João Marcelo Rego Magalhães *
Uma eleição para o cargo de presidente da República em dois turnos é, ainda que não percebamos, uma poderosa garantia de vitalidade em uma democracia pluripartidária, porque se presta a diagnosticar e medir o conjunto de todas as forças políticas e ideológicas.
Um candidato a presidente ser eleito ao final do segundo turno, mas ter conseguido apenas 25% dos votos no primeiro turno significa que ele precisará dialogar com 75% da população, notadamente porque as escolhas políticas dessa maioria devem produzir um Congresso majoritariamente oposicionista e o risco de causar instabilidade ao seu governo.
Portanto, o primeiro turno de uma eleição aos cargos do Executivo, em especial no caso do presidente da República, presta-se a dar a dimensão exata de cada grupo ideológico no cenário político que se desenha para o próximo mandato e, assim, forçar o debate com aqueles que representam, por exemplo, 6%, 9% ou 11% da população – o que, em última medida, também garante voz às minorias.
É aqui que a estratégia do “voto útil” enfraquece ou impede o amadurecimento de uma democracia pluripartidária, como é o caso do Brasil.
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Ora, o voto útil nos dois melhores candidatos segundo as pesquisas de primeiro turno confere a eles – e somente a eles – a falsa impressão de que um dos dois tem (ou terá) apoio irrestrito da maioria da população. E que poderá governar, se quiser, impondo seu programa de forma autoritária, como se fosse uma “rolo compressor” a esmagar o outro lado do espectro político.
Na prática, o “voto útil” poderá trazer a uma democracia não amadurecida o seguinte rol de malefícios:
1) distorcer o real alcance de aceitação dos projetos políticos, notadamente os projetos dos melhores indicadas em pesquisas eleitorais;
2) resumir aos dois mais bem colocados nas pesquisas a titularidade dos projetos de governo – que chegam nessa condição não pelo critério qualitativo, mas pelo critério quantitativo. Bom lembrar que a melhor colocação nas pesquisas não se dá, necessariamente, por se apresentar um bom programa de governo;
3) dificultar a alternância de poder, pois sufoca o crescimento de candidatos e grupos ideológicos que representam apenas 6% ou 10% da população, que são aniquilados pela migração de votos;
4) impedir o florescimento das novas ideias e dos novos projetos para governar o país que, por qualquer razão, não conseguirem ter uma expressiva aprovação manifestada por alto percentual de intenções de votos;
5) conferir poder fictício ao eleito, tendo em conta a criação de uma situação de legitimidade artificial pela obtenção de 50% dos votos no primeiro turno (com a migração do voto útil), mascarando a realidade – qual seja, a obrigação de dialogar com a sociedade sabendo que só conta, de fato, com apoio de 20% ou 30% do eleitorado;
6) arrefecer o debate sobre temas definitivamente relevantes para os cidadãos, como desenvolvimento econômico e controle do gasto público, que perdem espaço para a luta sectária que se destina a garantir certo candidato como vencedor em primeiro turno;
7) favorecer a polarização da sociedade, de onde surge a intolerância ao pensamento contrário.
Em síntese, parece claro que o “voto útil” demonstra apenas que é mais importante garantir um projeto de poder do que garantir o amadurecimento democrático de um país.
* Advogado público federal e professor universitário.
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