Desde quando acompanhei e critiquei os festejos de alguns em relação à abertura do capital estrangeiro à investimentos na malha aérea brasileira, fiquei bastante preocupado, por desconfiar do que viria pela frente. A iniciativa fora autorizada no final de 2018 por Medida Provisória, pelo então presidente da República Michel Temer, porém, já com aval de Paulo Guedes, que seria o futuro ministro da economia de Bolsonaro.
As expectativas criadas e propagadas davam conta de que essa permissão de entrada do capital estrangeiro, que poderia chegar a 100% de investimentos em companhias aéreas brasileiras, atrairia as empresas do primeiro mundo para aumentar a concorrência no Brasil, um país que se encontra na periferia do capitalismo.
E em meio a essa situação estava embutida outra questão, apoiada previamente e defendida por Bolsonaro já como presidente, que dizia respeito à permissão de cobrança extra de bagagens aos consumidores. Argumentavam à época que isso faria baixar o preço das passagens, pois as pessoas em geral estariam pagando caro pelas passagens porque mesmo quem não despachava bagagens, pagava pelos outros.
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Em menos de três anos, o velho argumento sempre usado de que o “Deus Mercado” regularia o preço das passagens, que a concorrência iria aumentar e viriam para cá as empresas de baixo custo, também chamadas de “low cost” caiu por terra. Ora, se o mercado já estava uma maravilha em favor dos oligopólios brasileiros, ou seja, em favor de pequeno número de empresas privadas que exploravam a aviação civil, com uma “concorrência” praticamente de mentirinha, dava mesmo para acreditar que os investimentos estrangeiros chegariam aqui para promover uma concorrência efetiva ou era mais fácil entender que o produto final seria a maximização dos lucros?
O que temos como resultado é a cobrança das bagagens despachadas, além do custo das passagens aéreas que ao invés de ter diminuído, só aumentam a cada dia; essa cobrança, inclusive, faz com que os passageiros fujam do despache e encham as cabines do avião com o mínimo permitido, o que resulta no atraso dos embarques e superlotação dos bagageiros internos. Por causa disso, todos os dias ocorre uma cena revoltante em todos os aeroportos do país: os que deixaram de levar mais algum pertence necessário para não pagar e os que foram obrigados a pagar pelo despache de bagagens, se deparam na hora do embarque com um “pedido” em tom de ordem dos funcionários da companhia aérea para despacharem gratuitamente suas bagagens, o que deixa revoltado e com cara de palhaço quem pagou em vão.
PublicidadeAlém disso, fruto do uso da inteligência artificial, quanto mais você faz pesquisas de preços, seja no site das companhias ou sites de busca e vai demonstrando preferencias por determinados dias e horários de voo, essas opções vão ficando cada vez mais caras. Todas as nossas informações ficam registradas em nosso desfavor e facilitam a exploração por parte das companhias aéreas. Isso ocorre quando somos obrigados a aceitar os chamados cookies, que, na prática, significa a “autorização obrigatória” – já que não temos alternativas – que damos às empresas para que elas captem nossos dados e desejos de compra e comercializem essas informações.
Pior que tudo isso, além de ver o contínuo aumento das tarifas de aeroportos e da obrigação de pagar pelas bagagens que necessitamos, é a escandalosa oscilação do preço das passagens. Como pode uma passagem oscilar de R$ 150,00 a 1.500, 2.000 a 3.000 Reais? Isso não é normal; é desonesto e está absolutamente fora de controle.
Também tem causado revolta o fato de que as companhias aéreas, usando as informações que sugam dos passageiros na hora da compra das passagens, sabem quando a compra é feita para um casal, grupo de amigos ou para uma família. Antes, automaticamente, todos ficavam juntos e isso ainda aconteceu durante um tempo mesmo quando as companhias já vendiam lugares determinados no avião. Agora, todos os passageiros ficam separados caso não paguem a mais para ficarem juntos. Sem contar que os lugares um pouco menos apertados que latas de sardinha custam muito mais caro.
Mesmo assim, ainda há aqueles – iludidos ou de má fé – que defendem que a concorrência no mercado regula. Ora, isso não acontece na prática porque não há uma efetiva concorrência. O que existe são oligopólios privados que exploram os passageiros e a entrada do capital estrangeiro só piorou a situação e não aumentou a concorrência. Além disso, não podemos esquecer que após o pacote de socorro financeiro do Governo Federal ter disponibilizado mais de R$ 3,6 bilhões de Reais de ajuda às empresas aéreas, passado o período crítico da pandemia o que temos é a faca no pescoço do consumidor: as empresas que mal ofereciam um biscoito aos passageiros, hoje em dia praticamente só oferecem água e cobram pelos lanches e refeições. Se a coisas continuarem assim, sem freio, até pela água e pela roupa do corpo eles irão cobrar. E quando o passageiro atrasa, perde o voo ou precisa remarcar? Haja multa! Mas, se a empresa atrasa ou cancela o voo, como é que fica o compromisso que você perdeu?
Tenho sentido muita falta da atuação enérgica dos órgãos de defesa do consumidor e por isso eu pergunto: o que as promotorias têm a dizer sobre isso? Cadê o Ministério Público? Esses órgãos são algumas das poucas esperanças, pois a própria agencia que deveria regular e colocar um freio nessa exploração sem fim, a ANAC, tem caminhado em favor das empresas aéreas e contra o consumidor. Contar com a maioria do Congresso Nacional, nem se fala. Talvez porque não precisem pagar passagens caríssimas do próprio bolso. E quanto ao trade turístico? Me espanta a inação. Será que não percebem que muito mais pessoas viajariam se não houvesse tanto abuso? Por que o silêncio? Até quando o Brasil e os brasileiros seguirão sendo sugados de forma passiva e anestesiada?
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