Estou convencido que a proposta de voto distrital misto plurinominal que apresentei, em 2011, na comissão da reforma política é a solução capaz de reunir um mínimo de consenso e, uma vez implementada, a partir das eleições de 2016 ou 2018, melhorar a qualidade da vida política brasileira. Não é panacéia nem corrige boa parte das mazelas mas permitirá um avanço em relação ao sistema atual que considero o pior possível.
Participo, ou acompanho de perto, eleições há muito tempo. Cada uma delas é mais cara e produz uma representação pior que a precedente. Quem não rouba, não usa cargo público para acumular um “tesouro de guerra”, não se corrompe para poder criar um eleitorado cativo em torno de um centro assistencial, vê, a cada eleição, mais de perto a quadratura do círculo. A imensa maioria dos políticos trabalha no paradigma clientelismo/corrupção, seu número aumenta a cada pleito enquanto o voto de opinião se retraí, na mesma proporção. Em breve, quem não for milionário, dono de centro assistencial, de igreja, não usar seu cargo para amealhar “caixa 2” ou fazer obras para uma clientela local, estará eleitoralmente inviabilizado.
Claro, ainda haverá lugar, numa primeira eleição, para alguns radialistas, líderes religiosos, jogadores de futebol ou personalidades momentaneamente bem expostas na mídia. Mas para se reeleger já vão ter que jogar o jogo. Esse sistema eleitoral é caldo de cultura fértil à grande corrupção e, a médio prazo, uma ameaça à democracia. A cada eleição compram-se mais votos, mais candidatos elegem-se via centros assistenciais. Já o voto de opinião encolhe, regularmente, pelo desgosto da classe media com “os políticos”, todos no mesmo saco.
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Porque o sistema atual, o proporcional-jabuticaba é o pior
O sistema proporcional-jabuticaba faz da carreira individual do político a entidade soberana à qual tudo é devido. Torna afins todos os partidos a partir de certas dimensões porque condiciona sua performance eleitoral à capacidade de recrutar massivamente, sem critério, o maior número possível de candidatos com algum tipo de clientela ou audiência pré-existente. Obriga cada candidato a correr desesperadamente atrás de seu próprio financiamento de campanha. Engendra políticos obcecados com a própria reeleição e, consequentemente, vorazes usuários de cargos comissionados, passagens, “espaços fisiológicos” em governos e, em muitos casos, caixinhas. Nossos governos ficam frágeis e necessitam barganhar com dezenas ou centenas de parlamentares, fisiológica e individualmente, para poder governar.
Os partidos são condutos de viabilização de carreiras pessoais, que só tenuemente se relacionam –na maioria esmagadora dos casos- com convicções ou propostas programáticas. As eleições proporcionais, que balizam o universo político, são disputas de cada um por si –onde o maior adversário é o colega de partido– e cada candidato deve correr atrás do seu financiamento de campanha o que as torna caríssimas e dificilmente fiscalizáveis, por mais que se criem regras detalhistas. Isso determina a escala na qual se dá a corrupção: compra de voto, onipresença dos “centros assistenciais”, sofreguidão por cargos comissionados, no executivo, roubalheira para preparar para a eleição seguinte, etc…
PublicidadeEstá no sistema eleitoral, não nas alianças, menos ou mais flexíveis, o foco do problema, a raiz da incoerência e da não consistência programática da política brasileira. Enquanto esse sistema eleitoral permanecer, o peso do poder econômico nas eleições, a fraqueza dos partidos, a instabilidade das bases parlamentares dos governos, os mensalões e similares, vão se agravar, a cada legislatura, conforme vem acontecendo, desde o final dos anos 80.
O sistema de eleições proporcionais com voto personalizado no qual cada candidato concorre contra todos demais, inclusive de seu próprio partido, produz campanhas sujas e partidos fracos, sem coesão, meras “legendas” montadas pelo somatório aritmético de candidatos rivais entre si. Isso depois dificulta alianças parlamentares programáticas, pulveriza o campo de negociação, torna o fisiologismo a única moeda corrente e gera permanente instabilidade.
O voto proporcional personalizado está na raiz da cultura política vigente no Brasil e que, por sua vez, engendra esses hábitos e costumes que recorrentemente escandalizam a imprensa e a opinião pública bem pensante produzindo medidas “corretivas”, essencialmente inócuas, e expondo à execração popular algum vilão de turno. É como a dança das cadeiras. A musica para, alguém fica com as nádegas em riste e, logo, a música recomeça…
A “emenda Sirkis” na Comissão de Reforma Política
Defendi na finada Comissão da Reforma Política a proposta do voto distrital misto plurinominal. Metade das cadeiras do legislativo, nas três esferas seria preenchido por um voto proporcional de lista dado para o partido e o restante eleito por um voto majoritário em grandes distritos elegendo, cada um, quatro ou três deputados federais e um número análogo de estaduais. No Rio, por exemplo, teríamos seis distritos. As listas partidárias seriam escolhidas em eleições primárias entre os filiados, na ordem dos resultados respectivos. O mesmo aconteceria com os candidatos majoritários nos distritos onde seria também permitidas candidaturas sem-partido.
O voto distrital misto que proponho aproxima-se do sistema vigente da Alemanha, que parece ser um dos raros países onde há conformidade com o sistema eleitoral. A diferença é que lá o distrito é uninominal, elege apenas um deputado. Aqui, como temos eleições simultâneas para deputado federal e estadual e o número de assentos em disputa é diferente, teríamos que ter dois tipos de distritos uninominais em número diferente, portanto limites geográficos diferentes valendo para a mesma eleição, o que criaria uma confusão praticamente insolúvel. Já no distrito plurinominal essa situação fica acomodada com a eleição no mesmo distrito de vários deputados federais e estaduais. Outra vantagem é atenuar o impacto do voto distrital sobre forças minoritárias. É mais fácil ficarem mais fielmente representadas em grandes distritos.
A divisão dos distritos, sempre delicada, deveria ser promovida pela Justiça Eleitoral com apoio técnico do IBGE, sem interferência de políticos. Não se trata de uma panaceia mas traria algumas importantes melhorias em relação à situação atual: mais consistência programática aos partidos –permitindo até a introdução gradual, honesta, da “cláusula de barreira”– e consagração de lideranças, com ou sem partido, com autêntica envergadura eleitoral. Estabeleceria aquela relação de proximidade do eleito com o eleitor inerente ao voto distrital evitando aqueles seus aspectos menos desejáveis. Os perdedores? Fundamentalmente o chamado “baixo clero”: os que se elegem na rabeira dos mais bem votados e acabam compondo o essencial da massa de manobra atrasada no parlamento, sua maioria fisiológica.
A proposta em detalhe (com algumas variáveis):
1 – A eleição proporcional
1.1 – Lista partidária em ordem de prioridade, com, no mínimo, um terço das vagas destinado às mulheres e a ordem de candidatos correspondendo a uma eleição por filiados em eleições primárias ou numa convenção com garantias de equidade e transparência na forma dos estatutos dos partidos devidamente adaptados.
1.2 – As Listas teriam financiamento público e o número de vagas para cada partido não excederia o de cadeiras em disputa no voto proporcional.
1.3 – Não haveria coligação proporcional sendo permitidas federações.
1.4 – Poderia haver uma cláusula de barreira de 3% incidindo unicamente sobre esse componente de eleição proporcional por lista.
1.5 – Esta eleição poderia corresponder a metade as cadeiras ou, eventualmente, uma proporção, menor, tipo 40% a ser ajustado no processo de negociação parlamentar.
2– A eleição majoritária nos grandes distritos ou em distrito único
2.1 – Primeira hipótese: grandes distritos (pessoalmente prefiro essa hipótese)
2.1.1 – Os estados com mais de 8 vagas para deputado federal serão divididos em distritos plurinominais de número de eleitores obedecendo a uma proporção equivalente, feita pelos TREs com concurso de IBGE.
2.1.2 – Os distritos teriam de 4 a 3 vagas de deputado federal e um número de vagas de deputado estadual aproximadamente na proporção.
2.1.3 – Cada partido apresentaria no grande distrito em questão um número de candidatos inferior em uma vaga ao de cadeiras em disputa.
2.1.4 – No caso dos vereadores nos municípios onde há segundo turno poderiam ser criados distritos plurinominais de 4 a 3 vereadores, nos outros o município seria o distrito.
2.1.5 – Os candidatos também serão escolhidos em primárias ou convenção com participação dos filiados, na forma dos estatutos partidários.
2.1.6 – No caso do componente proporcional ficar menor pode se ajustar o número de distritos ou o número de cadeiras de disputa em cada um.
2.1.7 – Seriam permitidos nessa modalidade candidaturas sem-partido respaldadas por um número representativo de apoiamentos de eleitores abaixo assinados, previamente validados pelos TRE’s.
2.2 – Segunda hipótese: o “distritão” estadual
2.2.1.- O próprio estado funcional como distrito único, aplicando-se a mesma regra em relação ao número mínimo de candidatos.
3- Financiamento:
3.1 – No componente proporcional financiamento exclusivamente público.
3.2 – No componente majoritário os partidos podem receber apoio de particulares, empresas, entidades de classe e ONGs até um limite máximo igualitariamente distribuído para as campanhas dos candidatos.
3.3 – Candidatos poderiam receber, em conta separada, contribuição apenas de pessoa física (inclusive por internet) até um limite máximo a ser estipulado pelo TSE.
Resumo da ópera:
As campanhas certamente ficariam bem mais baratas pela limitação das candidaturas individuais a áreas geográficas bem mais restritas, isso independente do tipo de financiamento. O uso do tempo de TV nas eleições proporcionais poderia se dar em programas de debate, ao vivo, barateado mais ainda as campanhas e equalizando melhor as oportunidades.
Não vai eliminar magicamente as mazelas da política brasileira, no componente proporcional, apesar da obrigatoriedade das eleições primários ou convenções democráticas o poder dos “caciques” permanece considerável mas o partido pode ser coletivamente punido pelo eleitor. Na eleição majoritária, o perigo é, como atualmente a compra de votos direta ou indireta(via centro assistencial) mas o controle e a fiscalização tornam-se bem mais fáceis pela limitação numérica e geográfica dos candidatos e dos distritos.
Em ambos casos o impactos poder econômico pode migrar para a fase preliminar de escolha das listas de dos candidatos distritais dentro dos partidos. Contra isso a melhor arma é o voto do eleitor e sua punição a tais práticas. Mazelas continuarão a existir mas o sistema distrital misto, plurinominal poderá decanta-las pouco a pouco melhorando gradualmente a qualidade da representação e o maior controle do eleitor sobre o processo. Realisticamente é o melhor caminho.