Logo depois da tentativa de golpe e dos atos de invasão e depredação das sedes dos três poderes da República no dia 8 de janeiro, a senadora Soraya Thronicke (União Brasil-MS) começou a recolher assinaturas para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o que houve. Além do argumento da contribuição do Legislativo à apuração do que aconteceu e punição dos responsáveis, Soraya entende que a CPI poderia ter um caráter pedagógico: ensinar aos eleitores que se posicionam à direita que o comportamento dos que invadiram e depredaram os prédios não é o comportamento que se espera de um cidadão conservador.
“As pessoas precisam saber o que é conservadorismo”, afirma Soraya ao Congresso em Foco. “Precisam entender que, com Bolsonaro, embarcaram na canoa errada”.
“Ser conservador é justamente trabalhar para que as instituições se conservem. Pregar golpe não é ser conservador”, continua a senadora. Ao contrário, ela alerta, o discurso antissistema do bolsonarismo busca destruir o que está estabelecido, não conservar. “É reacionário, não conservador”, reforça. “Além de um equívoco, o bolsonarismo não é a direita”.
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Soraya Thronicke faz essas reflexões a partir do sentimento de abandono que parte da direita que embarcou na onda bolsonarista parece sentir diante do comportamento do ex-presidente Jair Bolsonaro depois que foi derrotado por Lula na sua tentativa de reeleição em outubro. Bolsonaro deixou o país, autoexilou-se nos Estados Unidos e, desde então, deixou órfãos e confusos seus seguidores no Brasil. Tal sentimento explicitou-se na entrevista concedida no sábado (11) pelo presidente do Republicanos, Marcos Pereira, à Folha de S. Paulo. Mas é também sentida no próprio partido de Bolsonaro, o PL, ainda que não de forma declarada, como mostrou o Congresso em Foco.
À Folha, Marcos Pereira criticou a ausência de Bolsonaro que, na sua opinião, deveria estar no país liderando a oposição, mas prefere ser “turista nos Estados Unidos”. E revelou a avaliação de alternativas para ocupar o espaço da direita, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. No caso do PL, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, ainda acredita que Bolsonaro possa vir a ser um cabo eleitoral importante nas eleições municipais do ano que vem. Mas turbina Michelle Bolsonaro como alternativa. Ela deve tomar posse como presidente do PL Mulher no dia do seu aniversário, 22 de março (na véspera, 21 de março, é o aniversário do próprio Bolsonaro.
“O que me espanta é que a ficha dessa gente só tenha caído agora”, comenta Soraya. “Bolsonaro tem uma fala em que diz que é Centrão. Ele não é conservador”.
“Eu avisei”
Nas eleições de 2018 e no início do seu mandato, Soraya Thronicke apoiou Bolsonaro. Ela começou a ficar conhecida e se destacar nas manifestações de protesto contra o governo Dilma Rousseff na Copa das Confederações. E foi eleita na esteira do crescimento do pensamento de direita a partir daí. Mas rompeu com Bolsonaro, especialmente a partir do momento em que ele começou a negar a gravidade da pandemia de covid-19.
“Na ausência de uma liderança de direita, ele se apoderou da ideologia. Foi oportunismo. Ele não me enganou. Eu avisei tudo isso. Mas fui uma voz isolada”, diz a senadora. “Estou surpresa com o atraso desse pessoal em compreender o óbvio”.
Soraya espanta-se ainda com o malabarismo dos que ainda tentam defender Bolsonaro a partir da constatação da sua participação na tentativa de fazer entrar ilegalmente no país joias presenteados pelo governo da Arábia Saudita avaliadas em R$ 16,5 milhões. “Não tem nada de complicado nessa questão das joias”, afirma. “A pauta da corrupção é de quem tem seriedade com a coisa pública”.
Para Soraya, a sociedade precisa de fato entender o que é ser conservador. “O conservadorismo de fato é mais institucional que de costumes”, avalia. “Quem é liberal não está interessado no que a pessoa faz dentro de quatro paredes, desde que não seja crime”. E foi crime, ao contrário, ela ressalta, o que foi feito nos prédios dos três poderes no dia 8 de janeiro.