Valdinei Ferreira *
Ao assumir o posto de presidente da República pela terceira vez, Lula encontrará um país bem diferente daquele que governou entre 2003 e 2010. Dos contrastes entre esses dois momentos da nossa história recente, o crescimento do número de brasileiros que se identificam como evangélicos, com o país encaminhando para confirmar as projeções que indicam que essa população será em número de indivíduos superior à população católica, é um dos mais significativos.
A participação inédita que representantes desse segmento alcançaram na política também assinala um contraste em relação aos primeiros governos Lula. Pessoalmente, vejo como grande desafio dos próximos governos engajar as igrejas na discussão e participação de políticas públicas e colaborar para que se afastem, pelo menos institucionalmente, da política partidária. Que a política partidária seja deixada à consciência de cada membro sem as perseguições que ocorreram na última eleição. Mas para que esse engajamento aflore, seria necessário ao novo governo uma escuta efetiva das demandas trazidas pela população evangélica. Abaixo apresento quatro pautas importantes para grande parte dos evangélicos. Para esse segmento, cada uma delas traduz expectativas. Para o próximo governo, elas constituem outros desafios.
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TEMAS GERAIS
Relação Igreja e Estado
Claramente o segmento evangélico quer ser ouvido pelo Estado, porém, sem que tenha que deixar fora dos debates das questões públicas sua visão de mundo fundamentada na fé. O teólogo croata Miroslav Volf defende uma reformulação da relação Estado e Igreja recusando o modelo de dominação religiosa e o modelo de laicismo que considera os argumentos religiosos como não válidos na arena pública. Segundo ele o modelo adequado seria o de uma imparcialidade do Estado que leva em conta tanto argumentos não religiosos quanto os argumentos religiosos. O critério para aceitar o argumento não seria sua origem, mas seu potencial de bem comum.
PublicidadeRelação da educação pública com a família
O grande nó é o tema da sexualidade em torno do dilema da autodeterminação cada vez mais cedo do indivíduo. Famílias evangélicas se sentem desconfortáveis com a abordagem do assunto pelas escolas, mas, por outro lado, sabe-se que a repressão familiar também causa males às crianças e adolescentes. Como conciliar a militância de grupos LGBTQIA+ com famílias evangélicas no espaço público? Penso que é preciso desarmar o potencial irracional contido nesse tema e explorado de modo tão forte nas duas últimas eleições. Um caminho que vislumbro para um possível acordo entre visões de mundo conflitantes estaria num pacto de combate ao abuso sexual.
TEMAS LOCAIS
Igrejas e projetos de cunho socioassistencial
São clássicas as iniciativas das igrejas evangélicas nessas áreas (creches, escolas, distribuição de cestas etc). Um dos grandes entraves dos projetos sociais são as questões burocráticas, uma vez que nem todas as igrejas contam com recursos para custear o pessoal de retaguarda que é sempre necessário para dar conta da burocracia. Muitos projetos acabam indo à falência e gerando passivo trabalhista para as igrejas por conta dessa limitação. Alguma coisa como o “simples” do projeto social seria muito bem-visto por parte das igrejas que sempre desejam se engajar nos projetos sociais.
Igrejas conectadas às redes públicas (SUS, CAPS,CRAS)
Mais do que complementar ou competir com o Estado, as igrejas pela sua capilaridade podem ser parceiras no fortalecimento das redes públicas de atendimento aos cidadãos. Uma política que integre as igrejas como parceiras, divulgadoras e apoiadoras desses serviços funciona melhor do que a criação de projetos complementares. Durante um bom tempo tivemos em nossa igreja uma clínica médica com atendimento gratuito, entretanto, depois que mudamos, com a ajuda de um médico especialista no serviço público e com o apoio de uma assistente social, para a encaminhamento do público aos serviços do território, tivemos melhores resultados e ampliamos o atendimento. Além disso, penso que as igrejas podem ser encorajadas aos envolvimentos com os diferentes Conselhos (Criança, Saúde etc).
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* Valdinei Ferreira é pastor titular da Primeira Igreja Presbiteriana Independente de São Paulo (Catedral Evangélica de São Paulo). Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), é professor na Faculdade de teologia da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil e no Seminário Servo de Cristo.
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