Um mês depois da onda de atos golpistas nas sedes dos três poderes da república, vandalizados no dia 8 de janeiro, o episódio ainda é lembrado com preocupação e desprezo no Congresso Nacional. Em conjunto com parlamentares e representantes de movimentos internacionais, um ato em defesa da democracia foi realizado pelos funcionários das duas casas legislativas no Salão Negro, primeiro alvo dos vândalos. Enquanto isso, muitos dos principais protagonistas da invasão seguem presos.
O grau de participação dos invasores nos danos provocados ao Palácio do Planalto, à Câmara dos Deputados e ao Supremo Tribunal Federal foi variado, e parte dos esforços do Judiciário e do Ministério Público Federal (MPF) nas investigações consiste em fazer a diferenciação individualmente. Alguns desses participantes, porém, se destacaram seja pelo tamanho do dano, seja pela influência entre os vândalos.
Relógio renascentista
Um dos rostos que se eternizaram no ataque foi o de Antônio Cláudio Alves Ferreira, que participou da invasão ao Palácio do Planalto. Antônio Cláudio foi filmado destruindo um relógio francês do relojoeiro Balthazar Martinot, nascido no século XVII. A peça foi doada pela corte francesa ao rei Dom João VI, de Portugal, que trouxe o relógio durante a transferência da família real para o Rio de Janeiro, em 1808. Até então, existiam apenas dois exemplares restantes no mundo.
Leia também
Ferreira não foi preso de imediato. Flagrado pelas câmeras de segurança do Planalto, ele não retornou ao acampamento montado pelos golpistas em frente ao quartel-general do Exército, e ainda conseguiu evitar as forças policiais quando retomaram o Palácio. Morador do município goiano de Catalão, ele abandonou seu apartamento e fugiu para Minas Gerais, onde ficou foragido.
A gravação, porém, viralizou nas redes sociais, e não demorou para que seus vizinhos o reconhecessem. No dia 23, a Polícia Federal (PF) o encontrou em Uberlândia (MG), e o levou preso, sendo transferido para Brasília. Seu nome, porém, não consta nem na lista de golpistas detidos na penitenciária da Papuda e nem na de liberados sob custódia.
Já o relógio, pode não estar perdido para sempre. A Embaixada da Suíça anunciou nesta quarta-feira (8) o plano de intermediar a contratação de relojoeiros suíços para fazer a reparação da peça histórica. A França possui o segundo exemplar, que pode ser utilizado como base para a restauração.
Publicidade“Sobrinho” de Bolsonaro
Um nome já conhecido antes dos atos foi o de Leonardo Rodrigues de Jesus, ou Léo Índio, primo dos filhos mais velhos do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ainda no início do mandato do antigo chefe de Estado, Léo Índio ganhou notoriedade por conta de sua proximidade com o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos0, bem como pelas investigações sobre as denúncias de rachadinha no período em que foi contratado pelo senador Chico Rodrigues (PSB-RR), até então aliado da família Bolsonaro.
No dia dos atos golpistas, Léo Índio não fez questão de esconder sua presença: em suas redes sociais, publicou uma foto na varanda do Salão Negro, durante a invasão ao Congresso Nacional. Ele também conseguiu sair do alcance das forças de segurança durante a retomada da Esplanada dos Três Poderes. Ele é um dos investigados no inquérito que busca identificar os financiadores dos atos, mas não chegou a ser preso. No último dia 27, a PF realizou uma operação de busca e apreensão em sua casa.
Militante profissional
Ana Priscila Silva de Azevedo já militava em defesa de um golpe militar muito antes de Bolsonaro se tornar presidente. Desde 2013, vivia de sua militância: produzindo material pró-golpe em suas redes sociais, passou a receber cerca de R$ 5 mil ao mês em doações de apoiadores. Seu canal no Telegram, com 30 mil seguidores, se tornou referência entre os correligionários.
Ela não apenas foi uma das fomentadoras da manifestação que resultou nos ataques como tinha plano de levar o acampamento bolsonarista para dentro da Esplanada dos Ministérios. Durante os atos, participou tanto da invasão ao Congresso Nacional quanto ao Palácio do Planalto, e não apenas registrou sua presença nas redes sociais, como tentou usar as filmagens para instigar mais manifestantes.
Assim como outros líderes, ela escapou das forças policiais, e se escondeu na casa de outro bolsonarista em Luziânia, cidade goiana próxima à divisa com o DF. Seu refúgio durou pouco tempo: dois dias depois, foi localizada pela Polícia Federal, e levada presa de volta para Brasília. Seu nome permanece na lista de detentas enviadas à penitenciária de Colmeia, maior presídio feminino do DF.
Idosa em guerra
Aos 67 anos, a catarinense Maria de Fátima Mendonça Jacinto de Souza ganhou fama em meio à invasão no Supremo Tribunal Federal (STF). Filmada por outro manifestante, que dizia que ela estava “quebrando tudo”, ela olhou para a câmera e disse “vamos para a guerra”, e que iria “pegar o Xandão [Alexandre de Moraes] agora”. Entre os demais bolsonaristas, era conhecida como “Fátima de Tubarão”, referência à sua cidade natal.
A participação nos atos golpistas resultou em sua segunda passagem pelo sistema penal. Em 2014, foi condenada por tráfico de drogas, envolvendo inclusive um adolescente em seu negócio, contratado para fazer a entrega de pedras de crack. Ela não chegou a ser presa, mas foi mantida em regime semiaberto e foi obrigada a prestar serviços comunitários.
Fátima de Tubarão já demorou para ser presa: além de conseguir fugir da polícia no dia dos atos, ela conseguiu voltar para casa, em Santa Catarina, livre de investigações. Seu nome, porém, foi alvo de denúncias de internautas que a reconheceram no vídeo invadindo o STF, e no último 27, foi localizada e presa pela Polícia Federal.
Federal aposentado
Com sua participação tornada pública pelo Congresso em Foco, o ex-presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Distrito Federal (Sindipol-DF) participou da depredação do Supremo Tribunal Federal. Após a invasão do prédio, ele postou nas redes sociais dois vídeos. “O povo quebrou tudo”, comemorava. “O povo está acusando os membros desse Supremo de corrupção. De canalhice e de safadeza”.
Dois dias depois de o Congresso em Foco publicar os vídeos com a sua participação, Fernando Honorato entrou em contato e disse, em sua defesa, que estava ali somente “registrando a quebradeira”. Claramente se vê nos vídeos que ele veste uma camisa da seleção brasileira e tem uma bandeira do Brasil amarrada às suas costas. Mas ele afirma que estava em um shopping com a intenção de ir ao cinema quando viu a passagem de carros da polícia e resolveu segui-los para ver o que estava acontecendo.
As explicações não comoveram a Justiça. No dia 27 de janeiro, Fernando Honorato foi preso pela Polícia Federal em uma das fases da Operação Lesa-Pátria. Foi a mesma fase na qual Léo Índio foi alvo de operação de busca e apreensão.