um entranhado e naturalizado preconceito de classe, inaceitável numa personalidade pública que devia dar… o bom exemplo. Quando o filho de Bolsonaro discursa no Senado criticando a aglomeração de senadores na CPI só para criar entraves às investigações sobre o governo do pai – que incentiva as aglomerações – está dando …um mau exemplo.
Quando hordas de bolsonaristas vão às ruas defender um golpe de estado para que Bolsonaro se converta em ditador, além de queimarem máscaras – que chamam de “focinheiras” – em público, estão dando um mau exemplo. Quando o ministro do Meio ambiente defende a ação devastadora dos madeireiros dá um mau exemplo. Quando o Ministro da Justiça defende a tese de que todos têm o direito de se proteger e por isso podem andar armados, está dando um mau exemplo. E vai por aí..
Pra encerrar: quando líderes de todas as partes do mundo criticam as posturas de Bolsonaro, de seus ministros, auxiliares e seguidores, é porque alguma coisa precisa ser feita para combater o mau exemplo. E com urgência. Pelo mal profundo que pode causar, o mau exemplo é criminoso, e além de merecer repúdio, igualmente merece punição.
E o que não faltam são bons exemplos do que já foi feito na área política em situações semelhantes. Exemplos que merecem ser copiados. Um impeachment bem embasado, como acaba de sofrer o corrupto governador Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, é o quê?
– Um bom exemplo.
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