Manuela Löwenthal *
O levantamento mais recente realizado pelo Ipec aponta um avanço nas intenções de voto para Lula, enquanto Bolsonaro se mantém estável. Tal estabilidade evidentemente diz respeito ao público fiel de Bolsonaro, aquele que “não arreda o pé” independentemente do que Bolsonaro faça ou fale. Essa parcela do eleitorado representa os dogmáticos, inflexíveis, radicais e extremistas da população. É um seleto grupo de pessoas que insiste em ignorar o caótico cenário econômico e o desastre no enfrentamento à Covid-19, desconsiderando que estes eventos têm relação direta com Bolsonaro, embora ele seja o chefe de Estado.
Porém, há uma grande parcela da população que se arrependeu de votar em Bolsonaro, o que fica explícito se compararmos as pesquisas de opinião das últimas eleições e das eleições de 2022. Mas qual é o perfil de pessoas que estão migrando seu voto de Bolsonaro para Lula?
Se em 2018 quase 70% dos evangélicos votaram em Bolsonaro, contribuindo para sua eleição, nas eleições de 2022 pesquisas apontam que parte das mulheres evangélicas está migrando votos para Lula, sugerindo que novamente esse setor religioso poderá ser decisivo para o resultado final da eleição, desta vez para a derrota de Bolsonaro. Mas quais os motivos dessa mudança no voto?
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Existem alguns fatores que modificaram o cenário observado em 2018, dentre eles podemos listar duas pautas principais: a pauta econômica e a pauta existencial.
Sobre a pauta econômica, podemos considerar que a maior parte dos evangélicos vem das camadas pobres da população, em sua maioria composta por mulheres negras com baixa escolaridade. Essa parcela da população foi a mais afetada pela crise econômica e a que mais sentiu as consequências da Covid-19. Isso fez com muitas pessoas repensassem o seu voto para reeleger Bolsonaro.
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A segunda pauta diz respeito às questões de ordem não material. Para a população evangélica, e principalmente para as mulheres evangélicas, a conduta moral e ética possui grande relevância. Ao longo desses quatro anos a postura de Bolsonaro se mostrou não condizente com o comportamento de um evangélico ideal: Bolsonaro fala palavrões, desrespeita a vida (como testemunha sua negligência com a pandemia), não respeita o seu “lugar” e não honra a sua posição de presidente. Além disso, Bolsonaro constantemente desrepeitou e ofendeu mulheres em público, o que pode ter sido um dos fatores que o levou a perder o apoio das eleitoras, independentemente da religião delas. Muitas dessas mulheres sofrem ou sofreram violência doméstica, e provavelmente não querem um presidente que represente este tipo de comportamento.
Outro fator que aparece como relevante entre as mulheres evangélicas é o fato de que o bolsonarismo trouxe discórdia e polarização para o espaço das igrejas. É cada vez mais comum entre evangélicos o cansaço e desconforto pelo excesso de política nas igrejas. Muitos acreditam que isso deturpou o Evangelho.
É também importante considerar que há no imaginário popular uma memória afetiva do ex-presidente Lula, a qual contribui diretamente para que, diante da decepção com Bolsonaro, a lembrança do período em que Lula foi presidente viesse à tona, em um movimento de reelaboração, reconstituição e reavaliação do recente período que o Brasil passou comparado ao período em que o Partido dos Trabalhadores estave no poder.
Essas seriam algumas das razões pelas quais uma parcela da população evangélica, composta sobretudo por mulheres, passou a migrar seu voto para Lula.
Esta última semana antes do 2 de outubro será bastante decisiva para avaliarmos a magnitude dessa mudança. Os indecisos, ou melhor, as indecisas representam um grupo extremamente potente e relevante para determinar o resultado final da eleição para presidente no Brasil. (Segundo levantamento Genial/Quaest, “mais da metade dos indecisos é de mulher, de baixa renda, mora na região Sudeste e votou em Bolsonaro em 2018”. Portanto, se a tendência de migração do voto evangélico de Bolsonaro para Lula se intensificar nos próximos dias, é provável que muitas das indecisas incluídas nesse segmento religioso optem pelo voto em Lula.
Um fator determinante para a escolha final do voto indeciso de mulheres evangélicas refere-se principalmente a questões referentes à família, não exclusivamente no sentido moral, como alguns podem pensar, mas também no sentido de segurança familiar: muitas dessas mulheres querem alguém que cuide da única coisa que possuem, os seus filhos. E isso tem muito mais a ver com adoção de políticas públicas do que com agenda moral anti-gênero.
Para o eleitorado evangélico as pautas morais são tão importantes quanto as pautas econômicas. O candidato vencedor entre evangélicos será aquele que melhor conseguir validar seu compromisso em atender às necessidades de ordem existencial — afinal, não é mais possível fazer política no Brasil sem considerar a população evangélica e sem respeitar suas crenças —, e ao mesmo também as de ordem materiais, aquelas que poderão proporcionar às famílias acolhimento e segurança.
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Manuela Löwenthal é doutoranda em Ciências Sociais pela Unifesp, pesquisa temas vinculados à Religião e Política no Brasil. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (2012), onde também obteve o título de mestre. É pesquisadora do projeto Temático “Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo”, financiado pela Fapesp. Atua também como professora de Sociologia na rede estadual paulista.
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