O que não é proibido é permitido. Assim deveria ser. Mas não é bem assim. A história é curta e interessante, tem vários atores e um final feliz. E traz importantes e oportunas lições para o legislador.
“Tenho horror ao trabalho voluntário” – essa chocante afirmação foi feita a este autor no contexto de uma conversa em que eu tratava do tema com o eminente bispo D. Mauro Morelli. Naquela época, recém retornado de vários anos no exterior, e cheio de ideias, eu estava buscando elementos para promover o trabalho voluntário. A conversa rendeu e D. Mauro me explicou: a Igreja Católica era alvo de inúmeras ações trabalhistas, por vezes até de religiosos. Ou seja, embora não fosse proibido, o trabalho voluntário criava enorme risco, dado o entendimento dos intérpretes da inapelável legislação trabalhista.
Mãos à obra. O então jovem deputado Paulo Bornhausen liderou a apresentação do projeto na Câmara. Tendo sido discípulo e colaborador de Hélio Beltrão no Programa Nacional de Desburocratização (1980-1985), eu acreditava em leis simples e auto-aplicáveis. Para tanto, pedi apoio ao então secretário-executivo do Ministério do Trabalho, Antonio Anastasia, para ajudar na redação. Ele tinha a legitimidade de estar no Ministério do Trabalho, um domínio excepcional do direito administrativo e uma cabeça privilegiada e dotada de um formidável espírito prático.
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E assim nasceu a Lei do Voluntariado ou Lei do Trabalho Voluntário, como ficou conhecida, sancionada em 18 de fevereiro de 1998. Possivelmente constitui uma das mais enxutas de nossa legislação. Tem apenas três artigos substantivos.
O primeiro, que define o trabalho voluntário, e cujo parágrafo único assegura que não gera vínculo empregatício, nem obrigação de natureza trabalhista. Esse é o essencial para afastar os maus espíritos. O segundo afirma que o trabalho voluntário será exercido por meio de convênio, ou seja, mediante acerto entre as partes. O terceiro prevê ressarcimento de despesas. Os artigos 4 e 5 são formais – a lei entra em vigor na data da publicação e revogam-se as disposições em contrário. Obra de mestre. A lei tem tudo que precisa e nada do que não é necessário
A tramitação levou três anos e teve vários lances dramáticos. Na Câmara, o projeto foi direto ao plenário e contou com o decisivo apoio de Ruth Cardoso, então à frente do Comunidade Solidária. Mas, no Senado, a lei encontrou resistências ferozes, especialmente pelos “defensores” dos trabalhadores, dos “explorados” e dos que gostam de criar dificuldade na lei para vender facilidades – como é típico dos que privilegiam exigências formais, autorizações prévias, registros de todo o tipo, carteiras e documentos emitidos por órgãos autorizados, e por aí vai. Foram três anos de paciente trabalho de convencimento exercido com a fleugma, a simpatia e a persistência de Paulo Bornhausen.
Aprovada em 18 de fevereiro de 1998, a lei estimulou uma explosão do trabalho voluntário no país e viabilizou inúmeras iniciativas importantes. Em 2019, 7 milhões de brasileiros (4% da população) declarava à Pnad exercer trabalho voluntário. Apenas 4% da população, comparado com cerca de 30% em países como os Estados Unidos. Mas não deixa de ser um exército notável.
Esta vitoriosa iniciativa teve vários pais. O destaque vai para o notável trabalho do hoje senador Antonio Anastasia, recém-aprovado para o Tribunal de Contas da União, que, já naquela época, tinha se destacado como um profundo conhecedor do direito constitucional e do direito administrativo.
Ficam o alerta e o exemplo. Possivelmente, nosso país poderia se desenvolver muito mais, muito mais rapidamente e muito melhor se nossos legisladores limitassem a legislação ao estritamente essencial, deixando às partes interessadas os acertos adequados às diversas circunstâncias. Sem tutela e sem burocracia. Tratando os cidadãos como maiores de idade.