Foi a partir da segunda metade do século passado que o Brasil tomou conhecimento da obra e da genialidade de um dos mais expressivos nomes da cultura popular do planeta.
Prova da sua importância é que seus livros foram traduzidos para vários idiomas e foram tema de estudos na cadeira de Literatura Popular Universal da Universidade de Sorbonne, em Paris, a mais tradicional universidade francesa e uma das principais instituições de ensino da Europa.
Com uma linguagem simples, coloquial, fincada no árido torrão do Nordeste brasileiro, mas com uma poética universal, Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, sempre retratou com maestria a vida sofrida do povo do sertão, com uma densa carga de consciência social e que traduzia a excelência de sua obra, ancorada num discurso engajado de luta pela justiça em seu mais amplo espectro de significação.
Patativa do Assaré, assim nominado na conjunção por referência à pequena ave cantadora e à sua cidade natal, na Região Sul do Ceará, projetou-se nacionalmente depois que seu poema “Triste Partida” foi musicado e gravado pelo também nordestino Luiz Gonzaga, em 1964.
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Patativa do Assaré tornou-se um dos mais importantes e admirados poetas cordelistas da literatura brasileira, ou seja, a primeira forma de divulgação da sua arte veio por meio do cordel, aqueles folhetos contendo poemas populares, que são expostos para venda em feiras, pendurados em cordas ou cordéis, no mais profundo interior do País.
Os poemas de cordel são escritos com métrica e rima e alguns são ilustrados com xilogravuras, uma das expressões da arte nordestina.
PublicidadeEste mês de julho marcou os vinte anos em que Patativa virou literalmente ave e voou em direção aos céus. Mas deixou uma obra que, seguramente, será objeto de estudo e de inspiração às atuais e novas gerações, notadamente aos que acreditam na força da união e na crença pela construção de um mundo mais humano e igualitário.
A “Inspiração Nordestina”, título do seu primeiro livro, publicado em 1956 e que, em 1967, ganhou uma segunda edição, renomeada para “Cantos do Patativa”, é a força motriz de quem sempre acreditou na aliança em prol do bem comum, tendo recebido, mesmo com o pouco letramento adquirido na escola, o título de Doutor Honoris Causa de várias universidades brasileiras.
E por que Patativa do Assaré se mantém tão vivo e atual?
Porque sua obra nos inspira a olhar para o nosso próprio chão, para o nosso País, com a certeza de que aqui haverá de brotar mais esperança do que tristeza, mas riqueza que miséria, mais humanismo que indiferença, mais amor do que ódio.
Como bem definia o professor Gilmar de Carvalho, Patativa com sua profunda consciência social trilhava versos sobre a desigualdade do Nordeste, sobre os conflitos de terra, denunciando os problemas advindos da propriedade envolvendo o latifúndio, alem dos hábitos, costumes e religiosidade do homem simples do sertão do Brasil.
Os vinte anos sem Patativa do Assaré coincide com o período em que o País se prepara para redefinir sua rota e bússola rumo ao futuro. Neste 2022 voltamos às urnas para eleger um presidente para o Brasil. E pela veia poética do meu conterrâneo, deixo o soneto que Patativa lá pelos anos 1950, denominado de “O que mais dói”, esperando que a lira nordestina possa inspirar nossos irmãos de todo o País:
“O que mais dói não é sofrer saudade
Do amor querido que se encontra ausente
Nem a lembrança que o coração sente
Dos belos sonhos da primeira idade.
Não é também a dura crueldade
Do falso amigo, quando engana a gente,
Nem os martírios de uma dor latente,
Quando a moléstia o nosso corpo invade.
O que mais dói e o peito nos oprime,
E nos revolta mais que o próprio crime,
Não é perder da posição um grau.
É ver os votos de um país inteiro,
Desde o praciano ao camponês roceiro,
Pra eleger um presidente mau.”
Viva Patativa do Assaré!!!