Todos nós assistimos atônitos aos atos de vilipêndio a bandeira de Pernambuco no Catar que foi pisoteada por religiosos e autoridades locais. A razão da celeuma: um dos símbolos da bandeira é o arco-íris, razão pela qual foi confundida como um ato de defesa da população LGBTIA+. Na última segunda-feira (28), um torcedor invadiu o campo de futebol carregando uma bandeira em formato de arco-íris e usando uma camiseta de protesto contra a guerra na Ucrânia e a violação de direitos a mulheres ucranianas.
Em que pese ser uma entidade privada com sede na Suíça, a Fifa tem sido muito criticada pela escolha da sede da Copa do Mundo em um país que não comunga de valores universais de respeito aos direitos humanos. Os seus regulamentos determinam sua observância, razão pela qual pode ser responsabilizada pelos atos ocorridos, em especial no tocante a ofensa a população pernambucana e o coletivo LGBTIA+.
Mas não precisamos ir para o outro lado do mundo para analisar possíveis ofensas aos direitos humanos. Em São Paulo foi aberto edital para implantação de monitoramento da cidade por câmeras. A medida visa atribuir maior segurança aos cidadãos, permitindo o acompanhamento de atos ilícitos praticados e a contravenção penal de vadiagem, caracterizada pelo tempo de permanência em determinado local. Critica-se a medida em razão de possíveis erros de identificação de pessoas, em especial pessoas negras.
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Embora passível de críticas, existem pontos positivos a serem destacados na implantação do monitoramento. Em primeiro lugar, é preciso desmistificar que visa à punição de pessoas pobres, eis que os tribunais já firmaram entendimento no sentido de que não se pode criminalizar a pobreza. Ainda que sejam lavrados termos circunstanciados (passíveis de trancamento por ilegalidade), não há que se falar em encarceramento, eis que por serem de pequeno potencial ofensivo é proibida tal medida, bastando que a pessoa se comprometa a comparecer a audiência perante o Juizado Especial Criminal.
Ademais, não está dentre as atribuições do ente municipal o dever de zelar pela segurança pública, sendo esta atribuição afeta ao Estado, por meio da polícia militar (preventiva) e da polícia civil ou também chamada polícia judiciária. No máximo poderá zelar pelos monumentos e edifícios públicos por meio de guarda civil municipal.
Quanto à falibilidade do reconhecimento facial, veja que não se trata de prova pericial apta a produzir efeitos em processo judicial. No máximo poder-se-ia considerá-la indício de autoria que não pode ser analisado isoladamente, mas ante um contexto probatório amplo e com direito a contraditório e ampla defesa.
O ponto positivo seria justamente fixar a mora do ente público municipal no desenvolvimento de políticas públicas de assistência social. Por meio do mapeamento almejado poder-se-á identificar as zonas em que residem coletivos vulneráveis em nossa cidade e comparar com a suficiência ou insuficiência dos instrumentos de acolhimento dessa população (por exemplo, qual é a rede hospital ou de assistência social existente), porque determinado grupo de pessoas se encontram em situação de rua e quais são os programas municipais de habitação para fazer frente a esse grave problema social.
Assim dependendo da forma como for encaminhada, a implantação do monitoramento na cidade de São Paulo pode servir para a implementação de direitos fundamentais da população vulnerável a serviços básicos de saúde e assistência social.
Trata-se de um passo em direção ao reconhecimento dos direitos das vítimas coletivas, tais como as pessoas em situação de pobreza e coletivos étnicos e raciais.
Roga-se a aprovação com urgência do Estatuto da Vítima (PL 3890/2020) a fim de orientar os demais entes políticos do desenvolvimento de estratégias preventivas não apenas a violência, mas sobretudo à vitimização.
O Instituto Pró-Vítima apoia e defende a imediata aprovação do Estatuto da Vítima, estando o Estado Brasileiro em mora no atendimento de regramento mínimo reconhecido pela ONU desde 1985 (Resolução n. 40/34).
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