Cerca de somente três milhões de estudantes se inscreveram para as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano. “É menos da metade daqueles que se inscreveram nas últimas edições”, critica a presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bruna Brelaz. “Isso é muito grave para todos aqueles que acreditam que o ensino superior é um caminho importante no país”. Ela resume: “Será o Enem mais branco e desigual da história”.
Nesta entrevista ao Congresso em Foco, Bruna afirma que a UNE estará atenta aos desdobramentos das provas do Enem, que se iniciam no domingo (21) em todo o país para defender os estudantes que vierem a ser prejudicados pelo exame, marcado pela demissão de 37 servidores do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), responsável pela elaboração das provas, que acusam o governo de pressão para interferir nos conteúdos, especialmente por questões político-ideológicas, como, por exemplo, trocar o termo “ditadura militar” por “regime militar”.
A amazonense Bruna Brelaz, de 26 anos, é a primeira mulher negra e nortista a ocupar a presidência da UNE. Exemplo de um país que, apesar dos pesares, luta todos os dias e consegue conquistar espaços para se tornar menos desigual e inclusivo. Essas conquistas, porém, provocam reações. Bruna, assim, tem sido vítima dos “gabinetes do ódio” à direita e à esquerda. Segundo ela, quase sempre esses ataques apelam para essas condições: a cor de sua pele e sua condição de mulher.
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O presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo, por exemplo, disse que Bruna Brelaz “não é negra”. Negro seria ele e que ela é parda. Já um militante de esquerda, ao contrário, atacou-a dizendo que ela era “uma negra a serviço da casa-grande” por pregar uma união ampla dos setores democráticos pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro e por ter, nesse sentido, procurado conversar com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e outros políticos mais próximos do centro. A estudante comunista, filiada ao PCdoB, já foi chamada de “fascista” por trabalhar por essa união mais ampla.
“Sergio Camargo não entende nada sobre racismo”, avalia Bruna. “Não entende nada de negros e negras. Quando se fala de negros, a gente fala exatamente de pretos e pardos. Quando ele me considera parda, eu faço parte dessa gama de negros e negras que compõe mais da metade da população brasileira”, ensina Bruna ao presidente da Fundação Palmares. “A nossa identidade, nossa cultura, sempre tenta ser apagada por pessoas que não têm o compromisso com a luta antirracista”.
“Todos os gabinetes do ódio precisam ser combatidos”
Para a presidente da UNE, “o Brasil vive um momento de polarização e ódio muito aprofundados”. E é por isso que, para ela, termos como nazismo, fascismo, comunismo, começaram a ganhar interpretações rasas e deslocadas da realidade. “A nossa atuação tem a ver com um sentido exatamente contrário ao fascismo: de defesa da democracia, defesa da Constituição”.
Publicidade“Uma liderança feminina deve incomodar esses que geralmente são homens que se escondem, não colocam seus rostos para fazer esses ataques”, diz ela. “Todos os ataques que vêm de forma racista, misógina, não estão entrelaçados somente com um grupo, só da direita ou da esquerda”, alerta ela.
“A sociedade reproduz o racismo, a misoginia. Todos os grupos políticos estão sujeitos a reproduzir esses comportamentos que a sociedade acaba produzindo. Nós precisamos sempre nos policiar e nos colocar numa posição de reflexão, enquanto sociedade e como movimento que combate essas opressões, para que a gente não reproduza”, completa. “Se nós hoje construímos um debate de que o bolsonarismo representa a pior face do que a gente considera inescrupuloso, que é esse debate nazista, fascista, antidemocrático, obscurantista, anticiência, que ataca mulheres, que ataca negros, LGBTs, isso precisa também ser combatido no nosso campo”, continua a presidente da UNE. “Todos os gabinetes do ódio precisam ser combatidos”.
Veja a entrevista completa: