8 de janeiro de 2024. Nos últimos dias um assunto dominou minha atenção: o aniversário de 1 ano do fatídico dia em que uma turba bestializada vestida de verde e amarelo, composta por pessoas que se autoproclamavam “patriotas” e “cidadãos de bem”, destruiu a Praça dos Três Poderes e as sedes dos poderes da república.
Ouvi podcasts e debates no rádio, li notícias e matérias especiais nos jornais e assisti documentários e reportagens sobre o assunto na TV. Ao rever as imagens sinto uma tristeza profunda, como se a depredação e a tentativa de golpe contra a democracia estivessem acontecendo hoje, não um ano atrás. Tenho vontade de chorar.
Nasci durante o governo Figueiredo, o país se preparava para a transição democrática. Minhas primeiras memórias políticas (um tanto turvas) são das eleições municipais de 1988, quando meus pais levavam a mim e meus irmãos para comícios pela zona rural da pequena cidade no interior do ES em que vivíamos. Política sempre fez parte da minha vida, mas sempre com apreço pela democracia. Ainda que estivéssemos mais frequentemente do lado perdedor sempre vi meu pai e seus amigos respeitando e reconhecendo o resultado eleitoral. A legitimidade dos seus adversários. Isso deve ter deixado marcas: O desprezo pela democracia e pala história do país dos vândalos do 8 de janeiro ainda hoje me parece incompreensível.
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Um ano depois, segundo dados da Pesquisa Genial/Quaest, em torno de 90% dos brasileiros condenam os atos de 8 de janeiro. Mesmo entre os eleitores do ex-presidente Bolsonaro os índices de desaprovação ficam acima dos 80%. Nem tudo está perdido na ainda jovem democracia brasileira.
Embora não seja uma parcela desprezível é francamente minoritária a parcela da população que defende a ideia de derrubada de um governo eleito pela via de um golpe de estado.
Não significa que estamos salvos. Dados do Barômetro das Américas (LAPOP), conduzido pela Universidade de Vanderbilt no início de 2023, indicam que apenas 64% dos brasileiros confiam na democracia, e que a confiança nas principais instituições democráticas – presidente, Poder Legislativo, STF e eleições – fica abaixo dos 50%.
PublicidadeComo reconstruir a confiança nas instituições democráticas, consolidar na sociedade a compreensão que atos como os que vivenciamos em 8 de janeiro de 2023 não são toleráveis e não devem ser tratados com normalidade é um dos principais desafios do país no curto prazo. Os políticos e os poderes tem parcela de responsabilidade, mas a sociedade também. Não só cientistas políticos, mas toda a sociedade.
Precisamos recuperar, ou criar, a consciência social que alternância de poder é parte constitutiva da democracia, que governos resultantes de eleições livres e justas são legítimos independente de suas cores ideológicas, e que o pior resultado para a sociedade é o rompimento democrático, pior ainda se o objetivo for entregar o governo aos militares.
Militares não são treinados para governar o país e já deram inúmeras provas de seu desprepara e incompetência para tanto, desde o desastre econômico nos governos militares até o desastre na gestão do ministério da saúde sob a tutela de um general “especializado em logística”, passando pelas inúmeras denúncias que envolvem compra de remédios para impotência e próteses penianas.
Na democracia nem sempre a gente ganha ou concorda com o governo de plantão, mas sem democracia não temos chance de criticar o governo nem mudar os governantes.
Que o primeiro aniversário do 8 de janeiro sirva para nos conscientizar que ainda temos um longo caminho a percorrer no enraizamento da democracia como valor na sociedade brasileira e na construção da confiança da sociedade nas instituições políticas.
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