por Edson Pinto*
Durante a pandemia de covid-19, a atuação dos aplicativos de entrega de comida cresceu exponencialmente no país. Apesar de o serviço ter sido essencial no período de crise sanitária, a falta de concorrência no setor, com pouquíssimas empresas que recebem o pedido na plataforma e realizam o serviço por meio de entregadores, trouxe inúmeros problemas. Só o iFood, por exemplo, detém 80% de participação no mercado brasileiro.
Esta gigante do segmento de delivery se apresenta como “parceira” dos restaurantes. Porém, utiliza práticas comerciais predatórias: cobra taxas de até 30% sobre o valor do pedido, se nega a compartilhar dados dos clientes e, ao admitir estabelecimentos irregulares em sua carteira de entregas, pode colocar em risco a saúde dos usuários e promover concorrência desleal.
O iFood, enfim, se tornou um mal necessário para a maioria do setor de alimentação fora de casa. Mas outro inconveniente chama a atenção de bares e de restaurantes. Trata-se do descaso com que as empresas de aplicativos no geral tratam os entregadores.
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Importante frisar que, mesmo retendo 30% do valor total do pagamento feito ao estabelecimento, o iFood ainda cobra uma taxa de entrega do consumidor. Ganha, portanto, dos dois lados. No entanto, se recusa a valorizar e a proteger, de forma mínima, os motoboys e os ciclistas que se arriscam, em meio às adversidades do trânsito, para o pedido chegar rapidamente na ponta e na mesma condição com que saiu para o consumo.
No Brasil, existem 396 mil entregadores por aplicativo, de acordo com o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), e 350 mil restaurantes vinculados a plataformas desta natureza e que tratam esses ativos como se fossem propriedade. A categoria de entregadores é a única de todo o ecossistema de bares e de restaurantes sem qualquer tipo de segurança trabalhista no país.
PublicidadeO governo federal quer regulamentar a atividade dos entregadores. Trata-se de proposta nada mais do que justa, e necessária, sendo que as empresas que intermediam o delivery e exploram esse ramo de atividade devem assumir sozinhas o custo/investimento. Ocorre que os estabelecimentos gastronômicos, afeitos às leis vigentes, não de hoje, já arcam com os encargos e o registro do profissional que atende ao telefone, daquele que prepara o prato, do garçom e do funcionário que embala o pedido – só para citar algumas ocupações. Então, por que os entregadores são os únicos sem quaisquer direitos, sem proteção social?
O Planalto, no entanto, não avança nas conversações, alegando que o iFood se recusa a negociar. Ao que parece, a empresa não entende que o conceito de modernidade, oferecido por ela mesma, precisa se adequar à regulação de atividades trabalhistas. O Brasil, afinal, não é terra sem lei. Há regramentos, limites e garantias que devem ser obedecidos pelos empregadores, com risco de penalização em caso de descumprimento.
A regulamentação dos entregadores de comida no país é extremamente urgente. Além da segurança de motoboys e de ciclistas, a comodidade dos clientes não pode estar associada à exploração desses trabalhadores, que, se pudessem, estariam, certamente, em profissões menos perigosas e insalubres e que gerariam dividendos maior no fim de cada mês.
Talvez o iFood não esteja interessado em dividir seus ganhos para garantir direitos à peça fundamental para o sucesso do aplicativo: o ser humano, o cidadão, o trabalhador – que merece ter, não apenas respeito, mas, sobretudo, seus direitos garantidos – é uma questão de justiça!
- Atualização [03/04/2024, 19:00]: o iFood procurou o Congresso em Foco após a publicação deste artigo. Leia abaixo, na íntegra, a nota da empresa:
“O iFood esclarece que a empresa apoia desde 2021 a regulação do trabalho intermediado por plataformas e busca uma regulamentação para o delivery que atenda as particularidades e necessidades dos trabalhadores e que seja justa para todos, assegurando autonomia e direitos sociais para a categoria e segurança jurídica para as empresas.
A empresa participou ativamente das discussões promovidas pelo Grupo de Trabalho Tripartite para a regulamentação da atividade até o seu encerramento, em setembro de 2023, e reafirma sua disponibilidade em retomar as negociações.
O iFood esclarece que não cobra quaisquer taxas de entregadores e tem o compromisso de anualmente reavaliar a política de ganhos. Isso foi decidido no fórum de lideranças da categoria em 2021, alinhado ao compromisso de constante escuta da empresa com entregadores.
No que diz respeito aos estabelecimentos parceiros, incluindo restaurantes, o iFood reitera que as taxas cobradas são compatíveis – e em muitos casos menores – com os valores cobrados tanto por concorrentes no mercado brasileiro como por pares globais. Nesta comissão, estão inclusos, além do grande tráfego de clientes no aplicativo, vantagens e benefícios sem custo adicional. Entre eles consultoria humana nos primeiros 30 dias, possibilidade de integrar com sistemas de PDV, inteligência artificial que recomenda melhorias no cardápio e plataforma de cursos gratuitos que ensinam marketing, precificação, cardápio, saúde financeira, todos com profissionais renomados no mercado e alto valor percebido.
O iFood segue trabalhando ativamente para alcançar um mecanismo regulatório que proteja os entregadores e preserve a sustentabilidade do ecossistema em que está inserido, que gera 873 mil postos de trabalho diretos e indiretos e atende 40 milhões de consumidores.”
* Edson Pinto é diretor-executivo da Federação de Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares do Estado de São Paulo (Fhoresp); presidente do Sindicato de Hotéis, Bares e Restaurantes de Osasco, Alphaville e Região (SinHoRes); mestre em Direito, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC); e autor do livro “Lavagem de Capitais e Paraísos Fiscais” (Editora Atlas)
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.