As grandes ideias vitoriosas ao final do Século XX pareciam ser liberdade e democracia. O socialismo havia desmoronado com a dissolução da URSS, a queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. A socialdemocracia vivia o rescaldo do esgotamento fiscal do Welfare State
nos anos de 1970 e tentava se reciclar com a 3ª. Via liderada por Bill Clinton, Tony Blair e Fernando Henrique Cardoso.
O neoliberalismo, que foi hegemônico nos anos de 1980, com Ronald Reagan e Margareth Thatcher, entrava em declínio. O mundo capitalista experimentava a globalização e a revolução tecnológica da era digital. A China optava pelo capitalismo de Estado e despontava como potência global. Em 2008, o estouro da bolha do mercado imobiliário americano contaminou grandes bancos e a economia mundial mergulhou em crise profunda, recessão e desemprego.
Diante disto, os paradigmas ideológicos ficaram obsoletos e não conseguiam explicar o mundo contemporâneo. As velhas visões sobre as relações entre sociedade e Estado eram repensadas. Um espaço de convergência surgiu entre o liberalismo e a esquerda democrática moderna. Mitos e dogmas eram revistos. Tudo indicava que no livre jogo da democracia iríamos encontrar as respostas. Dialogar, debater,
contraditar, buscar consensos progressivos, avançar a realidade combinando as virtudes da economia de mercado, da democracia e as
políticas sociais.
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Eis que a partir dos idos de 2014 surge um novo fenômeno abalando os pilares da democracia: o populismo iliberal. Nacionalismo exacerbado, autoritarismo político, confrontação com as instituições, populismo digital, mobilização de ressentimentos e questionamento aos sistemas eleitorais. No vácuo dos ressentimentos deixados pelo mundo contemporâneo surge uma corrente popular de excluídos em busca de líderes outsiders, que servissem de ferramenta contra o sistema política tradicional. Os partidos políticos já vinham perdendo capacidade de vocalização com o fenômeno das redes sociais e a fragmentação social.
Esta onda teceu um fio que interligou Donald Trump, Marine Le Pen, Boris Johson, Giorgia Melloni, Viktor Orbán, Matteo Salvini, Erdogan e
Bolsonaro. Agora foi a vez de Javier Milei, na Argentina, vencer com grande margem de votos. Milei se autodefine como um anarcocapitalista
ultraliberal. Figura histriônica, cujo o símbolo de campanha era uma motosserra para cortar em pedaços a estrutura do Estado, agressivo e
com propostas ousadas como o fim do Banco Central e a dolarização da economia, conseguiu captar o sentimento majoritário do povo argentino, diante de uma herança peronista marcada por uma inflação de 150% a.a. e 40% da população na faixa da pobreza.
Duas questões essenciais têm que ser decifradas, sob pena de devorarem a democracia: a) por que setores políticos não populistas, equilibrados, sérios, talhados para o diálogo democrático, têm tanta dificuldade de se comunicar e se relacionar com a maioria de cidadãos-
eleitores despolitizados e insatisfeitos com o mundo que os cerca e o sistema político tradicional? b) Como conectar as eleições presidenciais, onde as ideias são firmes e mobilizadoras, com as eleições parlamentares, que passam à margem das grandes ondas de opinião pública, garantindo condições de governabilidade para o mandatário eleito?
Vale pensar sobre isto!