Antes de entrar na análise do impressionante encolhimento do PSDB, vale um comentário sobre a notável exibição de malabarismo político do ex-juiz Sergio Moro. Uma vez que já desistiu da carreira de magistrado, no dia em que desistir também da carreira política, Moro poderia tentar vender o número para o Cirque de Soleil.
Moro largou a magistratura para aderir em 2018 a Jair Bolsonaro e virar seu ministro da Justiça. Rompeu com o governo ao fazer então a mais grave denúncia contra Bolsonaro, de que ele pressionava para interferir nas investigações da Polícia Federal de modo a proteger seus filhos e seus amigos. Enfim, deixou claro que devia haver corrupção naquilo tudo e que Bolsonaro não queria que aquilo fosse apurado. Moro imaginava fazer da denúncia trampolim para virar candidato à Presidência. Largou o Podemos, foi para o União Brasil, que deu uma banana às suas pretensões presidenciais. Tentou ser candidato por São Paulo, não conseguiu porque, juiz, na avaliação da Justiça Eleitoral, estava fraudando informações sobre domicílio eleitoral. Voltou para o seu Paraná. Elegeu-se senador e retorna agora aos braços de Jair Bolsonaro, origem da sua carreira política. Não se conhece caso de caminho mais longo e tortuoso efetuado por alguém para voltar exatamente para o mesmo lugar.
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Mas, ainda que tenha escolhido o caminho mais longo, Moro agora é senador. Apesar do esforço desnecessário, algum sucesso no final ele teve. Mais impressionante mesmo é o rotundo fracasso do PSDB. O partido que já governou o país por oito anos dá nestas eleições um passo decidido rumo à sua irrelevância, ensaiando talvez passo mais adiante no caminho da sua extinção.
“No amanhã republicano, quem voa mais alto é o tucano”, diziam os versos do bonito samba que servia de jingle para a campanha de Mario Covas à Presidência em 1989. De fato, após o Plano Real e as duas eleições de Fernando Henrique Cardoso, o tucano voou alto. Até antes de 2018, foi o principal rival do PT nas disputas presidenciais. Governou por 28 anos São Paulo, o principal estado do país.
Na federação que formou com o Cidadania, o PSDB terá no ano que vem somente 18 deputados federais. No Senado, apenas quatro senadores. O partido disputa o segundo turno em três estados: Pernambuco, Rio Grande do Sul e Paraíba. E é somente isso.
O mais grave para o PSDB é perder o comando de São Paulo. Um abandono com notas e sabores constrangedores. Tucano neófito, o governador Rodrigo Garcia correu para dar apoio a Bolsonaro e ao candidato bolsonarista do Republicanos, Tarcísio de Freitas, ao governo de São Paulo.
Nacionalmente, o apoio de Rodrigo a Bolsonaro parece muito menos relevante do que a orientação de voto em Tarcísio em São Paulo, já que ali ele foi o terceiro lugar na disputa e ficou claro que o antipetismo paulista ainda é um fato a ser fortemente considerado. O problema para Rodrigo Garcia é que Tarcísio dispensou solenemente o seu apoio. Declarou que não precisava dele.
E Rodrigo Garcia ainda vê boa parte do seu partido e do seu governo abandonando-o na sua decisão. O partido desautoriza o apoio. O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deixou na manhã desta quarta-feira a Secretaria de Projetos e Ações Estratégicas do governo de São Paulo. Outros dois secretários pediram demissão também. A principal referência do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, declarou apoio a Lula.
Devagar, o voo alto prometido no jingle de Mario Covas vai virando voo de galinha. O partido que saiu do PMDB durante a Constituinte justamente por considerar que o partido guinava à direita dá essa guinada com Garcia agora, e aparentemente sem um maior ganho com isso. Talvez o grande problema do PSDB tenha de fato sido a pecha que desde o início lhe foi pespegada: um partido em cima do muro, que não se define nos momentos decisivos. Tem o consolo talvez de ver o MDB, de onde saiu, ir agora pelo mesmo caminho, ao liberar seus filiados no segundo turno. O muro pode parecer cômodo, mas traz os seus riscos…