Um amigo, atento observador da cena política brasileira, advertiu-me para um aspecto que já vinha me chamando a atenção há algum tempo: a maioria das análises dos fatos políticos que, lógica e obrigatoriamente, têm Bolsonaro como protagonista, vem se convertendo numa disputa para ver quem consegue reunir mais epítetos e xingamentos contra ele. Os textos estão entupidos de insultos, descomposturas, pedradas e porradas. Será que servem a alguma coisa, têm algum significado prático? Ou servem apenas como catarses que desopilam o fígado e agradam os leitores e fica por isso?
Sim, é muito bom xingar Bolsonaro, com todas as palavras, de todas as formas, em todos os lugares. A gente lava a alma. Mas aquele meu amigo lá do início me lembrou outra coisa muito importante: esses insultos soam como música para seus apoiadores, porque, na lógica deles, se o líder está sendo atacado, é porque está fazendo a coisa certa e seus opositores não se conformam com isso.
O raciocínio chega a ser simplista: “se atacam meu líder, é a mim que atacam”, o que fortalece ainda mais o apoio. Aquele meu amigo condenou os xingamentos a Bolsonaro, os editoriais dos jornalões e até o colunismo da Globo porque “na polarização que se vive hoje, como na Europa pré-Mussolini, pré-Franco e pré-Hitler, os ataques de um lado instilavam a reação do outro lado”.
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E apontou também os males da polarização, que têm poder catártico, tanto de um lado, quanto do outro “nestes tempos de preguiça intelectual”. Ele tem razão, inclusive em relação a textos anteriores meus, em que incorri no mesmo erro de destilar a raiva, apenas querendo escrever o que o leitor queria ler.
Até aqui, as principais forças políticas da oposição ainda não desceram do pedestal de sua vaidade para ajudar a idealizar uma saída concreta para expulsar Bolsonaro em 2022. Na linguagem das ruas, todos ainda estão “batendo cabeça”.
Até porque adianta pouco gritar pelo impeachment se não há condições de abrir o processo e muito menos de garantir que ele tenha sucesso, depois que as direções e os integrantes das duas casas do Congresso foram literalmente comprados e cooptados. Livre, leve e solto, o capitão de bravata desfila de moto com sua boiada, capturando vídeos e fotos para divulgação em telejornais e em suas redes sociais.
PublicidadeE assim, vai consolidando apoios, sem qualquer movimento efetivo para erodir sua muralha. E não adianta alegarem que os bolsonaristas inflam mentirosamente os números de participantes das motociatas. Para eles, o que interessa é a versão, montada sobre fake news.
Os movimentos anti-Bolsonaro registrados na ampla maioria das cidades brasileiras tiveram repercussão midiática pífia, se considerada a repercussão de uma única motociata de Bolsonaro. Até porque, irresponsavelmente, boa parte da chamada grande imprensa vem destinando um pé de página ou coberturas burocráticas a essas manifestações. Como professor de telejornalismo, ensino aos alunos que o chamado “som ambiente” é fundamental para transmitir a emoção do acontecimento. Mas, o que mais se vê nos noticiários das grandes redes, são matérias frias, mostrando manifestantes aos gritos – mas sem o áudio desses gritos. O nome disso é desinformação.
As autoridades judiciárias apenas assistem, inertes, ao avanço da onda neofascista que sapateia em cima de meio milhão de mortos. Só agora o Ministério Público Eleitoral pediu multa para Bolsonaro por propaganda eleitoral antecipada, por ter exibido uma camiseta onde era possível ler: “É bom já ir se acostumando (slogan da campanha passada): Bolsonaro 2022”. Só que o capitão e sua tropa de fanáticos já está em campanha… há meses! Só o TSE não vê.
E há outro aspecto igualmente preocupante. Se o humor tem uma função da maior importância no desmascaramento dos fanfarrões que se escondem atrás do populismo ou do autoritarismo – e Bolsonaro se esconde atrás dos dois – o humor “perde a graça” quando continua a ser praticado como se o país não estivesse enfrentando a maior crise sanitária das últimas gerações.
Caricaturar Bolsonaro disso ou daquilo, colocá-lo de cabelos velhos e longos, vestido de mulher, com traços do serial killer goiano… Não dá mais para rir. E os que riem, na verdade, não estão refletindo sobre os descalabros, mas apenas ajudando a fortalecer sua imagem, sem se dar conta disso. Até porque é sabido que a charge, se aponta o dedo para o malfeito, igualmente celebra o criticado e contribui para sua popularização, pois o leitorado e a audiência mais se divertem do que refletem e condenam o alvo da chacota.
O momento exige pés no chão e indignação em alta, sem xingamentos inócuos nem risinhos e gracinhas desproporcionais à tragédia em que o país está mergulhado. Hora de as forças políticas responsáveis começarem a correr atrás do prejuízo e ajudarem a construir uma alternativa capaz de fazer frente a Bolsonaro em 2022.
Até porque, a cada dia que passa, mais aumentam os riscos da aventura autoritária que ele acalenta. O colunista Luiz Carlos Azedo, do Correio Braziliense, acertou na mosca ao afirmar: “O poder faz de sua política antissistêmica uma coisa assombrosa, que pode nos levar a um desastre muitas vezes maior do que a crise sanitária, cujo protagonismo, diga-se de passagem, Bolsonaro disputa com o próprio vírus da covid-19”.
Por tudo isso, basta de gracinhas e xingamentos. A hora exige responsabilidade, humildade, espírito público e seriedade. Porque o momento é grave. Muito grave.
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