- INTRODUÇÃO
Este ensaio trata da relação entre os temas da polarização e identificação partidária, e inicia concordando parcialmente com Lupu (2014; 2015) quando o mesmo afirma que “a convergência ideológica entre os partidos reduz a capacidade dos eleitores de diferenciar entre estes, levando ao enfraquecimento dos vínculos entre eleitores e partidos”.
Essa questão, parece remontar aos partidos fracos ideologicamente, não devendo ser generalizada. Pois, de fato, fraqueza – ou não clareza – de identidade e de institucionalização partidária, enfraquecem o partido e o sistema, mas, teoricamente, partidos fortes, com vida orgânica e identidades claras, tendem a se destacar e a atrair a atenção do eleitorado, se diferenciando mesmo entre os que estão em espectros ideológicos semelhantes.
A referência a partidos fortes ou fracos ideologicamente, diz respeito ao fato de que, entre os partidos ideologicamente semelhantes, o partido que possuir uma organização mais robusta, com capilaridade nacional, vida orgânica e permeabilidade a grupos sociais distintos, terá mais probabilidade de manter sua base de apoiadores fiéis.
É por isso que, nesse aspecto, concordamos com Lupu (2014; 2015) a respeito da seguinte afirmação: “quando a polarização aumenta (e, por suposto, aumentam as diferenças ideológicas entre os partidos e/ou entre os eleitores), os níveis de identificação partidária também tendem a aumentar”. É mais fácil para o eleitor conseguir se identificar, dentre tantos partidos, com aqueles que mais conseguirem se diferenciar dos demais; do contrário, especialmente em uma eleição polarizada, as atenções estarão voltadas para os mais fortes de cada polo, de cada campo ideológico.
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Igualmente, além de endossarmos a afirmação do mesmo autor sobre a questão da identidade ideológica: “quando a maioria dos eleitores não tem identidades ideológicas claras, ou se posiciona majoritariamente ao centro, as lideranças partidárias não têm incentivos para estabelecer vínculos programáticos com o eleitorado, o que também joga contra a identificação partidária”, acrescentamos que tal situação, além de enfraquecer os partidos e a relação com os eleitores, pode favorecer atalhos e surgimento de candidatos outsiders, populistas e personalistas.
Porém, com relação a posição do autor em debate, de que a “capacidade de manter a identidade programática do partido, evitando estratégias abruptas de moderação ideológica é condição necessária para manter uma base de apoiadores fieis”, compreendemos que não necessariamente; vide caso do PT no Brasil, por exemplo, conforme detalharemos adiante.
PublicidadePara argumentar e defender o nosso ponto de vista, o foco estará direcionado ao sistema partidário e eleitoral brasileiro contemporâneo e serão mobilizados os conceitos de: identificação partidária em Dalton e Steven (2007) e Baker et al (2016); partidarismo negativo e antipartidarismo (Samuels e Zucco, 2018); polarização (Pablo e Zeine, 2022) e (Abramowitz, e Saunders, 2008); diluição de marca e polarização (Lupo, 2014; 2015).
2. PENSANDO A RELAÇÃO ENTRE POLARIZAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO PARTIDÁRIA: ALGUNS CONCEITOS E O CASO DO PT NO BRASIL
Inicialmente trataremos de alguns conceitos para embasar o ponto de vista em relação aos tópicos apresentados na introdução, começando por Dalton e Steven (2007), para os quais:
A identificação partidária, o vínculo psicológico entre os cidadãos e um partido político, é uma das variáveis centrais na compreensão do comportamento político(…) e tais vínculos partidários são também uma medida de institucionalização do sistema partidário do ponto de vista do público.(…)a experiência eleitoral e a socialização dos pais são fortes fontes de partidarismo, mas as democracias da terceira onda também apresentam evidências de socialização latente herdada do antigo regime. Os resultados sugerem que as identidades partidárias podem se desenvolver nas novas democracias se o sistema partidário criar as condições para desenvolver esses vínculos. (Dalton e Steven, 2007, p.179)
Isso nos faz pensar sobre a primeira questão colocada para o ensaio, onde, segundo Lupu (2014; 2015) “a convergência ideológica entre os partidos reduz a capacidade dos eleitores de diferenciar entre estes, levando ao enfraquecimento dos vínculos entre eleitores e partidos”.
Em relação ao desenvolvimento dos vínculos, compreendemos que o partido é importante ao reforçar a política do grupo, do coletivo e que é partir da configuração de identidades, deixando claro o que cada agremiação defende, que os partidos têm o potencial de agruparem os eleitores em torno de ideias e programas e assim, se fortaleceram.
No nosso entendimento, a identificação que gera o vínculo entre o eleitorado e o partido, vem especialmente da diferenciação entre os partidos. É a marca, o emblema, o que é simbolizado de modo diferente por cada partido que vai sinalizar uma mensagem aos eleitores de um modo geral, e, a partir daí cada eleitor fará sua escolha pela identificação ou rejeição.
Mas, de acordo com Dalton e Steven (2007), citando Converse (1969), nos países que vivem a “terceira onda” democrática, como é o caso do Brasil, foco desse ensaio, esses vínculos se dão especialmente na experiência eleitoral e na socialização junto aos pais: “os apegos partidários resultam principalmente de uma combinação de socialização parental e processos de ciclo de vida”. (Dalton e Steven, 2007, p. 184).
Ainda assim, para Dalton e Steven (2007, p. 187) “a pressão partidária dos pais tem um efeito mais modesto”. Os autores reconhecem que nas novas democracias menos indivíduos mantêm ligações partidárias, mas, “o impacto da socialização parental e da experiência eleitoral é mais fraco nas democracias estabelecidas (em comparação com as novas democracias) e aparentemente mais fraco do que esses mesmos processos de uma geração atrás”. (Dalton e Steven, 2007, p. 192).
Por outro lado, devemos destacar que, pelo menos no caso do Brasil, foco desse ensaio, a falta de identidade e consistência ideológica da maioria dos partidos e a hegemonia do PT em seu campo é tão grande, que é possível observar que o maior partido político brasileiro, acaba se tornando perante o eleitorado, uma referência partidária tanto positiva, quanto negativa. Comungamos aqui com as constatações de Samuels e Zucco (2018) de que nenhum outro partido político, ao longo do tempo, obteve sucesso no empreendimento de esforços substanciais a fim de criar uma “subcultura distinta e/ou cultivar ma marca, o que significava que eles atraíam reletivamente poucos partidários” (Samuels e Zucco, 2018, p. 21). Ainda segundo os mesmo autores, para quem o sistema partidário no eleitorado brasileiro tendeu a girar em torno de atitudes contrárias ou favoráveis, tendo o PT como referência, esse partido, por um lado conquistou amplo e intenso apoio, mas por outro, também registrou expressiva antipatia, e mais ainda, o sucesso da iniciativa positiva em cultivar o partidarismo, que fortalece a democracia:
criou um alvo claro para os brasileiros que não gostavam de nenhum partido, mas tinham visões políticas distintas – antipetistas, que passaram a perceber o PT como um grupo externo e passaram a detestá-lo intensamente. (Samuels e Zucco, 2018, p. 21)
A respeito da segunda afirmação para discussão no ensaio, concordamos com o seguinte ponto: “quando a polarização aumenta (e, por suposto, aumentam as diferenças ideológicas entre os partidos e/ou entre os eleitores), os níveis de identificação partidária também tendem a aumentar”. Lupu (2014; 2015). É mais fácil para o eleitor conseguir se identificar, dentre tantos partidos, com aqueles que mais conseguirem se diferenciar dos demais; do contrário, especialmente em uma eleição polarizada, as atenções estarão voltadas para os mais fortes de cada polo, de cada campo ideológico.
Como exemplo, citamos o caso da relação entre alguns partidos do campo progressista no Brasil contemporâneo: PT versus PCdoB, PSOL, PSB, PV e especialmente PDT. Se considerarmos as eleições presidenciais em 2022, o PT, que desponta como o partido mais competitivo – ou mais forte, segundo o que já explicamos na introdução – acaba ofuscando e ou atraindo os demais partidos do seu mesmo campo ideológico a gravitarem em seu entorno, e os mesmos acabam ou integrando a coligação liderada pelo PT ou tentando, com muita dificuldade, consolidar uma outra candidatura, que acaba não conseguindo criar musculatura eleitoral suficiente nem mesmo para ir a um hipotético segundo turno, como o caso do PDT.
Conforme sinalizado na série de pesquisas BTG/FSB e Datafolha (Exame, 2022; Folha, 2022), na reta final da campanha para presidente em 2022, a candidatura de Ciro Gomes, pelo PDT, passa inclusive por um processo de desidratação de sua própria candidatura ao tentar criticar veementemente a candidatura de Lula, do PT, que é majoritária do ponto de vista eleitoral e circunscrita ao seu mesmo campo ideológico.
Claro que há diversos outros fatores que influenciam na reta final de um processo eleitoral, e claro que, como sabemos, nem o voto – ou muito menos a intensão de voto – devem ser tomados como indicadores para medir polarização. Aliás, a partir dos posicionamentos de Abramowitz (2008) e Fiorina (2008) em um estudo sobre a existência ou não de polarização nos EUA, compreendemos de um modo geral que, se há ou se não há polarização e, se há maior ou menor polarização, isso dependerá do contexto em que se mede, de como se mede (por raça, religião, identidade e sexo), de como cada candidato ativa ou mobiliza temas polêmicos ou identidades e, finalmente, da visão de cada autor, de sua ótica de análise e do conceito mobilizado por cada um. Samuels e Zucco (2018), por exemplo, investigam o fenômeno da polarização focando quatro sentidos para esse fim: a polarização das opiniões sobre temas políticos, polarização das identidades políticas, alinhamento das opiniões com identidades e polarização afetiva. Compartilhamos finalmente, os resultados de uma pesquisa focada no Brasil, desenvolvida por Pablo e Zeine (2022):
Se as diferentes formas de polarização política estabelecidas pela literatura americana podem ser encontradas no Brasil. Nossa resposta à pergunta sobre se há polarização política no Brasil é de que ela existe em todos os sentidos consagrados pela literatura citada. (Pablo e Zeine, 2022, p.86)
Mas, no nosso entendimento, tudo isso serve pelo menos para ilustrar que, em meio a um processo eleitoral extremamente polarizado entre duas candidaturas (Lula e Bolsonaro) que sinalizam ao eleitorado valores e projetos de país completamente distintos, há dificuldade na diferenciação de partidos e candidatos que possam ter seus posicionamentos ideológicos e identidades assemelhadas a um dos dois polos.
Dificuldade ao que nos parece, enfrentada por Ciro Gomes ao tentar operar um reposicionamento de marca partidária ou ideológica, pois a oscilação entre dois extremos, pode recair em um movimento brusco que atinja a sua própria identidade, tornando-a confusa perante o eleitor. Nesse sentido, qualquer mudança de marca pode se tornar um risco, especialmente em caso de partidos mais frágeis e, assim sendo, ao que parece, a afirmação de Lupu (2015) se adequaria ao nosso raciocínio:
Uma mudança partidária pode afetar simultaneamente tanto a polarização geral do sistema partidário quanto sua proximidade com certos indivíduos. (…) Em um sentido dinâmico, a polarização partidária pode significar que os partidos se afastem de alguns cidadãos e, talvez, se aproximem de outros”. (Lupu, 2015, p.336)
As identidades partidárias, enfim, são importantes porque ajudam a organizar o próprio sistema partidário. Além disso, a identificação partidária é um atalho e quanto mais polarização houver, mais identificação partidária nós teremos, como também, quanto mais ao extremo, um partido estiver, mais identificação partidária será possível em relação a ele.
No que concerne ao terceiro ponto destacado por Lupu (2014;2015) para discussão nesse ensaio, além de endossarmos a afirmação do mesmo sobre a questão da identidade ideológica: “quando a maioria dos eleitores não tem identidades ideológicas claras, ou se posiciona majoritariamente ao centro, as lideranças partidárias não têm incentivos para estabelecer vínculos programáticos com o eleitorado, o que também joga contra a identificação partidária”, acrescentamos que tal situação, além de enfraquecer os partidos e a relação com os eleitores, pode favorecer atalhos e surgimento de candidatos outsiders, populistas e personalistas.
Nossa contribuição nesse caso, pode ser ilustrada a partir dos estudos de Lupu (2014), na América Latina que abordaram o quanto reformas econômicas na década de 1990 tiveram, por um lado, efeitos positivos duradouros perante a população, a competição partidária e a própria representação democrática na região. Porém, por outro lado, essas alterações no plano econômico acabaram com o tempo, inclusive por sua obsolescência, não trazendo mais os resultados desejados e pela forma como foram implementadas viciando mandatos e borrando a credibilidade das campanhas, bem como enfraquecendo a representação democrática e os partidos políticos estabelecidos.
De acordo com Lupu (2014), quando os partidos colapsam, perdem competitividade eleitoral e os efeitos são prejudiciais à própria democracia, pois fragmentam o sistema partidário como um todo e abrem espaço para novos partidos que surgem “como veículos eleitorais instantâneos para personalidades proeminentes”. (Lupu, 2014, p.596). Como observado pelo mesmo autor, o problema reside no fato de que os eleitores, desinformados sobre a essência desses partidos e ou personalidades sem antecedentes, possuindo assim poucas informações confiáveis sobre as reais identidades dos mesmos e os tipos de políticas que apoiam, terão mais dificuldade para responsabilizá-los e isso “aumenta as oportunidades eleitorais para estranhos desconhecidos” que serão, assim, mais livres para mudarem de posição e aliados à vontade”. (Lupu, 2004, p.597).
Lupu (2014) enxerga então a importância do partidarismo, dos partidos e do próprio conflito entre os mesmos, não só como características fundamentais da política democrática, mas como necessárias à manutenção da qualidade nas democracias latino-americanas. Lupu (2014) destaca, por fim, algo que vem em socorro do nosso raciocínio:
A fragmentação dos sistemas partidários, o surgimento de políticos desconhecidos e, às vezes, antidemocráticos, e o vazio ideológico que caracteriza as democracias pós-colapso na América Latina devem servir de alerta. Certamente há muito para os democratas não gostarem dos partidos políticos que são muito fortes e polarizados e do partidarismo que é muito estável; mas os democratas também devem tomar cuidado com os efeitos perversos dos partidos fracos, da convergência partidária e da ampla independência partidária. (Lupu, 2014, p. 597)
Tratando agora do último tópico trazido por Lupu (2014; 2015), na questão que inspira este ensaio, qual seja: “a capacidade de manter a identidade programática do partido, evitando estratégias abruptas de moderação ideológica é condição necessária para manter uma base de apoiadores fieis”, compreendemos que não necessariamente e ilustraremos o nosso posicionamento destacando o caso do PT no Brasil, conforme anunciamos.
Baker et al (2016), relacionando a questão do partidarismo com a identidade ao analisar o caso do PT no Brasil, e discorrendo sobre o que ocorre em situações que envolvem mudanças de marcas partidárias, traz ao debate, após as suas pesquisas, a conclusão de que “a dicotomia do partidarismo como avaliação versus partidarismo como a identidade é falsa”. (Baker, et al, 2016, p. 211).
Compartilharemos agora, para discutir o tema, a lembrança de situações vividas pelo Partido dos Trabalhadores, tanto num passado recente, quanto no presente: em dois momentos importantes de reposicionamento prévio a processos eleitorais e em pelo menos quatro momentos de adversidades, ensejados pela crise na economia e por ataques sofridos mediante denúncias de escândalos de corrupção.
Segundo Baker et al (2016), em 2002, no processo em que foi eleito pela primeira vez, o ex-presidente Lula fez um movimento que pode ser visto como uma estratégia abrupta: uma espécie de reposicionamento de marca do partido ao publicar a “Carta aos Brasileiros”, pois chocava com a sua imagem, com a identidade que o partido sempre sinalizou ao eleitorado geral, especialmente no campo da economia.
O PT registrou algumas resistências e dissidências, em relação aos seus grupos mais radicais à esquerda, mas, por outro lado, agregou mais apoiadores ao projeto eleitoral. Como ilustra a contribuição de Samuels e Zucco (2018):
O PT surgiu como um partido de esquerda(…) sua moderação política – que incluiu o abandono de suas facções mais radicais na década de 1990 e Lula comprometendo seu eventual governo com o plano de estabilização econômica de seu antecessor às vésperas da eleição de 2002 – significava que, na análise multivariada, em meados dos anos 2000, a ideologia esquerdista não previa mais o petismo entre os eleitores. Por esse tempo a maioria dos brasileiros que se posicionavam na extrema esquerda do espectro ideológico já não se autodenominavam petistas, enquanto aqueles que se mantinham o PT ou quem o PT atraiu tendia a ser “pragmáticos ativistas” mais moderados para quem fazer as coisas era mais importante do que a pureza ideológica. (Samuels e Zucco, 2018, p. 39).
O movimento político que reposicionou o partido, alçou o PT à condição de vitorioso nas urnas, rendendo-lhe posteriormente três reeleições seguidas. Como destacou Baker et al (2016):
Milhões de brasileiros mudaram seu partidarismo em resposta às mudanças iniciadas pela elite do PT, mas milhões de outros não, principalmente os cerca de 10% dos cidadãos que eram petistas estáveis. Claramente, a diluição da marca do PT via moderação e escândalo fez desalinhar alguns adeptos tradicionais. Ao mesmo tempo, uma grande minoria apoiou o partido(…) O PT foi capaz de atrair um grupo de novos adeptos mais rapidamente do que essa perspectiva de marca de partido poderia prever, com base na força de uma nova imagem orientada para os sucessos pessoais do presidente em exercício. (Baker et al, 2016, p. 211)
Contabilizando a experiência de “ser governo” no plano federal, o PT vivenciou também situações que podem ser comparadas a testes de fogo em relação à sua sobrevivência: ataques à sua imagem/marca partidária, em 2006, com o mensalão, em 2014, com a Lava-jato, em 2016, com o impeachment de Dilma Rousseff e em abril de 2018, com a prisão do ex-presidente Lula, às vésperas da campanha eleitoral daquele ano.
Durante todo esse período, sofrendo ataques duros da imprensa, do judiciário e de adversários, o PT registrou movimentos que oscilaram entre perdas e ganhos de filiados, eleitores, apoiadores e simpatizantes, mas sempre mantendo um “núcleo duro” conforme observado por Baker et al (2016), em relação aos eventos analisados até 2016.
Em 2022, vinte anos depois de ocupar a presidência da República pela primeira vez, mesmo passando por todas as adversidades relatadas, registramos mais um movimento do partido, que reposicionou novamente a imagem do PT, que era predominante perante a maioria do público. Ao acoplar como vice-presidente na chapa o adversário de lutas históricas, Geraldo Alckmim, ex-PSDB e agora filiado ao PSB, o ex-presidente Lula, mesmo diante de resistência interna no seu partido e de simpatizantes, aparentemente manteve tanto a militância fiel à chapa PT-PSB, como agregou ao campo da esquerda/progressista, setores do centro e da “direita democrática”.
O fato do Partido dos Trabalhadores, ter escapado “vivo” e com o retorno de seu principal líder, Luís Inácio Lula da Silva, posicionado em 2022 como o franco favorito nas pesquisas de intenções de voto para presidente da República e registrando chances reais de eleição em primeiro turno na última semana da eleição (enquanto escrevemos esse ensaio), nos parece que pode ser contabilizado como reflexo da construção de um partido com identidade forte perante o eleitorado, de tal modo, que, mesmo diante de reposicionamentos e crises, tem resistido ao tempo e às adversidades e chegado ao final de processos eleitorais de um modo competitivo.
É por isso que a nossa reflexão sobre o último tópico da questão apresentada traz como resposta “não necessariamente”, pois, depende do partido, de como e dentro de que limites os reposicionamentos estratégicos são executados. Para além desse fator, destacamos ainda a importância da capilaridade do partido em todo o território nacional construída a partir de bases sociais, a organicidade, e o funcionamento como um partido de direito e de fato coletivo, diferentemente do que se observa em relação à maioria dos partidos políticos brasileiros. Boa parte desses outros partidos e até mesmo líderes partidários, oscilam ao sabor do vento, como biruta de aeroporto, da extrema-direita, ao centro ou à esquerda, sem identidades, sem limites de coerência ou consistência ideológica, consequentemente, sem marcas partidárias claras e sólidas, o que os enfraquece perante o eleitorado.
3. CONCLUSÃO
Neste nosso ensaio, que foi escrito a partir das reflexões a respeito dos trechos dos textos de Lupu (2014; 2015), disponibilizados para esse objetivo, buscamos, em diálogo com o suporte de outros autores mobilizados, focar a análise e emissão de opinião a partir de um olhar sobre o sistema partidário no Brasil, dedicando especial atenção ao maior partido do país, o PT.
Para nós, ficou claro que a construção de marcas partidárias, baseadas em identidades e posturas ideológicas claras, são elementos que somam ao fortalecimento dos partidos políticos e são importantes, por sua vez para o fortalecimento do sistema partidário e, consequentemente, da própria democracia.
Identidades cristalinas sinalizam mensagens objetivas, que colaboram com a diferenciação dos partidos e facultam aos eleitores a possibilidade de se reconhecerem ou não nos mesmos, e, assim, passarem a apoiá-los ou rejeitá-los. Assim, por um lado, a não-diferenciação de boa parte dos partidos leva ao enfraquecimento dos vínculos entre os mesmos e os eleitores; nesse mesmo contexto, por outro lado, os partidos que trabalham a construção de uma identidade forte, têm potencialmente mais chances de construir e fortalecer vínculos com os eleitores e sobressair-se em relação aos demais, especialmente nas competições eleitorais.
A polarização é um importante fator que contribui à diferenciação e, quanto maior for a sua ativação, maior será a tendência ao aumento dos níveis de identificação partidária. Por esse aspecto, a polarização é vista como positiva. Em lado oposto, a falta de clareza em relação a identidades ideológicas por parte do eleitor, deixa as lideranças partidárias desmotivadas a trabalharem vínculos com o eleitorado, o que acaba, por sua vez, prejudicando a identificação partidária e assim, enfraquecendo todo o sistema e tornando-o vulnerável, por exemplo, ao acesso abrupto de outsiders.
Mesmo assim, e ilustrando com o caso do PT no Brasil contemporâneo, buscamos mostrar que, não necessariamente, a mudança de marca ou de estratégia abrupta de moderação ideológica, é uma condição necessária para se manter fiel uma base de apoiadores.
REFERÊNCIAS E SUGESTÕES DE LEITURAS PARA APROFUNDAMENTO
Abramowitz, Alan I, e Saunders, Kyle L. (2008), “A polarização é um mito?”. The Journal of Politics, V70(02): 542-555.
Baker, Andy, et al. “A dinâmica da identificação partidária quando as marcas dos partidos mudam: o caso do Partido dos Trabalhadores no Brasil.” The Journal of Politics 78.1 (2016): 197-213.
Dalton, Russel J. e Steven Weldon. “Partidarismo e institucionalização do sistema partidário.” Política partidária 13.2 (2007): 179-196.
Exame. 2022. Pesquisa eleitoral: Lula sobe 3 pontos e Ciro e Tebet caem 2, diz BTG/FSB. Por: Carolina Riveira, Publicado em 19/09/2022 às 09:06. Última atualização em 19/09/2022 às 09:46. Acesso em 29 de setembro de 2022.
Fiorina, Morris P; Abrams, Samuel J. Political Polarization in the American Public. Annual Review of Political Science, n. 11, p. 563-588, 2008.
Folha de São Paulo. 2022. Lula oscila de 45% para 47%, e Bolsonaro mantém 33%. Publicado em 23 de setembro de 2022.Acesso em 29 de setembro de 2022.
Lupu, Noam. 2014. “Diluição da marca e o colapso dos partidos políticos na América Latina”. Política Mundial, 66(4): 561-602.
Lupu, Noam. 2015. “Polarização partidária e partidarismo de massa: uma perspectiva comparativa”. Comportamento Político 37.2 (2015): 331-356.
Pablo, Márcio Moretto Ribeiro e Leonardo Zeine. “Existe polarização da política no Brasil?: análise das análises em duas séries de pesquisas de opinião.” Opinião Pública 28.1 (2022): 62-91.
Samuels, David J, e Zucco, Cesar. (2018), “Partidarismo e Antipartidarismo no Brasil”. In: Partidários, antipartidários e apartidários: comportamento eleitoral no Brasil. Nova York: Cambridge University Press.