Nem os governadores tucanos, que administraram o estado de São Paulo por 28 anos e terceirizaram a gestão da saúde, tiveram a ousadia de reduzir o orçamento da educação. Tarcísio de Freitas, carioca, ex-militar, eleito governador pelo Republicanos, apoiador de Bolsonaro, em seu primeiro mandato propôs a redução da verba da educação de 30% para 25% do orçamento do estado, aprovada em primeiro turno em meados de novembro, o que deve se repetir na segunda votação pois, como os governadores que o antecederam, controla a Assembleia Legislativa.
O discurso oficial é que a educação tem recursos suficientes e o estado precisa remanejar esta verba – em torno de R$ 11,3 bilhões se o orçamento para o próximo ano for de R$ 227,1 bilhões, segundo algumas estimativas – para a área da saúde, mais carente em função de novas demandas, decorrentes do envelhecimento da população. Os educadores contestam, apontando para a qualidade do ensino com um grande número de estudantes com baixo nível de aprendizado e outras deficiências.
A preocupação da Apeoesp, entidade dos professores, tem razão de ser pois a experiência do estado de São Paulo com a terceirização da gestão das unidades de saúde, que é feita por organizações sociais, envolve denúncias de desvio de recursos e falhas no atendimento. Além disso, em todo esse período de terceirização, o estado deixou de capacitar pessoal para sua rede.
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A qualidade de ensino, que pode vir a ser afetada pela terceirização de parte das atividades, certamente não está entre as prioridades do governador Tarcísio de Freitas. Ele está mais preocupado com a segurança e o civismo. Tanto que, em maio deste ano, promulgou uma lei que cria o Programa Escolar Cívico-Militar, que pretendia criar entre 50 e 100 escolas dessa natureza até o início de 2025. São escolas que seguirão a mesma grade curricular das demais unidades da Secretaria da Educação, terão os mesmos professores, mas contarão com monitores recrutados pela Secretaria da Segurança Pública entre os PM da reserva. Eles serão encarregados da segurança e apoio a atividades extra-curriculares. E terão remuneração superior à dos professores.
Como a implantação do programa foi suspensa por ação do Tribunal de Justiça de São Paulo e por duas ações impetradas junto ao STF, o governador acabou adiando sua implantação para 2026. Um dos grandes entusiastas da iniciativa é o secretário da Educação, Renato Feder, que implantou 195 escolas cívico-militar no Paraná no governo Ratinho Jr.
Outra das credenciais que justificou o convite de Tarcísio para que o empresário do setor de tecnologia e também professor assumisse a secretaria de Educação foi o fato de ter elevado, em 2022, a nota do Paraná no Ideb tanto do ensino fundamental, de 4,4 para 4,6, como do ensino médio que pontuou 5,2, conquistando o 4o lugar.
Os opositores de Feder, em reportagem da Carta Capital, dizem que ele recorre a estratégias de gestão para aumentar os resultados que não têm a ver necessariamente com a melhoria da qualidade de ensino. Há de se reconhecer que são medidas engenhosas. Instituiu testes trimestrais de português e matemática, matérias que caem no Ideb e que passaram a ter maior carga horária no Paraná (em detrimento de outras disciplinas) e criou um sistema de premiação dos diretores para que garantissem a assiduidade dos alunos. Segundo consta, vem adotando método semelhante em São Paulo, só que o prêmio envolve bonificação no contracheque.
Terceirização
Dentro de seu projeto neoliberal de vender ativos do Estado e reduzir os encargos ligados à infraestrutura, o governador Tarcísio de Freitas tomou a decisão de leiloar a construção de novas unidades da rede escolar do estado, que responde pelo ensino fundamental da 6a a 9a série e pelo ensino médio. No final de outubro, leiloou o primeiro lote de 17 escolas, disputado por cinco concorrentes. Venceu o consórcio Novas Escolas Oeste São Paulo, que tem como sócios a Engeform, sócia da Colare que administra sete cemitérios na cidade de São Paulo, e o fundo Kinea.
O consórcio vencedor, que deu um lance de R$ 11,99 milhões, entrega as obras em meados de 2026, quando recebe do estado. E por 25 anos tem garantido um contrato de limpeza, vigilância e alimentação, que custará aos cofres do estado R$ 3,38 bilhões. Toda a parte pedagógica, material didático e planejamento escolar continua a cargo da Secretaria da Educação.
O segundo lote, envolvendo 16 unidades, foi leiloado no início de novembro. O desenho do projeto de Parceria Público Privada para a terceirização de infraestrutura foi realizado pelo BNDES para atender os estados do Amazonas e de Minas Gerais e São Paulo e os municípios de Caxias do Sul e do Recife e Rio de Janeiro.
São Paulo não está sozinho nessa iniciativa. A Capital também já leiloou a construção de dois lotes de dez CEUs desde 2022 e prepara um novo lote de mais seis. E o Paraná aprovou a terceirização da gestão administrativa de 204 escolas públicas (pouco mais de 10% da rede) – são escolas localizadas em ilhas, aldeias indígenas, comunidades quilombolas, presídios, quarteis da PM e cívico-militar.
Mas isso não quer dizer que, na opinião de educadores, este seja um modelo adequado. Eles dizem que, em uma escola, é muito difícil separar o que é um espaço pedagógico do que é um espaço não pedagógico, onde o administrador pode intervir e ditar as regras. “Em uma escola, tudo é pedagógico”, resume Daniel Cara, professor da USP.
A grande preocupação é que a terceirização da construção da infraestrutura e de sua administração seja a preparação de terreno para a futura privatização do ensino fundamental e médio, hoje gratuito e universal. Por isso, é fundamental impedir qualquer iniciativa, por menor que seja, que envolva a iniciativa privada em questões pedagógicas. Elas têm que ser denunciadas e barradas. Nossa educação é e precisa continuar a ser pública.
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