O livro é um dos instrumentos mais adequados para narrar a história da humanidade e não seria diferente no Brasil. A história do livro no país começa de forma tímida, elitista e está profundamente vinculada aos interesses dos colonizadores e religiosos até a metade do século 20. Podemos considerar que os livros foram no início da nossa história um artigo de exclusividade, podendo até ser caracterizados como uma marca de opressão e perpetuação da desigualdade até chegar no atual momento histórico onde são símbolos de igualdade, oportunidade e democratização do conhecimento.
Primeiro, os livros no Brasil serviram exclusivamente para evangelização cristã, em seguida foram inseridos nas necessidades administrativas das colônias e depois atenderam as demandas intelectuais da coroa portuguesa. Mesmo com as profundas transformações sociais com a criação da República Federativa do Brasil, até a Primeira Guerra Mundial o país sequer tinha um mercado editorial consolidado e a maioria dos livros consumidos no Brasil ainda eram produzidos na Europa.
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Na história da república o livro sofreu grandes golpes no período da ditadura militar onde a censura de conteúdo era evidente e o estado determinava o que era adequado para a população ler. Com a redemocratização do país, a Constituição Federal de 1988 trouxe o artigo 150, que passou a proteger o mercado do livro de pagar impostos. Enfim, o livro passa a ser promovido pelo poder público de forma universal e reivindica seu papel no direito de socializar informações.
As legislações e políticas públicas nos anos que se seguiram promoveram a disseminação do livro e da leitura e, apesar das falhas de implementação, mudaram significativamente o cenário literário e educacional brasileiro. A lei 10.8655/2004 garantiu ao livro a isenção de Cofins e PIS/Pasep. Em 2006 foi criado o Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL) que ao longo da sua implementação, de 2006 e 2010, conseguiu aumentar significativamente a quantidade de bibliotecas públicas no país.
Já em 2010 foi criada uma nova iniciativa que promoveu a disseminação do livro com a Lei 12.244/2010 que obriga todas as escolas públicas e privadas a terem uma biblioteca. Essas e outras determinações mudaram substancialmente o papel do livro no país nos últimos anos. A exemplo disso, podemos falar da redução do índice de analfabetismo que, segundo o IBGE, de 1991 a 2017 caiu 12,5%, saindo de 19,7% de analfabetos com mais de 15 anos de idade em 1991 para 7,2% em 2017.
O Brasil ainda precisa de muitas mudanças para garantir que a leitura seja um hábito de todos no país. Toda pessoa que acredita nisso e na promoção da educação e da leitura entende que reformas estruturantes no país são boas oportunidades para alavancar essas mudanças. A reforma tributária é uma delas. Uma oportunidade para promover a justiça social e o reequilíbrio de impostos. A reforma tributária pode representar uma reparação histórica para taxar de forma mais justa os que têm mais e os que têm menos. Porém, assim como a maioria das coisas no governo Bolsonaro, caminhamos para resoluções que geram maior desigualdade e desconstrução de políticas estratégicas.
PublicidadeÉ no cenário da pandemia, enquanto em alguns países, como nosso vizinho Uruguai, as prefeituras distribuem cestas básicas com kits de livros, que no Brasil debatemos a reforma tributária e o ministro da Economia, Paulo Guedes, ameaça acabar com a isenção de tributos para livros com a justificativa que o livro é um produto da elite. Guedes ainda fala que o governo federal pode criar programas de distribuição de livros para os pobres. Com esses argumentos vagos e falaciosos Guedes comprova duas coisas: não sabe nada das políticas do livro e da leitura dos últimos 30 anos e não tem interesse em tomar medidas para democratizar o livro no nosso país.
Essa proposta é uma afronta à democratização do acesso à leitura. Hoje, a média do preço do livro no Brasil é de 19 reais e a média de leitura do brasileiro é de dois livros por ano. O encarecimento dos livros com essa nova cobrança de tributo pode aumentar os preços em torno de 20% os tornando menos acessíveis para classe média e classe baixa.
O aumento significativo do valor dos livros, com resultado do fim da isenção, representa uma restrição direta do público que tem acesso à literatura. Somado a isso, a proposta ventilada por Paulo Guedes do governo federal de doar livros para os mais pobres vai na contramão da liberdade e democratização de conhecimento já que centraliza a terceiros as escolhas de leitura dos cidadãos mais pobres. Uma proposta um tanto quanto assistencialista e autoritária para um ministro dito liberal.
Além disso, a mudança vai impactar diretamente às editoras, livrarias e distribuidoras de pequeno e médio porte que não podem arcar com a absorção dos custos dos novos impostos, pois não produzem e distribuem em grande escala. O resultado da taxação de livros representa falências, fechamentos e desaquecimento do mercado editorial e comércio de livros no Brasil, um setor que já teve seu faturamento reduzido em 20% entre 2006 até 2019 por um somatório de fatores como a massificação da tecnologia e enfraquecimento de algumas políticas públicas. Por fim, o próprio poder público sofrerá com o aumento do custo dos livros já que terá sua capacidade de compra do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SBNP) reduzida e terá custos maiores na compra de livros didáticos.
Considerando esse contexto e dados fica evidente que a taxação de livros no país não é o caminho para reduzir privilégios e sim perpetuá-los. Apenas os mais pobres e a parte da indústria mais frágil sofrerão as consequências da taxação dos livros, enquanto os mais ricos seguirão tendo acesso a conhecimento de forma ampla e as grandes editoras caminharam para consolidar seus monopólios.
Para Mario Vargas Llosa, escritor peruano premiado com o Nobel da Literatura em 2010, “um mundo sem literatura se transformaria num mundo sem desejos, sem ideais, sem desobediência, um mundo de autômatos privados daquilo que torna humano um ser humano: a capacidade de sair de si mesmo e de se transformar em outro, em outros, modelados pela argila dos nossos sonhos”. Talvez esse seja exatamente o mundo, ou pelo menos o Brasil, que Guedes e Bolsonaro querem.
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