Pedro Paulo Rezende e Edson Sardinha
Considerado um intelectual qualificado por seus colegas de farda, o gaúcho Antônio Hamilton Martins Mourão ocupa o posto de general de Exército, o cargo mais alto que um militar pode alcançar na corporação em tempos de paz. Na reserva desde março, quando se filiou ao PRTB, o general de 64 anos vai se arriscar em sua primeira aventura eleitoral ao lado de outro militar, o capitão reformado do Exército e deputado Jair Bolsonaro (PSL), de quem será vice.
Embora com patente muito mais elevada do que o titular da chapa, Mourão já se envolveu em várias polêmicas por expressar opiniões que coincidem com as de Bolsonaro. Assim como o deputado, chamou o primeiro militar reconhecido como torturador pela Justiça no Brasil de “herói”. Em algumas oportunidades, suas declarações extrapolaram as casernas e provocaram alvoroço entre civis. Em setembro do ano passado, sugeriu a intervenção militar como solução para a crise política. Um boneco inflável gigante dele foi usado por manifestantes intervencionistas em vários protestos na Esplanada dos Ministérios.
“Quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz ‘por que não vamos derrubar esse troço todo?’. Na minha visão, que coincide com a dos meus companheiros do Alto Comando do Exército, estamos numa situação de aproximações sucessivas, até chegar no momento em que ou as instituições solucionam os problemas políticos, com o Judiciário retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícios, ou então nós teremos que impor isso”, disse, em palestra para a Loja Maçônica Grande Oriente na capital federal.
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Na ocasião, o comandante do Exército, Eduardo Villas Boas, e o então ministro da Defesa, Raul Jungmann (hoje titular da Segurança Pública), chegaram a discutir uma eventual punição ao militar. Mas preferiram botar panos quentes no assunto e aguardaram sua passagem para a reserva, confirmada cinco meses depois.
Homenagem a torturador
Esse não foi o primeiro arroubo intervencionista de Mourão. Em outubro de 2015, quando ganhava corpo o pedido de impeachment da então presidente Dilma, o general disse em uma palestra a oficiais da reserva que a substituição da petista não traria “mudança significativa no statu quo”. “A vantagem da mudança seria o descarte da incompetência, má gestão e corrupção”, declarou.
No mesmo ano, prestou homenagem póstuma ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, ex-comandante do DOI-Codi de São Paulo, o primeiro militar a ser reconhecido pela Justiça brasileira como torturador durante a ditadura. Voltou a homenagear Ustra na cerimônia de passagem para a reserva. Na ocasião também destacou o heroísmo daquele que era reconhecido pela Justiça como torturador, morto em 2015. “Combateu o terrorismo e a guerrilha, por isso ele é um herói”, justificou o general em entrevista à Folha de S.Paulo.
Após a primeira homenagem a Brilhante Ustra, Mourão perdeu a chefia do Comando Militar do Sul, que reúne tropas de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Passou, então, para o comando da Secretaria de Economia e Finanças do Exército, em Brasília, cargo que manteve mesmo depois de defender a intervenção militar. Pela Constituição, as Forças Armadas podem ser convocadas por qualquer um dos três poderes para garantir a lei e a ordem, mas apenas para casos específicos, como o reforço da segurança pública no Rio de Janeiro. Não para tomar o governo e impor suas vontades.
Em dezembro do ano passado o militar também criticou publicamente o governo Michel Temer (MDB), dizendo que ele se baseava em um “balcão de negócios”. Só então perdeu o cargo de secretário de Economia e Finanças. Passou a ser adido da secretaria-geral do Exército e, pouco depois, se aposentou após um “puxão de orelhas”.
Mal-entendido
Mourão ocupou diversos cargos de comando, como a vice-chefia do Departamento de Educação e Cultura do Exército e divisões do Exército no Rio Grande do Sul e no Amazonas. Também instrutor na Academia Militar de Agulhas Negras, participou da missão de paz em Angola e foi adido militar na Venezuela.
Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o general disse que foi mal interpretado e que não defende “uma tomada de poder” pelos militares. “Não existe nada disso. [A intervenção] é simplesmente alguém que coloque as coisas em ordem, e diga: atenção, minha gente vamos nos acertar aqui e deixar as coisas de forma que o país consiga andar e não como estamos. Foi isso que disse, mas as pessoas interpretam as coisas cada uma de sua forma. Os grupos que pedem intervenção é que estão fazendo essa onda em torno desse assunto”, declarou.
Sem intervenção
Declarações como as de Mourão ganharam força entre militares em meio às denúncias contra políticos, ao comportamento dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e à corrupção entranhada nos três poderes da República. Há perplexidade e indignação entre oficiais, subalternos e soldados. Apesar disso e do clamor de setores reacionários mais radicais, é remota a possibilidade de uma intervenção fardada no país, como mostrou a Revista Congresso em Foco ainda no final de 2017.
A conclusão foi feita após a reportagem ouvir, durante três semanas, oficiais generais das três forças armadas e analistas de temas relacionados a questões de defesa. Todos afirmaram que o comandante do Exército, general de Exército Eduardo Villas Bôas, tem total controle da situação, o que inviabilizaria o risco de um golpe. Ele estabeleceu como missão garantir a transição para o governo que será eleito na disputa presidencial de 2018 e sua liderança se expande para a Marinha e a Aeronáutica.
Apesar da perplexidade com a crise, comando do Exército barra planos de intervenção militar