Daqui a nove meses escolheremos o presidente da República e a estratégia nacional que guiará o país nos próximos quatro anos. Só têm direito a reivindicar o futuro aqueles que compreendem criticamente e valorizam a herança da história. Nada é mais raso e equivocado do que as visões do tipo “nunca antes na história desse país”. Pecam por falta de humildade e rigor analítico. A história não começa, nem termina com nenhum ator isoladamente, por mais importante que tenha sido. Não se quer com isso negar o papel, positivo ou negativo, do indivíduo na história. É evidente que sujeitos singulares como Mandela, Napoleão, Lênin, Hitler, Gandhi, Lincoln, Churchill, Vargas, JK, entre tantos outros, para o bem ou para o mal, catalisaram e sintetizaram as energias e as tendências de determinada época através de sua liderança pessoal. Mas o avanço civilizatório é um processo, o desenvolvimento da sociedade é obra coletiva, geração após geração.
Num momento em que o jogo político se dá cada vez mais com a marca de um pragmatismo vazio, órfão de referências ideológicas e valores sólidos e consistentes, onde o conteúdo e as ideias se perdem num oceano de marketagem e oportunismo, talvez uma revisita aos clássicos seja uma boa conduta.
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O recesso parlamentar permite colocar a leitura em dia. E dos livros que me fizeram companhia neste janeiro, sugiro a todos que desejarem partir para as eleições com uma visão mais clara sobre a formação da sociedade e da economia brasileiras a leitura da coletânea de ensaios, resenhas e conferências, escritos de 1978 até hoje por Fernando Henrique Cardoso, em “Pensadores que inventaram o Brasil”. É uma leitura oportuna também para os jovens que começam a se interessar pela vida nacional, suas raízes e seu futuro.
Ali, o líder político e ex-presidente da República dá lugar ao maior intérprete do Brasil contemporâneo e a um dos mais importantes intelectuais de nossas ciências sociais.
Ele passa seu olhar crítico e recupera de forma refinada e criativa as principais obras de Nabuco, Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Antônio Cândido, Florestan, Celso Furtado e Faoro. O autor nos leva a uma viagem, plural e ampla, pelo que há de melhor na literatura brasileira para que compreendamos como o capitalismo contemporâneo e a sociedade moderna surgiram no Brasil, de forma absolutamente original, das entranhas do escravismo colonial, num território continental, sob a língua portuguesa e a partir de uma combinação única, sincrética, contraditória, às vezes, misteriosa, de traços culturais e históricos de europeus, negros e índios.
Vale a leitura. Como diz FHC: “A lupa que permite ver quem somos e como somos precisa do complemento de telescópios que nos situem no universo mais amplo, sem cujo desvendar a visão de nossa identidade fica pouco nítida”. E complemento eu: e o futuro mais nebuloso.
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