O que os eleitores esperam do próximo presidente da República? Há sintonia entre os temas que o cidadão gostaria de ver discutidos e os que acabaram escolhidos pelos candidatos na disputa eleitoral? Durante o período da campanha, o Congresso em Foco tentou estabelecer com seus leitores um diálogo no sentido de construir uma plataforma, uma agenda de compromisso, com a qual qualquer candidato, independentemente da sua colaração ideológica, poderia se comprometer.
A partir de um texto inicial, proposto pelo jornalista José Carlos Salvagni, iniciou-se a discussão. Usou-se uma ferramenta na rede de computadores, a Etherpad, que permite que um texto possa ser elaborado e discutido ao mesmo tempo por vários usuários. Ao se cadastrar para usar a ferramenta, cada usuário ganha uma cor diferente, que o identificará em todas as suas intervenções. Os trechos que aquele usuário acrescentar ou excluir do texto ficam marcados com a sua cor. Ao final, juntam-se todas as intervenções, adequa-se o texto para lhe dar sentido e chega-se ao resultado final de um trabalho coletivo.
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Na campanha, o tema da corrupção pública só serviu para que um candidato atacasse o outro nos debates. Pela experiência realizada no Congresso em Foco, verificou-se que o cuidado com o dinheiro público é ainda um dos temas que mais preocupam o cidadão. A maior parte do texto relaciona-se a compromissos que os candidatos deveriam assumir com a boa gestão e a transparência na administração pública.
O texto final elaborado pelos leitores do site foi enviado por e-mail aos dois candidatos que disputam o segundo turno das eleições presidenciais, Dilma Rousseff, do PT, e José Serra, do PSDB. A assessoria de Dilma ainda trocou uma série de e-mails com o site, perguntando se ela poderia comentar as propostas ou somente aderir ou não a elas. Foi respondido que, sim, Dilma poderia ficar à vontade para fazer os comentários que quisesse. A assessoria tornou dizendo que não sabia se a candidata teria ou não condições de responder, diante da atribulada agenda de campanha. De Serra, o Congresso em Foco não obteve qualquer resposta.
Falta de sintonia
A iniciativa foi uma primeira experiência. Mas a falta de resposta dos candidatos não surpreende o cientista político José Luciano Dias. “Há hoje uma distância muito grande entre o que a elite política acha que é relevante o que a sociedade de fato julga como importante”, avalia Luciano. O cientista político lembra que desde 2002 as pesquisas apontam a saúde como um dos temas de maior preocupação dos cidadãos. “E, com exceção de algumas ideias esparsas, o tema passa longe do debate entre os candidatos”, observa José Luciano Dias.
Mais grave é a questão da gestão pública e do combate à corrupção, segundo Luciano. Foco principal do texto elaborado pelos internautas no Congresso em Foco, o respeito ao dinheiro público já foi definidor de várias eleições no país, inclusive a de 2002, que elegeu Lula presidente da República. “Agora, também teve função fundamental. O caso Erenice Guerra foi um dos fatores que levaram a eleição para o segundo turno”, lembra Luciano. O problema é que, no segundo turno, o tema só entrou na campanha de forma negativa, para que um candidato atacasse o outro. Propostas relacionadas à transparência pública não foram assumidas pelos candidatos.
“E como eles poderiam assumir?”, pergunta José Luciano Dias. “Se José Serra não consegue explicar o que Paulo Preto fez na diretoria do Departamento de Engenharia de São Paulo (Dersa) ou a história da licitação combinada no metrô e Dilma não tem como desvencilhar-se das irregularidades cometidas por Erenice Guerra na Casa Civil, como eles poderiam fazer propostas positivas de combate à corrupção?”, continua.
Para o cientista político, essa falta de sintonia entre os anseios da população e o discurso de seus políticos poderá fazer com que, no futuro, o PT e o PSDB acabem perdendo o controle que hoje têm da disputa política (por oito anos, Fernando Henrique Cardoso, do PSDB, foi presidente tendo o PT como principal partido de oposição; nos oito anos seguintes, Lula, do PT, foi presidente, e a oposição foi exercida pelo PSDB). Um sinal claro disso, para Luciano, foram os 20 milhões de votos dados no primeiro turno em Marina Silva, do PV. “Na hora em que o eleitor encontre um nome competitivo que se afine realmente à sua agenda de preocupações, esse monopólio do PSDB e do PT no poder acaba”, aposta Luciano.
Leia abaixo a íntegra da proposta enviada aos dois candidatos à Presidência no segundo turno:
Proposta aos candidatos à Presidência da República por BOA GESTÃO PÚBLICA
A presente proposta resultou de discussão sobre Boa Gestão Pública, realizada ao longo da campanha eleitoral no site Congresso em Foco, com expectativa de que os candidatos à Presidência da República dela tomem conhecimento e – melhor ainda – a subscrevam.
1) Coordenação da Federação brasileira
Que o governo federal assuma plenamente o papel de coordenador da Federação brasileira (União, estados e municípios), zelando pelo respeito aos direitos dos cidadãos, pela efetiva segurança da população – em amplo sentido -, pela moralidade e pela boa gestão pública.
2) Compromissos de ação geral contra a corrupção, a má gestão e o desperdício
a) Anunciar no ato de posse – com três meses de prazo para concluir – levantamento das situações nacionais e locais de corrupção, desperdício e má gestão de dinheiro ou pessoal, e atacar em seguida os desvios encontrados.
b) Fazer cumprir o teto salarial do funcionalismo público, eliminando os supersalários e as superaposentadorias (nenhum servidor da ativa ou inativo pode receber mais que um ministro do Supremo Tribunal Federal).
c) Combater o apadrinhamento e o nepotismo.
d) Reduzir a quantidade de cargos e vagas em comissão na União, nos estados e municípios, com divulgação semestral de contratações e respectivos salários no Portal da Transparência, mantido pela Controladoria-Geral da República (CGU).
e) Punir com rigor o uso de recursos públicos para fins privados, como campanhas partidárias.
f) Criar o Programa Nacional de Transparência de Informações Públicas, ao qual será dado poder para cobrar e publicar dados de qualquer órgão público que não sejam protegidos por normas constitucionais ou legais de proteção à privacidade.
g) Garantir ao conjunto da população o acesso às informações do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi), tornando mais simples e fácil o seu manuseio.
3) Compromissos de gestão de grandes obras, como as destinadas à Copa, às Olimpíadas e à exploração do pré-sal
a) Zelar por completa transparência nessas obras e serviços, impedindo que a pressa atropele normas e controles ou venha a ser usada como pretexto para contratações emergenciais, sem licitação, em razão de atrasos de cronograma.
b) Fortalecer os órgãos de acompanhamento e controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), e formar grupos da sociedade civil para monitorar e corrigir desvios com rapidez.
4) Respeito à independência dos poderes
a) Apoiar o Poder Legislativo em todas as iniciativas que lhe permitam cumprir plenamente o seu papel, inclusive contribuindo para resgatar o seu papel fiscalizador, por meio do fornecimento regular de informações solicitadas e do respeito ao trabalho das comissões parlamentares de inquérito (CPIs).
b) Garantir ao Poder Judiciário condições plenas para exercer suas funções, respeitando sua autonomia, nos termos da ordem constitucional em vigor, e possibilitando a ampliação do acesso das parcelas mais pobres da população à justiça.
5) Saúde, educação e segurança da população
Adotar as providências necessárias de boa gestão pública para perseguir:
a) a erradicação do analfabetismo, o fortalecimento do ensino público e a educação de qualidade, sobretudo no nível fundamental.
b) a implantação definitiva do Sistema Único de Saúde, corrigindo seus vícios e omissões.
c) a integração de todos os órgãos de segurança pública, de modo a assegurar avanços significativos no combate à violência e à criminalidade.
d) a reforma e transformação do sistema prisional.
e) o respeito aos direitos humanos.
f) o funcionamento de um banco de dados nacional integrado, tecnologicamente aparelhado e constantemente atualizado, que permita aos agentes públicos e a toda a sociedade acompanhar as estatísticas referentes à situação da criminalidade em todos os estados.
TERMO DE COMPROMISSO:
Eu ________________________________, candidato(a) à Presidência da República nas eleições de 2010, recebo essa Proposta pela BOA GESTÃO PÚBLICA, comprometendo-me a estudar e a executar o proposto, de acordo com o que dispõem a Constituição e a Lei, e as boas práticas de Governo Democrático.
Data: ——————————————–
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