Uma reviravolta no Tribunal de Contas da União (TCU) recoloca a empresa de logística VTC Operadora de Logística Ltda. (VTCLog) no centro das investigações sobre fraudes no Ministério da Saúde durante a pandemia de covid-19. A reviravolta tem como estopim reportagem que foi publicada pelo Congresso em Foco no dia 18 de março deste ano. De autoria de André Spigariol, a matéria mostrava que a VTCLog foi paga por vôos e entregas de vacinas contra a covid e outros equipamentos que a empresa não realizou.
Na decisão inicial que tinha tomado, o relator do caso, ministro Benjamin Zymler, tinha negado o pedido dos auditores do TCU para que houvesse a oitiva da VTC Log. Na prática, segundo auditores ouvidos na ocasião pelo Congresso em Foco, a negativa de oitiva da empresa impedia que ela continuasse sendo investigada pelo tribunal.
Após a publicação da reportagem do Congresso em Foco, o senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) fez um recurso ao TCU. Na semana passada, o pleno do tribunal debruçou-se sobre o tema e o próprio Zymler mudou seu entendimento. Foram acrescentadas às apurações iniciais dos auditores do TCU as conclusões da CPI da Covid. E Zymler determinou que a VTCLog seja ouvida em 15 dias, a contar da data de publicação do novo acórdão, a última quinta-feira, 29 de junho.
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Veja abaixo o voto de Benjamin Zymler:
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Veja o acórdão do TCU determinando a oitiva da VTCLog
Voos que supostamente não aconteceram
Como mostrou o Congresso em Foco, o governo pagou à VTCLog pelo fretamento de aviões que fariam as entregas dos primeiros lotes de vacinas contra a covid-19 em janeiro de 2021. Ao todo, a VTCLog emitiu quatro notas fiscais pelo serviço, no valor total de R$ 6,6 milhões. A autorização foi dada por Roberto Ferreira Dias, então diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, na gestão do ex-ministro e general Eduardo Pazuello.
Entretanto, como foi amplamente noticiado pelo próprio governo, as primeiras doses de vacina foram transportadas gratuitamente por companhias aéreas que doaram os voos ao governo ou pela Força Aérea Brasileira (FAB). Isso é atestado por documentos que foram enviados aos auditores pelo próprio Ministério da Saúde. A FAB informou ter transportado 44 toneladas da vacina Coronavac para as capitais de 10 estados do país, ao passo que a VTC cobrou pelo transporte de 64 toneladas.
O Ministério da Saúde também divulgou que a empresa Gol transportou vacinas Coronavac que saíram do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, para Curitiba (PR) e para o Rio de Janeiro.
“A incongruência nas informações divulgadas pelo governo sobre o transporte dos primeiros lotes de vacina e os pagamentos à empresa chamou a atenção dos técnicos, que não encontraram provas de que a VTCLog de fato contratou as aeronaves pelas quais foi paga. Além disso, sublinharam que o governo de Jair Bolsonaro divulgou, à época dos fatos, que parte significativa dos insumos foi transportada a custo zero”, escreveu Spigariol na primeira matéria sobre o caso.
Usina de oxigênio
Auditores do TCU também encontraram indícios de que a VTCLog recebeu R$ 420,8 mil para transportar uma usina de oxigênio para Manaus, capital do Amazonas, durante a crise em que a falta de oxigênio no estado no início de janeiro. A tragédia em Manaus, na qual morreram mais de 30 pessoas, é o objeto inicial de investigação do pedido da CPI da Covid. O pagamento para o envio da tal usina de oxigênio foi feito, mas não há nenhuma prova de que o serviço tenha sido de fato prestado. Os auditores desconfiam que a VTCLog foi paga por um serviço prestado na verdade pela FAB.
No novo voto em que pede a oitiva da VTCLog, Zymler elenca alguns fatores para a sua decisão. Como “indícios de conluio entre a VTCLog e um dos responsáveis pela aprovação do segundo termo aditivo” do contrato.
E apurações que foram feitas pela CPI. Como a “realização de saques expressivos em espécie das contas bancárias da VTCLog [mais de R$ 5.000.000,00 no período de 2018 a 2021], que aparentam artifício de burla para identificação do destino dos recursos, iniciados em 2018, justamente no ano que a empresa firmou o Contrato 59/2018 com o Ministério da Saúde, passando a ter exclusividade na prestação dos serviços de logística ao órgão; e pagamento, com recurso sacado em espécie do caixa da VTCLog, de pelo menos um boleto do Sr. Roberto Ferreira Dias, ex-Diretor de Logística do Ministério da Saúde, por supostos serviços prestados a ele pela Voetur Turismo, empresa que integra o mesmo grupo empresarial da VTCLog, indicando a possível existência de relações ilegítimas para a viabilização de vantagens indevidas entre a empresa e agentes públicos”.
“A meu sentir, esses fatos apontam potencialmente a existência de fraude no processo de licitação e contratação, o que justifica a realização da oitiva prévia da empresa com o intuito de ser oportunizado o contraditório”, conclui Zymler.
Com a determinação de realizar a oitiva, os auditores passam a poder investigar a empresa e retomar o processo de apuração das eventuais fraudes que tenham sido cometidas pelo Ministério da Saúde durante a pandemia.
VTCLog: “Dúvidas serão suprimidas”
Após a publicação desta matéria, a VTCLog enviou resposta ao Congresso em Foco sobre a nova decisão do TCU no seguinte teor:
“Recebemos o último acórdão do TCU. Como dissemos na primeira vez, todos os voos foram realizados e devidamente comprovados. As dúvidas podem existir, mas com a entrega de dados, as dúvidas são suprimidas. Não vemos novidade no assunto”, respondeu a empresa.
Após a publicação da primeira reportagem pelo Congresso em Foco, a VTC Log encaminhou nota em que “rechaça o teor das imputações pois são inverídicas e baseadas em suposições sem qualquer elemento probatório”. A operadora afirma que cobrou o Ministério da Saúde apenas pelos serviços que prestou, e que “possui para quem quiser ver toda documentação probatória da sua prestação de serviços”.