Edson Sardinha
Eles são três vezes mais ricos que os senadores. A maioria nunca se elegeu para um cargo público. Alguns deram dinheiro para a campanha dos colegas. Mesmo sem ter recebido um único voto, eles garantiram o visto de entrada para o Senado com validade de oito anos. E podem usufruir de todas as benesses do Senado quando forem convocados para substituir os titulares. São os 108 suplentes elevados à condição de potenciais senadores pelo eleitor no último dia 3 de outubro.
Para compor suas chapas, os senadores eleitos foram atrás de donos de grandes patrimônios, de empresários bem-sucedidos, de representantes de entidades de classe, de auxiliares em funções públicas que exerceram anteriormente, de ex-parlamentares, de dirigentes partidários e de lideranças religiosas. Cinco deles nem foram tão longe. Buscaram os suplentes na própria família: Edison Lobão (PMDB-MA), Gilvam Borges (PMDB-AP), Eduardo Braga (PMDB-AM), Ivo Cassol (PP-RO) e Marcelo Miranda (PMDB-TO) reservaram uma vaga para parentes.
Quem são os 108 novos suplentes de senador
O cientista político Leonardo Barreto explica que quatro fatores determinam a escolha dos reservas dos senadores: o poder financeiro do suplente, o arranjo dentro das alianças partidárias, a capacidade de quem está na suplência de atrair votos e os laços de família.
“Normalmente os suplentes são pessoas que têm poder econômico, contribuíram para a campanha do titular, não têm representatividade, nunca se candidataram a nada e que enxergam nessa eleição a possibilidade de chegar ao mandato público sem voto”, critica o professor da Universidade de Brasília (UnB).
Os critérios apontados pelo cientista político se refletem no perfil dos 108 suplentes, feito pelo Congresso em Foco. Os novos suplentes chegam ao Sendo com mais poder econômico do que político: um terço deles jamais ocupou qualquer cargo público, nem mesmo de confiança, e 56 nunca foram eleitos, nem mesmo vereadores.
Muitos ricos e poucos famosos
A pouca experiência na vida pública contrasta com as declarações de bens dos suplentes. A média de patrimônio deles é de R$ 17 milhões, o triplo da registrada pelos senadores eleitos, que é de R$ 5,5 milhões. Somente 18 (um terço) dos 54 senadores declararam à Justiça eleitoral patrimônio superior ao de seus suplentes.
Metade dos primeiros-suplentes informaram ter mais de R$ 1 milhão. Entre eles, estão os candidatos mais ricos da eleição ao Senado: o primeiro-suplente de Ciro Nogueira (PP-PI), o empresário João Claudino (PRTB-PI), dono de um patrimônio de R$ 623,5 milhões, e o segundo-suplente de Eduardo Braga (PMDB-AM), o também empresário Lirio Parisotto (PMDB-AM), dono de uma fortuna de R$ 616 milhões. Entre os senadores eleitos, o de maior patrimônio declarado é Blairo Maggi (PR-MT): R$ 152,4 milhões.
Neste ano, 19 suplentes deram R$ 3 milhões para a campanha de 16 senadores por meio de contribuições que variaram de R$ 500 a R$ 870 mil, conforme mostrou o Congresso em Foco. A maior colaboração partiu do ex-senador Raimundo Lira (PMDB-PB), que ocupará a primeira-suplência do hoje deputado Vital do Rego Filho (PMDB-PB). Vitalzinho, como é conhecido, diz que a contribuição foi um gesto espontâneo e não teve influência na indicação do suplente. O valor doado por Raimundo cobriu quase um terço dos gastos declarados pelo candidato a senador.
A dobradinha peemedebista entre Vitalzinho e Raimundo faz parte de uma minoria. Dos 54 senadores, só 26 têm como primeiro-suplente um colega de partido. A maioria cedeu a vaga a aliados de outras legendas, reproduzindo inclusive alianças pouco convencionais, como a que ocorreu, por exemplo, no Amazonas, onde a deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) foi eleita senadora tendo como suplente imediato o ex-deputado Francisco Garcia, do PP.
Capital político e religioso
Como Francisco Garcia, outros 15 ex-deputados também figuram como suplentes dos novos senadores. Quatro dos novos suplentes ainda exercem hoje mandato na Câmara e cinco nas assembleias legislativas. Quatro já tiveram a experiência de terem sido eleitos para o Senado. O ex-senador José Eduardo Dutra (PT-SE), presidente nacional do PT, é um deles. Um dos coordenadores da campanha da presidente eleita, Dilma Rousseff, ele é reserva de Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). Pode assumir o mandato caso o companheiro seja chamado para compor o ministério.
Os demais que já passaram pelo crivo das urnas exerceram mandato de deputado estadual, prefeito ou vereador. Primeiro-suplente de Humberto Costa (PT-PE), Joaquim Francisco (PSB-PE) foi governador de Pernambuco. “Alguns colocam figuras que podem atrair votos, mas eles são minoria”, explica Leonardo Barreto.
De olho em um numeroso segmento religioso, cinco senadores escalaram lideranças evangélicas para compor suas chapas. Edison Lobão, João Ribeiro (PR-TO) e Valdir Raupp (PMDB-RO) terão Pastor Bel (PMDB), Pastor Amarildo (PSC) e Pastor Manoel Ângelo (PMDB) na segunda-suplência, respectivamente. Bispo da Igreja Universal do Reino de Deus, o deputado federal Eduardo Lopes (PRB) será suplente de Marcelo Crivella (PRB-RJ), senador reeleito, bispo e sobrinho do fundador da IURD, Edir Macedo. Filha do presidente da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, a vereadora Marta Costa (DEM), de São Paulo, será a segunda-suplente de Aloisio Nunes Ferreira (PSDB-SP).
Senado familiar
Entre os que abriram mão de ceder a suplência para eventuais puxadores de votos estão os senadores eleitos que preferiram valorizar a família. O ex-governador do Amazonas Eduardo Braga (PMDB) reservou a primeira-suplência para a mulher, Sandra Braga, que foi presidente do Conselho de Desenvolvimento Humano durante seu governo. O ex-governador de Rondônia Ivo Cassol (PP) guardou a primeira-suplência para o pai, o ex-deputado Reditário Cassol (PP). Marcelo Miranda (PMDB-TO), outro ex-governador, deixou o patriarca da família, Brito Miranda, na segunda-suplência.
Dois senadores reeleitos também preferiram manter familiares na primeira-suplência. Na próxima legislatura, Gilvam Borges (PMDB-AP) poderá ser substituído pelo irmão Giovane Borges (PMDB-AP), como aconteceu três vezes nos últimos quatro anos. Cotado para voltar ao Ministério de Minas e Energia, o senador Edison Lobão (PMDB-MA) poderá passar o gabinete para Edison Lobão Filho (PMDB-MA). O filho substituiu o pai no Senado entre janeiro de 2008 e março de 2010, enquanto o senador comandava a pasta de Minas e Energia.
“Esses casos de nepotismo mostram como essas pessoas tratam o cargo público, como uma propriedade. É uma tradição patrimonialista”, critica o cientista político Leonardo Barreto. A crítica é refutada por senadores e familiares suplentes.
Papai gostou
O senador Edison Lobão diz que não foi ele quem determinou que o filho seria seu suplente. “O suplente é escolhido pela convenção partidária, assim como o titular”, diz o senador. Segundo ele, os dois suplentes participaram ativamente de sua campanha e seu filho apresentou “excelente desempenho” quando o substituiu.
“O primeiro suplente já havia assumido o mandato quando da minha investidura no Ministério de Minas e Energia e apresentou excelente desempenho, inclusive exercendo os postos de vice-líder da bancada do PMDB no Senado, sub-relator (relator setorial) do Orçamento Geral da União, e vice-presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, além da relatoria e autoria de outras iniciativas legislativas”, conta o senador.
Edison Lobão Filho também nega que o vínculo familiar tenha tido influência em sua indicação. Segundo ele, a “generalização” induz a uma interpretação equivocada de que foi indicado suplente do pai com base no critério familiar. “Se você diz: ‘Poxa, ele botou o filho como suplente…’. Isso parece uma coisa negativa. Mas se você for analisar meu caso com isenção, verá que não é. Sou coordenador de todas as campanhas dele há 25 anos. Estou presente em todos os mandatos. Quando você vê isso, a ideia deixa de ser absurda”, afirma o suplente ao Congresso em Foco.
Esta não será a segunda vez que Lobão Filho auxilia o pai. Sua primeira experiência pública foi como secretário de Governo quando Edison Lobão governou o Maranhão. Também filho da deputada Nice Lobão (DEM-MA), o peemedebista diz ter motivos para não concorrer a outro cargo. “Na Câmara, teria de disputar com minha mãe. Disputar a deputado estadual não me interessa. Disputar a eleição de governador é possível. Mas o futuro está muito distante. Nem começou o novo mandato da governadora Roseana Sarney. Seria injusto com ela falar disso agora”, conta.
Lobão Filho ressalta que jamais fez qualquer acordo com o pai para assumir a vaga no Senado. “Quando fui escolhido pela primeira vez como primeiro suplente, passaram-se seis anos sem que eu assumisse o mandato por um dia. Não havia acordo para que o titular desse brecha para o suplente assumir. Isso só ocorreu no impedimento de ele ser senador quando ele foi nomeado ministro”, destaca.
Homenagem de filho
Marcelo Miranda diz que pretendeu prestar uma “homenagem” ao pai quando o indicou como suplente. Um reconhecimento à “folha de serviços” de Brito Miranda como deputado estadual e ex-secretário de Infraestrutura em seu governo. “Não foi só por ser meu pai, mas pelo homem de visão que ele é. Quis prestar uma homenagem como filho, mas também como colega de trabalho. Ele foi meu secretário”, ressalta. “O suplente tem de ser alta confiança, compromissado com o estado e o senador titular”, acrescenta.
Gilvam Borges diz que o fato de Giovane ser seu irmão é “acessório” e que a escolha do primeiro-suplente foi baseada em critério estritamente político.
“Eu não tenho um ‘irmão suplente’. Não foi o fato de ser meu irmão que determinou a escolha do meu suplente”, afirma o senador. “Geovani Borges foi vereador por Macapá, deputado federal por duas legislaturas – tendo sido constituinte, inclusive – e prefeito de Santana, a segunda cidade mais importante do meu Estado. Ou seja, tenho um suplente com história e serviços prestados ao Amapá. Um suplente político que, também, é meu irmão. O critério de escolha prevalecente foi o político, o fato de ser irmão é acessório”, acrescenta.
Geovani Borges e Edison Lobão Filho são dois sobreviventes. Dos 34 suplentes dos 17 senadores reeleitos, apenas oito continuarão na suplência na próxima legislatura. Além de Gilvam, somente o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) manteve os dois suplentes. O segundo-suplente de Gilvam é o empresário Salomão Alcolumbre Junior (PMDB). Salomãozinho, como é conhecido, é filho de Salomão Alcolumbre, primeiro-suplente do senador José Sarney (PMDB-AP) até fevereiro de 2015.
Novato
No perfil de suplente rico e estreante na vida política, o empresário Givago Tenório (PSDB), suplente do senador eleito Benedito de Lira (PP-AL), diz estar preparado para substituir o titular no Senado caso seja chamado, apesar de nunca ter ocupado cargo público antes. “Isso não me assusta. Se for preciso, vamos fazer no Senado o que fizemos no setor privado. Além disso, sempre nos cercamos de pessoas competentes.”
O primeiro-suplente conta que não fez nenhum acordo com o senador eleito para assumir o mandato. “Não fizemos esse tipo de vínculo. Se eu assumir, será uma conseqüência. Não foi feito qualquer acordo nesse sentido. Foi um projeto em prol do estado.” O convite, segundo ele, partiu do grupo político do governador reeleito Teotônio Vilela (PSDB).
Dono de um patrimônio declarado de R$ 13 milhões, o ex-presidente da Associação dos Criadores de Alagoas e da Associação Brasileira de Criadores de Santa Inês conta que não doou recursos para a campanha de Benedito, mas admite que ajudou o colega a conseguir dinheiro. “Modéstia à parte, agregamos bem à campanha. Ajudamos a conseguir contribuições, mas a campanha foi muito em cima das propostas. O Bil (como é conhecido Benedito de Lira no estado) queria prestar contas de sua vida pública”, declara.
Surpresa na urna
Pela primeira vez, a foto dos dois suplentes de cada candidato ao Senado apareceu este ano na urna eletrônica na hora da votação. Na maioria das vezes, o eleitor não faz ideia de quem compõe a chapa de seu candidato porque os suplentes raramente têm o nome e a imagem exibidos no horário eleitoral. Na atual legislatura, os suplentes já chegaram a ocupar um terço das 81 cadeiras. Pelo menos cinco herdarão quatro anos de mandato dos titulares, são os suplentes dos cinco senadores que se elegeram governadores. A conta pode aumentar, já que alguns senadores são cotados para assumir cargo no ministério de Dilma.
Para o cientista político Leonardo Barreto, a exibição das fotos dos suplentes está longe de representar uma mudança no modelo eleitoral. “Eu, por exemplo, que sou um eleitor escolarizado e atento, não me lembro quem são os suplentes do meu candidato”, reconhece.
Atualmente, 16 senadores exercem o mandato sem ter recebido um voto sequer. São suplentes que substituem, definitiva ou temporariamente, senadores licenciados ou que herdaram o mandato de colegas falecidos ou que se elegeram governadores ou prefeitos. Quando substituem os titulares, os suplentes usufruem de todos os benefícios dos senadores, como salário de R$ 16.500, carro com motorista, auxílio-moradia, verba de gabinete e o chamado foro privilegiado, prerrogativa de serem julgados apenas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
As vantagens, em alguns casos, não cessam no fim do mandato. Um ato normativo do Senado datado de 1995, que prevê assistência médica vitalícia aos ex-senadores eleitos pelo voto popular e aos seus cônjuges, também garante o benefício a um grupo de suplentes: aqueles que exerceram o mandato “em decorrência de morte, renúncia ou cassação do titular” pelo prazo mínimo de 180 dias e que tenham participado de sessão deliberativa em plenário ou em comissões da Casa. A regra, no entanto, foi desrespeitada pelo Senado pelo menos uma vez, como mostrou o Congresso em Foco. Suplente por apenas 45 dias, Nivaldo Krüger teve mais de R$ 10 mil em despesas médicas ressarcidas pela Casa entre 2003 e 2008.
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