O Brasil já é o “celeiro do mundo” por conta da grande produção de alimentos no campo. A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) aspira, ainda, que o país se torne, um dia, também o “supermercado do planeta”. Essa aspiração é muito concreta, porque o Brasil já exporta alimentos industrializados para 190 países. Entretanto, o Brasil enfrenta uma realidade distinta em seu território, contabilizando mais de 33 milhões de habitantes em situação alimentar grave, segundo a Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN).
Muitos fatores são atribuídos à volta da fome no país: a pandemia da covid-19, o cenário político externo com a guerra entre Ucrânia e Rússia, a perda do poder de aquisição da população e o aumento dos preços dos alimentos. Esse último, um ponto que pode ser corrigido com a reforma tributária, em tramitação no Congresso Nacional.
Segundo estudos da Abia, os alimentos industrializados têm uma tributação ao redor de 24%, longe ainda da média nos países que compõem a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que gira em torno de 7%. Ou seja, quase um quarto do valor que o brasileiro paga na comida é destinado para tributos como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias ou Serviços (ICMS), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
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Por não haver uma padronização, os itens que compõem uma única refeição básica podem apresentar uma grande variação na tributação. Segundo dados do Impostômetro do estado de São Paulo, o arroz e o feijão pagam 17,24% de imposto, enquanto 29% do valor da carne é composto por tributos. A alíquota dos impostos estaduais também pode mudar de acordo com cada estado, influenciando diretamente no preço dos alimentos.
“Nós achamos que essa é uma excelente oportunidade que o Brasil tem para reduzir a carga tributária dos alimentos. A alimentação é um direito constitucional e, portanto, o brasileiro não deveria ter que pagar tanto imposto para poder comer”, defende o presidente executivo da Abia, João Dornellas.
O presidente da associação destaca que o Brasil é um dos maiores produtores e o segundo maior exportador de alimentos do mundo, vendendo para 190 países. De acordo com Dornellas, a indústria brasileira de alimentos possui capacidade ociosa e tem oportunidades para crescer ainda mais a sua produção. “Não falta alimento no Brasil, falta renda para o consumidor ter acesso ao alimento”, destaca.
PublicidadeTributação seletiva é risco para o consumidor
Com o avanço da reforma tributária, algumas entidades têm debatido propostas que defendem uma tributação seletiva, elevando ainda mais a carga tributária sobre os alimentos. “Alguns grupos de pressão defendem uma maior tributação para alimentos que eles consideram ‘não saudáveis’, assim denominados com base em uma classificação ampla, controversa e muito questionada pela ciência dos alimentos”, argumenta Dornellas.
Na avaliação do presidente da Abia, a classificação de alimentos ultraprocessados é “ambígua” e “cada vez mais contestada por cientistas de alimentos em todo o mundo”. Se você fizer um pão de queijo em casa, teoricamente, ele é bom segundo essa classificação, não tem nenhum problema. Mas, se a indústria pegar a sua receita e fizer na fábrica, embalar e congelar para que você possa comprar no supermercado, aí ele já se tornaria ultraprocessado. Ou seja, não tem muita lógica”, explica Dornellas.
A tributação seletiva com base no critério de grau de processamento afetaria diversos itens amplamente consumidos pelos brasileiros, como pães de forma, molhos de tomate, iogurtes, requeijão, biscoitos, sorvetes, cereais matinais, barrinhas de cereais, snacks diversos, bolos e misturas para bolos, geleias, hambúrgueres, margarina, empanados, pratos congelados, molhos — ketchup, maionese e mostarda — salsicha, paio, linguiça calabresa, entre outros. Na prática, um aumento na tributação desses produtos oneraria mais diretamente o consumidor, fazendo a comida chegar mais cara à mesa do brasileiro.
Presente ao evento que discutiu os impactos da reforma tributária na alimentação do brasileiro, realizado em 20 de junho, o coordenador do Grupo de Trabalho da Reforma Tributária da Câmara, deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), mostrou-se contrário à tributação seletiva para certos grupos de alimentos. “Nós estamos criando um imposto seletivo, um IVA majorado, para produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Não defendo em hipótese alguma para os alimentos”, afirmou.
Segundo o parlamentar, caso a reforma tributária tente promover o consumo de itens mais saudáveis, isso será feito por meio de incentivos, e não aumentando o preço dos demais produtos. “Se a gente tem que privilegiar alguns alimentos ‘mais naturais’, vamos fazer um cashback e devolver imposto nesse produto, mas nós não vamos condenar nenhum produto na cadeia da alimentação”, destacou.
Divulgado no dia 22 de junho pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator do GT da Câmara, o substitutivo da reforma tributária reconhece a relevância dos alimentos para a população brasileira. Pelo texto apresentado, os “alimentos destinados ao consumo humano” poderão ter a alíquota reduzida em 50%.
Na avaliação da Abia, é preciso reduzir a carga tributária para ampliar o acesso da população a todos os tipos de alimentos, e a alíquota a ser definida deve levar isso em consideração. “Diante do cenário de insegurança alimentar, não podemos aceitar o aumento de carga tributária sobre qualquer tipo de alimento. Uma vez que todos têm valor nutricional e fazem parte do prato da população brasileira, aumentar impostos sobre qualquer grupo de alimentos só faria aumentar o custo geral da comida no Brasil”, defende a associação.
O presidente da Abia reforça que é preciso olhar com carinho para o valor do alimento na vida das pessoas. “Todo alimento tem valor. Todo alimento tem valor nutricional, cultural e também social. Todo alimento é sagrado para nós. A reforma tributária é a melhor chance que o Brasil tem de fazer com que o alimento chegue mais barato à mesa de todos os brasileiros”, concluiu Dornellas.