Pois começo desta vez com uma pergunta aos meus cinco leitores que ainda gastam seu tempo com estas mal-traçadas: algum de vocês já deixou de votar porque esqueceu o título de eleitor em casa e não carregava algum documento de identidade? Lá no passado, e bota passado nisso, ainda havia alguma dificuldade de quem não sabia onde havia guardado o título, documento obrigatório pra votar. E era um tal de revirar pastas e caixas e malas velhas, vira daqui, mexe dali, revira acolá, uma poeira dos infernos, uma suadeira, até achar o dito cujo e erguê-lo em triunfo:
– Achei! Achei! Já posso votar! Urrah!
Depois, nem mesmo o título passou a ser exigido para o exercício do sagrado direito. A carteira de identidade ou qualquer documento com foto passou a resolver o problema. Até onde eu saiba, pouca gente sai de casa sem pelo menos um documento com foto. Principalmente num dia de eleição. Desde que saiba onde é a sua seção de votação, é fácil exercer o sagrado direito que nem político safado esconder dinheiro na cueca.
Encafifei. Não entendi. Embatuquei.
Daí porque me espantei quando vi nos horários mais nobres do rádio e da TV, além de veículos impressos, uma campanha milionária da Justiça eleitoral conclamando os cidadãos de Pindorama a se tornarem eleitores eletrônicos, enfiando por artes da cibernética o título de eleitor na tela do celular.
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Encafifei. Não entendi. Embatuquei. Consultei amigos, quiropatas, pais-de-santos, papagaios da sorte, tarólogos, astrólogos e a velha que lê a sorte na palma da mão. Ninguém soube me explicar porque diabos se gastou aquele caminhão de dinheiro com uma campanha que, ao fim e ao cabo, não vai servir pra rigorosamente nada, a não ser pra fazer escorrer pelo ralo das nossas vergonhas o dinheirinho que já anda tão raro nesta barulhenta Terra de Santa Cruz.
PublicidadeSim, temos obrigação de nos sintonizar com o futuro e entrar na era da informática. Sim, o país precisa se ligar nas novidades e usufruir dos benefícios da tecnologia. Sim, é fundamental que nos livremos da burocracia e das carradas de papel que diariamente nos sufocam e oprimem. Ninguém nega isso. Mas, me digam aqui, meus cinco leitores: será que serviu mesmo pra alguma coisa, seja lá que coisa seja, promover uma campanha publicitária daquela magnitude para promover uma inovação que vai causar um impacto ridículo no dia-a-dia dos eleitores de nossa sorridente Terra Papagalli?
Deputado não asfalta e senador não constrói
Tivesse a Justiça eleitoral o cuidado primário de procurar saber o que efetivamente está fazendo falta na informação levada ao eleitorado brasileiro, iria descobrir, por exemplo, que até hoje a maioria do povo não sabe o que faz um vereador, um deputado ou um senador. Ainda assim, até hoje não se viu uma campanha minimamente esclarecedora desse aspecto fundamental para a prática do voto consciente. Nas campanhas eleitorais, o que mais se vê é candidato a vereador prometendo que vai construir isso e asfaltar a estrada tal. Mas ninguém se lembra de dizer que vereador, deputado ou senador algum tem poder para asfaltar nada, nem construir coisa alguma. Igualmente, até hoje não se viu um segundo de informação veiculado no rádio ou na TV lembrando da importância da eleição para os parlamentos.
Neste exato momento, o país está paralisado e ainda atônito diante de um quadro em que um ex-presidente preso continua querendo ocupar o procênio da cena política apoiando tardiamente um candidato que vai comer muita poeira tentando se parecer com ele, embora não use barba. Enquanto isso um candidato, atacado a faca num ato de campanha em Juiz de Fora, se recupera num leito de hospital e o assunto não sai das rodas e dos bancos de praças há mais de uma semana.
Não tenho notícia concreta, mas aposto que, se você se virar para a pessoa aí ao lado e perguntar em quem ela vai votar, ela vai citar algum candidato a presidente. Ou dizer que está indecisa. A eleição para a presidência monopoliza de tal forma a atenção que, se você perguntar em quem vai votar pra deputado ou pra senador, seu interlocutor vai titubear e dificilmente vai dizer se já tem candidato a deputado ou a senador. Isto quando não consegue dizer sequer os nomes de alguns dos candidatos a governador de seu estado.
Parlamentares têm poder pra caramba!
Se a gente considerar a importância dos deputados e senadores, vai perceber que foram eles que depuseram outro dia uma presidente da República e viraram o país de cabeça pra baixo. Igualmente foram eles que mandaram embora um ex-presidente da Câmara, um certo Eduardo Cunha, que hoje paga um merecido xilindró por falcatruas cometidas no exercício do mandato. Foram eles, os deputados e senadores, que aprovaram a reforma trabalhista, e não o presidente da República, que apenas enviou o projeto ao Congresso. Da mesma forma que foram eles que não votaram a reforma da Previdência, enviada pelo mesmo presidente da República. Ou seja: deputados e senadores têm poder pra burro, gente! Mas o voto nas eleições parlamentares é considerado como de menor importância.
Ou seja: o brasileiro médio mal sabe o que faz o seu representante municipal, estadual ou federal. No vale-tudo eleitoral, fica ao sabor das fake news e da prosa molhada na cachacinha dos botecos. O voto é cada vez mais um ato despido de reflexão, pesquisa, convicção, certeza. Está se tornando a cada eleição um gesto de protesto, de muito obrigado ou, apenas, de simpatia pessoal.
O que falta mesmo? É simancol, é?
A natureza do voto, sua importância, o funcionamento dos poderes no regime democrático, o formato da eleição, o voto em dois turnos, o que significa voto proporcional, as obrigações dos eleitos em relação aos que o elegeram, a fiscalização do uso das verbas públicas pelos parlamentos, nada disso é passado ao eleitor pelo rádio, pela TV ou lá por onde for. E isso deveria ser uma obrigação primária da Justiça eleitoral. Enquanto isso, o TSE despeja até transbordar na urna do desperdício o suado dinheirinho da patuleia numa campanha que não leva a coisa nenhuma. Quando bastava apenas lembrar ao eleitor que, no dia da eleição, ele só precisa mesmo é saber onde fica sua seção de votação. E que, pra votar, precisa levar um documento de identificação com foto. Claro, se ele quiser, pode enfiar o tal do título dentro do celular, se achar que é muuuuuuuuito importante essa providência. Eu, por exemplo, não fiz, não achei necessário e, até que me convençam do contrário, não vou perder tempo com isso. Minha carteira de identidade resolve.
Por tudo quanto é sagrado, me respondam: o que é mesmo que está faltando em Vera Cruz? Bom senso, simancol, desconfiômetro ou um bocadinho mais de cuidado com os bilhões em impostos do salário suado do Zé da padaria?