“Diálogo”. Em entrevista ao Congresso em Foco, a palavra foi usada quase como mantra pelo deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) para indicar aquilo que dará o tom ao relacionamento entre os empresários e um eventual terceiro governo Lula.
Transformado na atual campanha eleitoral em principal elo de ligação entre o ex-presidente Lula e o empresariado, Padilha diz: “O governo Lula sempre foi um governo de muito diálogo, e o presidente Lula está convencido de que o diálogo é fundamental para reerguer o país”.
Ministro das Relações Institucionais de Lula (entre setembro de 2009 e dezembro de 2010), Padilha conta que, se eleito, o candidato petista a presidente vai criar uma instância permanente para discussão e elaboração de políticas públicas com representantes dos empresários, dos trabalhadores e de outros setores da sociedade.
A ideia é retomar a experiência do antigo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, mas com novo formato, ainda em estudos. O chamado Conselhão era ligado exatamente à antiga Secretaria das Relações Institucionais da Presidência da República, órgão com status ministerial que cuidava da coordenação política do governo. Foi essa experiência, observa ele, que o credenciou a se tornar uma ponte com empresários, trabalho que realiza com discrição desde o início deste ano.
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Padilha reafirma alguns planos de Lula para a economia, como a substituição do teto de gastos por uma outra regra fiscal, a ser definida por meio de “debate com a sociedade, o Congresso Nacional e os atores econômicos”, o aumento real do salário mínimo e a elevação do auxílio emergencial, rebatizado pelo presidente Jair Bolsonaro como Auxílio Brasil.
O deputado descarta a possibilidade de uma “aventura golpista” por entender que falta apoio a Bolsonaro seja para dar um golpe de Estado, seja para impedir o reconhecimento dos resultados eleitorais. Nesse sentido, enfatizou que vários governos estrangeiros já sinalizaram a intenção de reconhecer rapidamente os resultados anunciados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como forma de inibir manifestações que ponham em dúvida a regularidade e a credibilidade das eleições.
PublicidadeUma grande preocupação de Padilha e do seleto grupo de políticos e assessores que têm acesso livre a Lula é com os estragos fiscais que Bolsonaro pode perpetrar se for derrotado nas urnas. “É completamente imprevisível o que Bolsonaro vai fazer com as contas públicas até 31 de dezembro se ele perder as eleições. Ele já falou que não quer deixar o tanque do carro cheio, é frase dele”, afirma o parlamentar, que divide o tempo entre o apoio à campanha presidencial e o esforço para se reeleger.
Frequentemente encabeçando as listas de possíveis ministeriáveis que já começam a brotar em profusão nos despachos de empresas de consultoria política e na mídia, com o seu nome muitas vezes apontado como favorito para ocupar o Ministério da Economia, Alexandre Padilha desestimula qualquer especulação a respeito de escolha de ministros: “O presidente Lula é um político bastante experiente, que sabe que não se discute nada disso antes da hora. Essa decisão com certeza ele só vai tomar depois das eleições”.
Com 51 anos de idade e perto de encerrar o seu primeiro mandato de deputado federal, Padilha tem longa folha de serviços prestados ao PT. Entre outros cargos, foi ministro da Saúde de Dilma Rousseff (2011 a 2014) e secretário municipal da Saúde de São Paulo, entre 2015 e 2017, na gestão de Fernando Haddad. Médico, formado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), é militante do PT há mais de 30 anos.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista de Alexandre Padilha ao blog:
O diálogo como estratégia
“Não é à toa que o presidente Lula fez questão de ter um vice que foi seu opositor, com o qual teve opiniões divergentes. Muito importante ter essas duas lideranças, o presidente Lula e o Alckmin, de um lado lutando para derrotar o Bolsonaro e do outro fazendo um esforço de reconstrução do país. Não é à toa que o presidente Lula amplia o apoio. Recebe apoio do Henrique Meirelles, de lideranças tucanas, de ex-candidatos a presidente. Nos contatos com atores econômicos, a gente busca relembrar essa postura do presidente Lula de diálogo. Todas as soluções vão ser construídas a partir dessa postura de diálogo, sem nenhuma imposição.
Também faço questão de relembrar que os oito anos de governo Lula foram o único período na história do Brasil, e isso quem diz não sou eu, é a Fundação Getúlio Vargas, em que três coisas aconteceram: crescimento econômico, redução da desigualdade e saúde das contas públicas. Fizemos isso demonstrando responsabilidade com as contas públicas.
O Brasil vive um momento extremamente complexo. Bolsonaro é uma metralhadora giratória de irresponsabilidade com as contas públicas do país e esse diálogo, que começou no início do ano, foi evoluindo de forma cada vez mais próxima exatamente por conta disso. Ao longo dos meses, os atores econômicos foram confirmando aquilo que a gente já dizia: que Bolsonaro é uma metralhadora giratória da irresponsabilidade.
Esse diálogo foi melhorando, de um lado, porque tivemos a oportunidade de relembrar como foi a postura do presidente Lula em seus oito anos de governo e, de outro, pelo próprio comportamento de Bolsonaro ao longo desses quatro anos, e neste ano ainda mais. As duas coisas se combinaram para criar um ambiente de reabertura do diálogo, que vai ser muito importante para reconstruir o Brasil, se o presidente Lula ganhar as eleições.”
A herança de Bolsonaro
“Bolsonaro tomou medidas absolutamente imprevisíveis para os atores econômicos, como os pacotes de operação de boca de urna, que já comprometem as contas públicas para o ano que vem e criam um contencioso federativo com os estados e municípios [em razão da redução do ICMS dos combustíveis, sobretudo]. Ele torrou todo o bônus arrecadado pelo Tesouro Nacional da venda da Eletrobrás, tudo isso numa verdadeira operação de boca de urna, achando que ia comprar votos na véspera das eleições. Jogou o Brasil no isolamento internacional, o que dificulta hoje a vida de vários empresários. Vários atores econômicos, quando fazem uma apresentação internacional, precisam ficar explicando a postura do Bolsonaro em relação à Amazônia, à questão ambiental no Brasil, à questão das eleições…
Aquela reunião em que ele convocou embaixadores para desferir mentiras contra o sistema eleitoral desmoralizou o Brasil e gerou inquietação dos atores econômicos internacionais e dos fundos de investimento.”
Novos ministérios
“Quem conhece a estrutura dos ministérios sabe que é possível criar um ministério sem custo adicional nenhum para fortalecer as políticas públicas e acelerar as decisões. O presidente Lula pretende sim, e isso eu posso dizer porque vi ele anunciar publicamente, retomar o Ministério das Políticas para as Mulheres, o Ministério da Igualdade Racial. Ele anunciou o desejo de criar o Ministério para os Povos Originários para trabalha melhor as questões relacionadas com a população indígena e com os povos originários. Ele já disse que pretende criar o Ministério da Segurança Pública. Nunca ouvi ele fala nada sobre ministérios da área econômica, nem publicamente nem reservadamente. Portanto, não tenho informação sobre isso.
Mas os próprios empresários, por compreenderem que não há aumento de custos uma vez que as estruturas já estão lá, demandam isso. Ouço muito empresários reclamarem da incorporação do Ministério da Indústria e do Comércio pelo Ministério da Economia porque isso diminuiu a agilidade em determinadas decisões e reduziu a possibilidade de diálogo. Muitas coisas ficaram paradas pelo fato de o ministro da Economia de Bolsonaro querer concentrar tudo, querer centralizar tudo. A gente ouve essa reclamação por parte dos empresários e também de outros atores. Portanto, não ouço críticas à criação de novos ministérios. Pelo contrário. Ouço de vários empresários um pleito de recriação de alguns ministérios, sem aumento de gastos, para dar maior importância a determinados temas, que passariam a ser tratados por um ministro próprio, ser discutidos pelo ministro da área e o presidente. Então ouço uma demanda de vários setores para mais agilidade e para mais visibilidade de determinados temas.”
Escolha de ministros
“O presidente Lula é um político bastante experiente, que sabe que não se discute nada disso antes da hora. Juntou-se a um outro bastante experiente também, como o Alckmin. Na cabeça do presidente Lula o que tem é como ganhar as eleições, isso eu posso te dizer.
O que ele já falou sobre isso é que ele considera que o conjunto dos ministros tem que ter um perfil político, de diálogo, inclusive em relação ao ministério da área econômica, que ele defende que seja alguém que consiga construir diálogo e tenha uma visão política porque ele sabe que os desafios são políticos. Ele até fala que pode ser economista, pode ser jornalista, pode ser advogado, pode ser médico, pode ser tudo, desde que tenha uma visão de diálogo político e a consciência de que, para reconstruir a economia do Brasil, a gente vai precisar juntar todo mundo.
Não pode ser uma pessoa que tenha uma tese própria e que vá para o governo para fazer com que a sua tese seja provada. Ele procura o perfil de alguém que possa construir diálogo e tenha condição política de juntar todo mundo, e essa decisão com certeza ele só vai tomar depois das eleições.”
Por que tantos empresários mantêm apoio a Bolsonaro
“Isso quem tem que dizer são eles. Quando dialogo, não tenho a expectativa de conquistar voto para o presidente Lula. Minha expectativa é criar um ambiente de diálogo, que vai ser muito necessário para reconstruir o Brasil, tirar o país do isolamento internacional em que vive hoje, dar sustentabilidade ao esforço de retomada do crescimento. Esse diálogo vai ser fundamental para criar um ambiente de planejamento e de previsibilidade e, sobretudo, para sustentar um novo ciclo de crescimento, de redução da desigualdade e de saúde das contas públicas. Tenho certeza absoluta que o presidente Lula e a chapa Lula/Alckmin podem liderar isso, caso ganhemos as eleições.
Quanto ao voto dos atores econômicos, alguns talvez nem queiram revelar. Mas a intenção de fazer essa conversa é abrir o diálogo, não é conquistar o voto de ninguém.”
O fim do teto de gastos
“Bolsonaro destruiu qualquer credibilidade em relação ao teto de gastos. Desde o primeiro ano de governo, antes mesmo da pandemia, não cumpriu nem a regra de ouro. Não tem cumprido nenhuma das âncoras fiscais estabelecidas no país. Mesmo quem criou o teto de gastos já havia previsto, quando se aprovou a regra, uma revisão em 2026, ou seja, dez anos depois. E havia essa previsão porque uma regra como essa não poderia necessariamente durar 20 anos. O que tenho dito para todos é que, depois de Bolsonaro ter destruído qualquer credibilidade das âncoras fiscais existentes no país e com essa situação da fome, da insegurança alimentar e da defasagem educacional provocada por Bolsonaro e pela maneira como ele reagiu à pandemia, do aumento das filas de atendimento do SUS e da destruição das estruturas de proteção ambiental do país, não é nenhum absurdo o Brasil antecipar em três anos essa revisão, retomando em 2023, quando você tem um novo governo.
Eu digo sempre também para esses atores que qualquer regra fiscal permanente é construída quando um novo governo assume, por dois motivos. Primeiro, porque você precisa ter um diagnóstico detalhado da situação econômica, e isso só será possível quando Bolsonaro sair da Presidência da República e nós ganharmos as eleições. É completamente imprevisível o que Bolsonaro vai fazer com as contas públicas até 31 de dezembro se ele perder as eleições. Ele já falou que não quer deixar o tanque do carro cheio, é frase dele. Para fazer um planejamento sério, precisamos ter clareza sobre a situação das contas públicas e todos os indicadores econômicos, o que só teremos ao final do governo Bolsonaro. Em segundo lugar, você precisa estar no governo para coordenar esse debate com a sociedade, o Congresso Nacional e os atores econômicos. A última regra fiscal que nós temos, a do teto de gastos, foi construída assim. Ela não estava nem na carta ‘Ponte para o futuro’ [documento-base da proposta de governo de Michel Temer], construída pelo Temer antes de começar o processo de impeachment, nem no discurso de posse do Michel Temer ou do seu ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Tiveram que assumir o governo, ver um diagnóstico detalhado da situação fiscal em que o país se encontrava para abrir o debate.
Só para você ter ideia, Bolsonaro pediu oficialmente ao Banco do Brasil, ao BNDES e a outras empresas públicas uma antecipação para 2022 dos recebíveis do Tesouro Nacional que só entrariam em 2023. Esse detalhamento de proposta só é possível quando você tem um diagnóstico detalhado das contas do governo e ao mesmo tempo você está na autoridade de quem está no governo para coordenar esse debate. Certamente, vamos abrir esse debate, inspirado nas melhores experiências internacionais. Se ganharmos as eleições, obviamente. Construiremos uma proposta que tenha credibilidade, estabilidade e que possa dar aos atores econômicos ainda mais certeza de que nenhuma irresponsabilidade fiscal será cometida. Ninguém ignora que o presidente Lula foi um fiador da saúde das contas públicas, mas a gente sabe que é importante ter uma regra estável, que ultrapasse governos.”
Salário mínimo e auxílio emergencial
“O presidente Lula já anunciou, e não abre mão disso, que o auxílio emergencial vai se manter em R$ 600 e busca construir a implementação de um valor adicional pelo número de filhos. Bolsonaro passa para a história do país como o único presidente que não deu aumento real do salário mínimo desde a redemocratização. O presidente Lula vai construir condições para que a gente tenha aumento real de salário mínimo. O detalhamento sobre isso só será possível quando você tiver o diagnóstico detalhado das contas do governo e do país no final do governo Bolsonaro, como foi feito pelo ministro Henrique Meirelles durante o governo Temer. Não houve qualquer antecipação desse debate.”
O novo Conselhão
“O presidente Lula já afirmou que tem todo interesse não só na retomada das conferências de participação da sociedade, que são conferências temáticas, como pretende sim reconstruir um espaço de diálogo com a sociedade como foi o Conselhão. Deve-se pensar num aprimoramento disso. Hoje, você tem vários mecanismos de consulta que a gente não tinha na época. Você tem o diálogo pela internet, você tem novas formas de reunião à distância, você tem vários mecanismos que permitem ampliar esse diálogo. Ele não definiu o formato para isso ainda, mas já manifestou interesse em voltar a ter uma mesa permanente de diálogo que reúna trabalhadores, empresários e representantes do setor financeiro, das universidades e da intelectualidade que pensa o Brasil para reconstruir o país.
Isso é uma característica do presidente Lula. Ele gosta de reunir pessoas representativas e com visões diferentes. Claro que isso agora passa por uma revisão para levar em conta as características de um país que é muito diferente do Brasil de 2003, que foi o ano em que criamos o Conselhão. É preciso pensar em maior participação das mulheres. O tema do racismo ganhou ainda maior importância. É preciso verificar a questão das características regionais. Temos as novas possibilidades da internet. Mas, certamente, teremos uma mesa permanente e plural para nos ajudar na reconstrução do Brasil.”
O risco Bolsonaro
“O Estados Unidos e vários governos sinalizaram publicamente, após aquele espetáculo absurdo do Bolsonaro com os embaixadores, que respeitam o sistema eleitoral brasileiro, e agora sinalizam que pretendem reconhecer o resultado assim que for divulgado.
Tenho convicção de que Bolsonaro não reúne as condições clássicas para tentar impedir o reconhecimento do resultado eleitoral. Não tem apoio popular, majoritariamente. Não tem apoio dos meios de comunicação para isso. Não tem apoio internacional. Não tem apoio da elite econômica. E não tem unanimidade nas Forças Armadas para qualquer aventura golpista.
Mas Bolsonaro é uma figura do conflito. Precisamos estar preparados para uma figura que vai contestar os resultados eleitorais, vai querer criar conflito até 31 de dezembro, vai querer cometer outras irresponsabilidades com as contas do país. É preciso se preparar para impedir que essas coisas aconteçam. Talvez se a sociedade norte-americana tivesse se preparado, teria impedido a invasão do Capitólio. Então temos que estar preparados para qualquer atitude irresponsável de Bolsonaro.
Militares e Bolsonaro
“Já ouvi declarações absurdas de membros das Forças Armadas, de quererem questionar ou até mesmo tutelar o processo eleitoral, mas tenho convicção de que não existe esse apoio unânime das Forças Armadas para abraçar uma aventura golpista ou qualquer postura de tutela do sistema eleitoral brasileiro.”
Violência política
“Isso é muito grave e essa é uma tática da extrema-direita internacional, da qual Bolsonaro é o representante no Brasil. A postura dessa extrema-direita em vários países do mundo, nas eleições, sempre foi uma postura da agressão e do ódio para inibir a livre manifestação das pessoas. Eles acreditam que assim uma minoria, porque o Bolsonaro hoje é minoria, a maioria da população rejeita Bolsonaro, pode se transformar em maioria inibindo as pessoas de se manifestarem. Tentam impedir que as pessoas usem seu adesivo, seu cartaz, mas para todo mundo eu passo a mensagem de que a gente tem que estar firme, sem ódio mas sem medo, se posicionando.
Tenho feito campanha na rua o tempo todo. E sinto uma receptividade muito positiva. É possível se fazer campanha, é possível panfletar, é possível botar um adesivo na roupa. Todo mundo tem que votar. Todo mundo tem que comparecer às eleições com adesivo, com a roupa do seu candidato. Se for o caso indo junto com outras pessoas, para se sentir mais seguro, mas não deixando de se manifestar. Não podemos deixar que o ódio bolsonarista nos iniba de nos manifestar nas eleições.”
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