Códigos eleitorais são instrumentos essenciais para as democracias representativas. Eles são um conjunto de leis e regulações que regem as eleições de um país, buscando garantir que elas aconteçam de forma confiável, transparente e participativa. São eles que determinam qual o tipo de sistema eleitoral vigente e como ele funciona, quais são as formas do financiamento de campanhas, quais os organismos responsáveis por organizar, conduzir e fiscalizar as eleições.
Porém, para que estejam sempre adequados ao presente, eles precisam ser constantemente atualizados, para que respondam às mudanças políticas e aprimorem processos que não correram da melhor forma nas eleições anteriores. Assim, as reformas dos códigos eleitorais, historicamente, são apresentadas como formas de corrigir erros e distorções em nosso sistema político.
Esse intuito fica muito claro se nos remontamos à década de 1930, quando foi instituído o Código Eleitoral de 1932. Lembremos que durante a Primeira República o principal problema político relativo às eleições eram as fraudes e o chamado “voto de cabresto”. Em outras palavras, quem votava não tinha nenhuma garantia que seu voto seria computado efetivamente e quem estava sob alguma influência política acabava sendo coagido a votar em quem tinha poder para fazê-lo. Além da baixíssima confiança no processo eleitoral, a participação eleitoral era também extremamente baixa, uma vez que metade da população, as mulheres, não podiam votar e o voto não era obrigatório.
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O Código Eleitoral de 1932 aparece então como um instrumento para corrigir essas distorções estruturais e instituir de vez um sistema verdadeiramente representativo. É a partir de sua instituição que é criada a Justiça Eleitoral e são instituídos o voto secreto, o voto feminino e o voto obrigatório. Porém, apesar de ser um importante marco político, o Código de 1932 não é suficiente para garantir um sistema eleitoral efetivamente democrático.
Dando um salto histórico, e passando por um breve período democrático entre dois períodos ditatoriais, chegamos ao Código de 1965. É importante destacar que esse código, que é vigente até hoje, foi implementado durante um regime ditatorial. Portanto, para se adequar ao regime democrático, foi preciso inúmeros aprimoramentos.
Com as devidas alterações, esse código passou a aprofundar importantes mudanças na política eleitoral instituídas em 1932, tal qual o fortalecimento da autonomia da Justiça Eleitoral, a criação da urna eletrônica, as regras sobre propagandas e financiamento eleitorais, e a reintrodução do pluripartidarismo, que havia sido reduzido ao bipartidarismo no período da ditadura militar.
A partir dos anos 2000, as inúmeras mudanças sociais e políticas impõem novas discussões e alterações ao código eleitoral em voga. Para citar algumas mais recentes, estão a mudança no financiamento de campanhas, o advento das fake news, e o problema da sub-representação política e do sub-financiamento de grupos minoritários e minorizados. Essas questões nos mostram que a busca por um sistema eleitoral mais justo e democrático é um processo contínuo que envolve alterações e adaptações dos códigos eleitorais.
No entanto, é preciso lembrar que nem toda a mudança caminha no sentido de democratizar o sistema eleitoral. Desde 2021, circula nas casas legislativas uma proposta de um Novo Código Eleitoral, o PLP 112/2021. Sua votação iminente no Senado Federal vem levantando questões importantes sobre a importância das leis eleitorais para a promoção da democracia, a existência (ou não) de debate público em sua formulação e a necessária conexão com a sociedade civil sobre o tema para se pensar nosso sistema representativo.
O texto a ser votado pelo Senado apresenta diversos problemas que instituem um perigo real de retrocessos para a democracia, principalmente no que diz respeito às leis de ações afirmativas na política. Um exemplo é o uso do termo “sexo”, ao invés de “gênero”, no texto legislativo, excluindo parte da população LGBT, que já é uma das mais sub-representadas hoje na política. Até mesmo as leis de cotas de candidaturas, que têm como objetivo aumentar a representação de mulheres na política, foram colocadas sob ameaça. Tudo isso, sem um diálogo sério e respeito com a sociedade civil e com as organizações e movimentos que atuam na defesa dos direitos das populações em questão.
É evidente que alterações no código eleitoral são necessárias para atualizá-lo às demandas de cada momento histórico. No entanto, essas mudanças precisam ter objetivos claros e eficientes em direção ao fortalecimento da democracia, o que não pode acontecer sem a devida participação de todos os setores da população e sem a busca por uma representação justa e proporcional aos grupos sociais.
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