Numa recente reunião com pessoas da área de comunicação, o publicitário Nizan Guanaes comentou o fenômeno do surgimento recente de diversas marcas menores de cerveja de fabricação artesanal. Diante de um cenário de prosperidade econômica, de aumento do poder aquisitivo e de abertura do Brasil para os mercados estrangeiros, o consumidor passou a ficar mais exigente. Seu paladar sofisticou-se e ele começou a querer experimentar um pouco mais além das cervejas do tipo pilsen que durante anos foram a sua única opção disponível.
Nizan contou a história das pequenas cervejarias para traçar um paralelo com o atual momento político e econômico brasileiro. Nos últimos 20 anos, o eleitor brasileiro primeiro livrou-se da inflação e obteve estabilidade econômica. Depois, o eleitor miserável, das camadas mais pobres da sociedade, passou a comer, foi inserido na economia formal. Numa escala um pouco mais acima, formou-se uma nova classe média, com acesso a bens e serviços que antes lhes eram totalmente inimagináveis. Agora, que já consegue planejar a sua vida, já obteve o básico, esse cidadão começa a almejar coisas mais ambiciosas. Ficou mais exigente. Enfim, seu paladar refinou-se. Como o do consumidor que corre atrás das cervejas artesanais.
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Eis aí o ponto básico sobre o qual vai girar a próxima eleição presidencial. No futuro, quando o jogo eleitoral das atuais torcidas políticas não fizer mais sentido, quando analisarmos nosso tempo com uma perspectiva histórica, vão ficar claros dois marcos importantes surgidos depois da redemocratização do país. O primeiro foi a estabilidade, o fim daquela inflação galopante que impedia qualquer planejamento de longo prazo, tanto no governo quanto na vida das pessoas. O segundo marco é a imensa evolução social do país, que tirou cerca de 14 milhões de famílias da pobreza. Uma coisa não poderia ter sido feita sem a outra: nenhum programa social seria possível com aquela inflação enlouquecida dos tempos do governo José Sarney.
À margem das futricas eleitorais, a primeira marca está ligada a Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso (os tucanos costumam sempre tirar a importância de Itamar, o que o deixava enfurecido). A segunda marca está ligada a Luiz Inácio Lula da Silva. Alguns poderão dizer que os programas sociais já existiam no governo Fernando Henrique. Outros poderão dizer que Lula herdou uma situação de crise financeira. Mas a primeira evidência de que tais marcas estão ligadas a tais pessoas foi dada pelo próprio eleitor: foi por conta da estabilidade que FHC foi eleito e reeleito (e foi porque já não se percebia com a mesma confiança a possibilidade de que pudesse mantê-la, diante da crise, que não elegeu seu sucessor); foi por conta da evolução social que Lula foi reeleito e elegeu Dilma Rousseff.
Embora a “Carta ao Povo Brasileiro” fosse uma crítica à política econômica de FHC, ela foi feita porque o controle da inflação e a responsabilidade fiscal eram valores dos quais o povo já não mais abria mão, e Lula precisava firmar, para ser eleito, o compromisso de mantê-los. Da mesma forma, Aécio Neves agora faz críticas à política social de Lula e Dilma, mas propõe tornar o Bolsa Família uma política de Estado permanente. Porque, pela mesma razão, o povo já não abre mão da existência de tal ferramenta de justiça social.
Assim, no imaginário das pessoas, os dois marcos estão garantidos e perenes. Importa agora o que virá em seguida. Embora ainda exista um número considerável de pessoas na miséria, não há mais 14 milhões de famílias fora da economia, a ponto de criar um novo mercado consumidor e alavancar a economia, como aconteceu na era Lula. E os que entraram na economia formal agora passam a querer mais. Não é por acaso que as manifestações do meio de ano se iniciaram pela demanda da mobilidade, do transporte público. O sujeito que antes se preocupava com ter alguma coisa para comer no dia seguinte agora tem emprego e conta bancária. Mas continua morando a mais de uma hora do seu local de trabalho e se deslocando em ônibus velhos e desconfortáveis. Ele agora demanda por melhores serviços, por saúde, por educação, por moradia, por segurança.
Aquele que for capaz de garantir que não vai mexer no que foi conquistado nos últimos anos e que se mostrar ao eleitor capaz de atender às suas novas demandas. Esse será o próximo presidente (ou presidenta) da República.