Pregação contrária à política nas igrejas constrange pastores em encontro evangélico

Na última semana, em um evento que reuniu milhares de pessoas na Igreja Assembleia de Deus Ministério do Brás (Adbras), em Itapevi, o pastor David Owuor fez uma pregação que constrangeu parte dos pastores presentes. Em entonação forte, aos moldes das pregações avivadas pentecostais, David Owuor disse que a Igreja brasileira precisava se arrepender e se afastar da política. A fala viralizou nas redes sociais e gerou uma série de discussões nos perfis ligados ao universo evangélico.

O pastor referido, David Owuor, nasceu no Quênia e se radicou nos Estados Unidos, onde cursou medicina, antes de se dedicar integralmente à atividade missionária. Por suas falas e pregações consideradas premonitórias – sendo atribuído a ele a previsão de desastres naturais e até a pandemia de Covid-19 – David Owuor ganhou grande notoriedade no meio e é considerado por muitos evangélicos como um grande profeta. Sua trajetória não está ligada a uma denominação específica, sendo um dos pastores que têm legitimidade para pregar nas mais diferentes igrejas e denominações do universo pentecostal de vários países do mundo. Sua vinda ao Brasil estava ligada a um evento da Adbrás, em que pregaria por mais de um dia. No entanto, após sua fala no primeiro dia de evento da Igreja de Itapevi – uma das mais importantes do ministério do Brás –, sua participação no segundo dia do encontro foi cancelada.

Veja o momento em que o pastor critica o envolvimento da igreja com a política no Brasil:

O episódio escancara a condição e as discussões presentes entre as cúpulas evangélicas brasileiras, que enfrentam as consequências de tamanha relação com a política institucional nos últimos anos. Há um constrangimento e desconforto em relação ao tema, que é debatido ainda de forma extraoficial e de bastidores entre as cúpulas das denominações, e de forma muito mais explícita entre os fiéis.

Ainda revelador do “espírito do tempo”, a fala do pastor David Owuor também foi recortada e utilizada por pastores ligados à política conservadora das igrejas, em um trecho em que o pastor condena a homossexualidade. O espalhamento desse recorte tentou emplacar, por parte que defendem a postura dos políticos evangélicos, uma espécie de contraponto ao primeiro trecho. No entanto, o engajamento e compartilhamento do trecho em que a política foi criticada foi muito mais intenso. Sinal, também, do “espírito do tempo”.

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** Vinicius do Valle é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico e professor universitário, atuando na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e na Faculdade Santa Marcelina, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos. Realiza pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss).

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