Wilmar Lacerda*
Ao olhar o mapa de votação no Distrito Federal para presidente da República em primeiro turno, fiquei impressionado e intrigado.
Ao contrário do que ocorreu em outras unidades da Federação, nas quais os percentuais de votos em Lula e Bolsonaro variaram conforme os estratos de renda e as desigualdades geográficas, no DF esses percentuais praticamente não mudaram.
Por exemplo, no Lago Sul, localidade mais rica de Brasília, Lula recebeu percentual de votos praticamente idêntico ao obtido em Planaltina, cidade satélite onde predomina população de renda baixa.
Assim, o voto bolsonarista distribuiu-se de maneira bastante uniforme, independentemente da renda (alta, média e baixa) ou escolaridade (superior, média, fundamental). As diferenças não foram significativas. É a primeira vez que isso ocorre na história eleitoral do DF.
Não é fácil explicar essa singularidade sociológica do Distrito Federal, mas há pistas e hipóteses consistentes.
No que tange aos estratos mais altos de renda, a explicação é óbvia. Os eleitores desses estratos votaram conforme seus interesses de classe, como aconteceu em todo o país.
Já em relação aos estratos médios, há de se levar em consideração o fato de que, no DF, há uma proporção elevada de militares, policiais militares, policiais federais, procuradores, etc, o que tende a acentuar seu caráter conservador.
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PublicidadeEm relação aos estratos mais baixos de renda, me parece que há dois grandes fatores que podem explicar o predomínio do voto conservador.
O primeiro diz respeito à grande influência das igrejas neopentecostais sobre essa população. Elas influenciam fortemente os mais pobres. De certa forma, determinam sua visão de mundo. É realmente impressionante!
Nessas camadas de baixa renda de Brasília, a análise do resultado de uma gestão inconsequente ou a discussão de propostas para melhorar o futuro das pessoas ou do país têm escassa repercussão. Debates sobre economia, meio ambiente, saúde, educação, ciência e tecnologia são solenemente ignorados na escolha.
O que importa, para eles, é uma visão de mundo baseada em valores extremamente conservadores e retrógrados, uma cultura de pensamento que enxerga tudo o que é de esquerda como algo perverso, que corrompe a família, os valores “cristãos” e a pátria.
É nesse quadro que surge a mitologia da “ideologia de gênero”, da “promoção do homossexualismo nas escolas”, da “pedofilia educacional”, da “mamadeira de pênis”, da “promoção das drogas”, do “incentivo ao aborto” e de toda uma longa série de desvarios ideológicos.
Ademais, essa cultura evangélica extremada promove também, como já havia destacado Max Weber, valores associados ao capitalismo, como o individualismo, a meritocracia, o sucesso econômico, o antiestatismo, etc. Nesse contexto, políticas estatais de interesse coletivo, como as desenvolvidas nos governos do PT, não são muito bem vistas.
O segundo fator se relaciona à história política de Brasília. Aqui, mesmo antes da influência das igrejas neopentecostais, as classes mais pobres já haviam sido cooptadas ou parcialmente cooptadas por políticos de direita, como Joaquim Roriz, por exemplo. Esse populismo de direita criou muitas dificuldades para que a esquerda tivesse uma influência maior nas cidades pobres do DF.
Em Brasília, quando a esquerda e o PT conseguiram chegar ao poder, o fizeram mais apoiados nas classes médias e nos estratos de maior escolaridade do que nas camadas pobres da população.
Mas, apesar disso tudo, Lula provou mais uma vez sua grande liderança. O DF foi uma entre as quatro unidades da Federação nas quais Bolsonaro recebeu menos votos no primeiro turno de 2022 do que no primeiro turno de 2018. As outras três foram São Paulo, Minas Gerais e o Rio Grande do Sul.
Aqui, Bolsonaro recebeu 936.494 votos no primeiro turno de 2018 e, agora, obteve 910.397 votos, mesmo com o aumento do número de eleitores.
Em âmbito nacional, vencemos com folga o primeiro turno, com 6,2 milhões a mais de votos que Bolsonaro, e ficamos a apenas 1,5% de atingir 50% dos votos válidos.
Estamos, portanto, muito perto de vencer o mal, o ódio, a intolerância, a inconsequência, os absurdos, o insuportável.
Vai depender de cada um de nós, militantes da tolerância, da paz, da democracia e da justiça social. Sem violência e com esperança, continuaremos a nossa luta diária até o dia 30 de outubro, o Dia da Vitória.
Vamos ganhar, pois a democracia será sempre o lado certo da história. Vamos ganhar, pois o Brasil não suporta mais tanto ódio, tanto preconceito, tanta violência e tanta mentira do pior governo da sua história.
O povo brasileiro voltará a sorrir, aliviado, quando Lula for eleito para cuidar do país.
*Chefe de gabinete da Liderança do PT no Senado e dirigente do PT-DF