A ideia em um segundo O federalismo é constitutivo do Brasil. União, estados e municípios devem atuar de forma autônoma e interdependente na construção de políticas públicas. O governo Bolsonaro, até o momento, negligenciou negociações sobre a construção de sistemas de políticas públicas nacionais. Estabeleceu-se um clima hostil entre o presidente, de um lado, e governadores e prefeitos, de outro. Esses são responsabilizados por ele pelos efeitos negativos do isolamento social e também pelo aumento dos preços dos combustíveis. Retomar as negociações do pacto federativo de forma responsável e respeitosa deve ser prioridade a partir de outubro. |
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A versão tupiniquim da guerra cultural lançada pelos conservadores norte-americanos até pode decidir as eleições de outubro. Contudo, o enfrentamento de problemas cruciais para o bem comum, como o aumento da fome e da população de rua, a estagnação econômica, o subfinanciamento da educação e da saúde, o desmonte da fiscalização ambiental e a proteção dos povos da floresta, passam por decisões que precisam ser discutidas no processo eleitoral. Assim, trazemos hoje ao leitor um tema tão maltratado quanto esquecido nos últimos anos, o federalismo brasileiro.
Conforme colocam Abrúcio, Franzese e Sano, desde o final dos anos 1970, reforçado pela Constituição Federal de 88, o federalismo passou a agregar forças pela democratização, descentralização e ampliação das políticas sociais. E ao mesmo tempo que agregava forças, era também estratégia de formulação e implementação de políticas públicas.
Federalismo no Brasil
O federalismo é a forma de divisão política e administrativa de uma entidade política, em contraste com o Estado unitário. No caso brasileiro, trata-se da atuação autônoma, mas interdependente, de União, estados e municípios.
A necessidade do federalismo impõe-se a países extensos, responde a questões culturais como colonização e cultura diversas e relaciona-se com diferentes tipos de elites políticas locais.
O Brasil oscilou entre períodos de concentração política, como no Império e no Estado Novo de Vargas, quando o poder central controlava os poderes locais, e o federalismo em vários graus: extremado na República Velha, moderado na República de 46. Com a ditadura militar, o processo político autoritário mesclou-se à necessidade de implantação de políticas públicas num país mais complexo, daí a centralização não tão excessiva. Já com a democratização, como citado acima, os ideais de democratização, poder local e avanços sociais vislumbraram no federalismo uma alternativa e um projeto.
Assim, desde 1988, o Brasil tem buscado avançar na complexa estruturação de políticas públicas em que os poderes locais, regionais e central cooperam por vontade e benefício próprio.
Pacto federativo em banho-maria
O governo Bolsonaro, já o dissemos aqui, iniciou 2019 com um projeto de desconstrução do modelo da Constituição de 88.
Em um primeiro plano, constituiu-se uma aversão da atual administração em levar adiante o aprofundamento das políticas públicas de modo geral. Não se viu, por exemplo, incentivos ou aprofundamento dos consórcios entre entes federados, os quais atuam bastante em áreas como saúde, educação, meio ambiente, transportes etc.
Da mesma forma, os grandes sistemas federativos para a saúde, assistência social, educação e segurança pública também não sofreram incrementos e melhorias. O SUS é um exemplo de coordenação e interdependência entre os entes federados, baseado em hierarquização e regionalização dos serviços. O SUAS tentou seguir linha semelhante. Já na educação, o Fundef e depois o Fundeb organizaram todos os entes federados em torno dos objetivos de financiar a educação em níveis adequados – e prescritos pela CF – e também dividir atribuições de forma lógica.
Constituição sabotada
Contudo, uma dimensão política eleitoral tomou conta da questão federativa tão logo a pandemia surgiu e agora recrudesce com a estagflação econômica.
Bolsonaro, diante do surgimento da pandemia de covid-19 em 2020, colocou-se de imediato contra as medidas de isolamento social.
Diante dos inconvenientes e principalmente dos prejuízos econômicos decorrentes, passou a acusar prefeitos e principalmente governadores pela paralisação das atividades econômicas.
Em termos de apoio político, a manobra feita na pandemia parece ter rendido alguns frutos ao presidente da República, pois pesquisas chegaram a apontar que, para parte da população, prefeitos e governadores carregavam a culpa pelos prejuízos do isolamento social.
Agora, com a elevação do preço dos combustíveis e da inflação em geral, Bolsonaro insiste no discurso que a culpa é dos governadores, no caso, devido ao ICMS estadual. Há vários meses o presidente da República ataca seu duplo alvo: a Petrobras e os governadores.
Os custos tributários compõem o preço final dos combustíveis, mas o aumento de fato não se deve aos impostos. As alíquotas do ICMS são ad valorem, elas são uma porcentagem que incide sobre os custos do combustível. Assim, o que faz o preço aumentar são os custos que variam, e o ICMS não varia.
Nosso pacto federativo, por um lado, foi abandonado na medida em que o governo Bolsonaro optou por não avançar com os planos e projetos da CF 88. Por outro, governadores e prefeitos agredidos e o presidente desinteressado não permitem o estabelecimento de um diálogo útil e produtivo.
Venha o que vier das eleições de outubro, não haverá melhoria significativa das políticas públicas e das condições de vida da população sobre as quais elas atuam se não houver uma retomada das políticas públicas estruturantes. A federação nos constitui e é inescapável. É preciso reconstruir de forma responsável e respeitosa o pacto federativo.
Termômetro
CHAPA QUENTE | GELADEIRA |
Os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, demonstraram força nesta semana com a aprovação de parte do pacote dos combustíveis. O Congresso concluiu a votação do PLP 18/2022, que define teto para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado de combustíveis, energia, gás natural, comunicações e transportes coletivos. O Senado ainda aprovou, em dois turnos, a chamada PEC do Biocombustível, que garante uma diferença tributária entre combustíveis fósseis e os biocombustíveis. Falta começar a análise da PEC que autoriza estados a zerarem o ICMS que incide sobre o óleo diesel e o gás de cozinha em troca de compensação financeira da União. | O presidente Jair Bolsonaro deu um show de falta de empatia e procurou fugir de qualquer responsabilidade pelas mortes do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, assassinados barbaramente na Amazônia. Responsável pelo desmantelamento da política ambiental do país e por discursos pró-garimpeiros e de invasão a terras indígenas, Bolsonaro culpou as próprias vítimas pelo destino cruel que tiveram. “Esse inglês era malvisto na região porque ele fazia muita matéria contra garimpeiro, questão ambiental. Aquela região lá, região bastante isolada, muita gente não gostava dele. Tinha que ter mais do que redobrado a atenção para consigo próprio. E resolveu fazer uma excursão”, disse. |