Já relatei mais de uma vez que foram dois os livros que me despertaram para a política: Geografia da fome e “Geopolítica da fome, ambos de Josué de Castro (1908-1973). Esses livros me foram apresentados, creio que em 1975, por um estudante de engenharia.
Geografia da fome foi publicado em 1946, portanto antes de eu nascer, e foi dessa fonte que bebi a minha consciência crítica. Estudante de Medicina, oriundo da vida rural e trabalhador da roça até os 18 anos de idade (meu pai permaneceu na roça por muitos anos mais), não pude deixar de comparar o que me era dito nas salas de aula, as enfermidades, a fome, com a quantidade de trabalho e o acesso a alimentação que tinha minha família.
O livro mapeou o Brasil a partir de suas características alimentares e demonstrou que a fome não poderia ser atribuída a fenômenos (naturais) climáticos, quantidade de alimento produzido, preguiça ou excesso de população, mas sim ao sistema econômico e social, ou seja, ao capitalismo.
Josué de Castro, médico nascido em Recife, começou a estudar a fome na sua região e em seguida estendeu seus estudos para o restante do país. Ele denominou a área do Nordeste afetada periodicamente por secas como uma área de fome endêmica.
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Outras áreas, não só do Nordeste, também receberam a mesma denominação. Tanto numa situação como noutra, principalmente os idosos e as crianças se tornam susceptíveis a doenças e consequentemente à morte.
No Geopolítica da fome, Josué de Castro passa analisar a fome no cenário internacional e regionaliza seus estudos por continentes: América, África, Ásia e Europa.
Nesses estudos, Josué confirma sua tese: a fome está diretamente relacionada à má distribuição das riquezas e dos produtos, e não é resultado da escassez em termos quantitativos da produção de alimentos.
Hoje, as teses de Josué de Castro são confirmadas, principalmente no Brasil. No momento em que políticos, como Lula e Dilma, comprometidos com o povo e não com o capital assumem os governos desses países e passam a aplicar outro modelo econômico e social, a fome começa a diminuir.
O relatório (Estado da Insegurança Alimentar no Mundo – Sofi 2014, na sigla em inglês) da ONU/FAO, divulgado no dia 16 de setembro, mostra que diminuiu o número de pessoas que passam fome no mundo e que a maior queda ocorreu nos países da América Latina e Caribe. O relatório divulgado mostra o absurdo: cerca de 805 milhões de pessoas no mundo sofrem de fome.
“O documento aponta que a erradicação da fome requer o estabelecimento de um ambiente favorável e de uma abordagem integrada, o que inclui investimentos públicos e privados para aumentar a produtividade agrícola; o acesso à terra, serviços, tecnologias e mercados; e medidas para promover o desenvolvimento rural e a proteção social para os mais vulneráveis” (leia mais).
O relatório da ONU/FAO mostra que o número de pessoas “que sofre com a subalimentação na região América Latina e Caribe caiu de 15,3% em 1990/92 a 6,1% em 2012-2014, totalizando 37 milhões, diferente das 68,5 milhões registradas em 1990-92”. Significa que, em pouco mais 20 anos, 31,5 milhões de pessoas superaram a subalimentação.
Motivo de orgulho, mas não ainda de festa (não há festa enquanto uma pessoa passa fome). O relatório mostra que o Brasil foi um dos países que cumpriram a meta. “No período base (1990-1992), 14,8% das pessoas sofriam de fome. Para o período de 2012-2014, o Brasil reduziu a níveis inferiores a 5%”.
Superamos a situação de fome epidêmica e endêmica descritas por Josué de Castro graças a governantes (Lula e Dilma) que mudaram o modelo de desenvolvimento econômico e social e implantaram políticas de distribuição de renda, como, por exemplo, a valorização do salário mínimo e o Bolsa Família.
Esses resultados são a confirmação de que Josué de Castro tinha razão. Eu, que lá em 1975 li os livros Geografia da fome e Geopolítica da fome, não imaginava viver este momento.