Para o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, o sistema político e partidário do Brasil “virou água” e precisa ser reinventado urgentemente para que o país possa retomar o caminho do desenvolvimento. Desfiliado do MDB desde o último dia 7, Hartung entende que os partidos de centro, como o próprio MDB e o PSDB, perderam relevância e, para não sumirem, têm de refletir e fazer autocrítica para compreender por que foram rejeitados nas urnas em 2018.
O centro foi o campo político mais afetado nas eleições do Congresso este ano. Dono da maior bancada em várias legislaturas, o MDB elegeu 34 deputados e terá a quarta maior representação na Casa (atrás de PT, PSL e PP). Já o PSDB, com 29 deputados, será apenas a nona em tamanho. Em compensação, a direita cresceu e vai ocupar mais da metade das cadeiras na Câmara.
Em busca de respostas para a perda de espaço, Hartung tem se reunido com outras lideranças, como o senador Tasso Jereissati (CE), ex-presidente do PSDB. O objetivo deles, segundo o ex-emedebista, não é criar um novo partido, ao contrário do que foi noticiado, mas procurar alternativas para a criação de novas lideranças políticas no país.
Fora de partido
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A menos de dois meses de concluir seu terceiro mandato de governador, Hartung desistiu de concorrer à reeleição e diz não querer mais saber da política partidária. Quando deixar o cargo, além de voltar para a iniciativa privada, pretende participar de dois movimentos: um de renovação de lideranças políticas, o RenovaBR, e outro voltado para a melhoria da educação básica, o Todos pela Educação.
Na visão do governador, o processo de desorganização do quadro partidário acumula mais de três décadas no Brasil, mas tem se agravado ano a ano. “Já temos uma legislação eleitoral ruim, com voto proporcional, coligações na eleição proporcional, uma estrutura caótica, regras eleitorais e ambiente tóxico para chegar a esse ponto, uma eleição que não discute o Brasil”, considera.
PublicidadeVazio de propostas
Hartung avalia que a situação piorou na eleição de 2014, com a falta de apresentação de propostas para o país durante as eleições. Já este ano, ressalta, o cenário se agravou por uma série de fatores internos e externos. “Um prometeu botijão de gás subsidiado de um lado; o outro 13º para o Bolsa Família. Enquanto isso o Brasil está produzindo déficit fiscal de R$ 150 bilhões, com crescimento medíocre e 12 milhões de desempregados”, critica, em alusão aos candidatos que chegaram ao segundo, Fernando Haddad, e Jair Bolsonaro (PSL), presidente eleito.
Parte do problema, segundo Hartung, está na crise da democracia representativa e não se restringe ao Brasil. “Há uma certa deslegitimização das instituições políticas mundo afora. Tem um elemento novo que precisa ser pensado que é a presença de novas tecnologias, impactando a vida humana, a forma de consumir e produzir, a forma de viver, tudo isso interfere na política. As instituições não conseguiram contemplar essa nova sociabilidade que está aí”, afirma.
Mal-estar
O cenário no Brasil, de acordo com o governador capixaba, reúne outros elementos complicadores. “O quadro brasileiro é muito mais grave, porque juntou a isso o descaminho em que o país entrou, a política econômica que levou o Brasil a andar para trás. Se antes tinha três pessoas trabalhando em uma casa, agora só tem uma. Temos renda e emprego em queda. Um mal-estar horroroso”, considera.
“Do Plano Real em diante as famílias tiveram uma melhora de vida. Foram tendo acesso a bens e serviços. De um dia para o outro, começa a perder o que ganhou. Juntam-se aí os problemas da democracia no mundo com os de carne e osso do brasileiro, piorando de vida. Liga a TV é escândalo de corrupção um atrás do outro. Isso de certa forma produziu esse processo eleitoral. Não é uma coisa só, são vários elementos que levaram a eleição para esse caminho”, acrescenta.
Para ele, o ataque a Bolsonaro em Juiz de Fora também pesou na eleição do capitão reformado do Exército. “A partir daquele momento a campanha dele ganhou mais força. Mas vínhamos num ambiente muito ruim, muito propício para a demagogia e o populismo”, avalia.
Embora o clima de instabilidade persista, o momento é propício para o país rever o seu sistema político e eleitoral, considera Hartung. “Os partidos e o sistema eleitoral têm de se reinventar. Os dois fizeram água há algum tempo. Só que nos últimos anos isso se agravou de maneira dramática. Estamos num momento bom para o quadro partidário ser repensado, para a gente ver um modelo eleitoral adequado para o país, que aproxime a representação política da sociedade, que diminua o custo das campanhas e para que elas sejam mais programáticas”, defende.
Policiais e contas públicas
Em fevereiro do ano passado Hartung viveu o momento mais crítico das suas três gestões à frente do Espírito Santo. A paralisação da Polícia Militar por 21 dias levou o caos às cidades capixabas. Em um único dia, segundo o sindicato dos policiais civis, foram registradas 43 mortes. Foram mais de 200 ao longe de toda a greve, de acordo com dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social. Os policiais reivindicam a correção da remuneração pela inflação do período junto com o retroativo referente a 2010.
Mesmo sem disputar a reeleição, Hartung viu alguns de seus aliados serem derrotados em 2018. Seus três vice-governadores – Lelo Coimbra (MDB), Ricardo Ferraço (PSDB) e Cesar Colnago (PSDB) – não conseguiram mandato na Câmara nem no Senado. Também viu a volta ao poder do ex-governador Renato Casagrande (PSB), a quem havia derrotado em 2014.
Entre os aliados do governador que se elegeram está o senador Fábio Contarato (Rede-ES), que foi corregedor-geral do estado na gestão de Hartung. O governador capixaba diz que chegou a hora de parar. “Estou fechando bem o meu mandato, com as contas em dia. O MEC distribuiu as notas de português e matemática do ensino médio, e o Espírito Santo está em primeiro lugar, sinais bons nas políticas públicas, sinal bom na organização financeira do estado. O Espírito Santo é um diferencial. É uma boa hora para virar a página de um ciclo, uma vida”, afirma.