As eleições de 2018 revelam uma mudança de paradigma na forma de fazer campanha no Brasil, com o ingresso definitivo da era digital nas disputas eleitorais – inclusive com o emprego da inteligência artificial no impulsionamento e direcionamento de mensagens a determinadas comunidades nas redes sociais. Saem os cabos eleitorais e entram os robôs na disseminação e até “diálogo” com os internautas.
De fato, estas eleições romperam com os parâmetros das campanhas anteriores. Historicamente, quatro condições, além de bons programas de governo, sempre foram indispensáveis para se ganhar eleição no Brasil: a) maiores e melhores palanques, b) mais financiamento, c) mais tempo de rádio e televisão, e d) militantes de rua.
As redes/mídias sociais tiveram uma importância estratégica nas eleições gerais e foram fundamentais para reduzir, e de forma drástica, a influência das estruturas e do dinheiro nas campanhas eleitorais. Partidos e candidatos com poucos recursos – casos de PSL e Novo – tiveram desempenho eleitoral superior a partidos e candidatos com muito dinheiro e estrutura, como foi o caso do PSDB e de seu candidato, Geraldo Alckmin, e do presidente do Senado, Eunício Oliveira, candidato à reeleição pelo MDB do Ceará.
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Com as redes sociais ou mídias digitais, a distribuição pessoal de panfletos nas ruas e os comícios com a presença física do candidato perdem o sentido, já que tudo poderá ser feito remotamente. A contratação de cabos eleitorais passa a ser desnecessária, porque o candidato, por meio de transmissão ao vivo (o ato de fazer um live) se comunica diretamente e em tempo real com o eleitor, dispensando intermediários. No bate papo online, o candidato pode ser assistido por um escritor fantasma (o ghost writer, em inglês) para “dialogar” com o potencial eleitor. Ou seja, a tecnologia passou a ter papel fundamental nas eleições, inclusive com a redução drástica dos custos de campanha. Se for empregada também a inteligência artificial, esse potencial de influência se amplia ainda mais, direcionando mensagens para grupos específicos de potenciais eleitores. É o novo mundo da era digital.
Todos sabemos que o uso de tecnologia e das redes sociais, por si só, não faz milagres, mas ajuda enormemente na disseminação e direcionamento das mensagens “certas” aos usuários “certos”. O emprego de algoritmo pode direcionar determinadas mensagens apenas para os públicos que estejam de acordo com elas, reforçando pontos de vistas.
As redes sociais, como resultado do desenvolvimento científico e tecnológico, são uma conquista da civilização. Elas contribuem grandemente para democratizar e agilizar a comunicação de baixo custo entre as pessoas. Porém, quando utilizadas para fazer o mal, elas o potencializam, porque tornam mais rápidas e precisas as mensagens aos destinatários.
Nessa modalidade de comunicação, além do emprego do algoritmo, que destina mensagens mais precisas aos seus destinatários, as pessoais podem, rapidamente, criar, mandar e apagar mensagens, especialmente no WhatsApp, inclusive com o uso de perfis falsos. E quando utilizada para o mal, em segundos, é possível encaminhar milhares de notícias falsas com o propósito de difamar, arruinar ou destruir imagens e reputações de pessoas e instituições, sendo muito difícil rastrear a origem dessas notícias antes de serem disseminadas nas redes sociais (Facebook, Instagram, Twiter etc). Isso fez com que robôs e pessoas tivessem terreno fértil para espalhá-las sem serem pegos, numa espécie de guerra suja nas eleições.
Essa forma de fazer campanha, entretanto, não é inusitada. Trata-se, na verdade, de um movimento que veio de fora para dentro, e que já foi largamente praticado na Inglaterra na campanha do Brexit (saída dos Ingleses da União Europeia) e na eleição do presidente norte-americano, Donald Trump. O meio é o mesmo – as redes sociais – e as mensagens têm o mesmo formato ou padrão, sempre com forte conteúdo emocional, enorme carga de medo e de negação.
Como os cidadãos brasileiros, desde as jornadas de junho de 2013, não estão mais dispostos a aceitar como ético, legítimo e sustentável eleger seu próprio algoz, alguém que retire direito ou simplesmente ignore ou negue suas demandas, as forças neoliberais vinculadas aos rentistas, ao mercado financeiro e os fundamentalistas conservadores importaram essas novas formas de abordagem – conhecida como pós-verdade ou política pós-factual, que consiste em explorar reações emocionais, reiterar palavras de ordem, desconectadas da realidade, mas com “aparência de verdade”, e desqualificar a política, o sistema político e suas práticas. Além de criar confusão, como forma de evitar o debate de ideias, conteúdos ou programas dos candidatos.
Ou seja, evitar escolhas racionais e explorar a máxima de que não há fatos, apenas versões. Isso pode enganar o eleitor apenas uma vez, mas o estrago pode ser irreversível.
O padrão da mensagem das campanhas/candidaturas é o mesmo praticado nos países citados. Primeiro, identifica-se um problema que incomoda profundamente a todos. Em seguida, aponta-se supostos culpados por esse problema. E, por último, propõe-se punir os supostos culpados, porém sem apresentar solução para os problemas. Com isso, o gatilho mental do julgamento moral é disparado, ao mesmo tempo em que se dispensa ao destinatário o esforço de raciocinar ou pensar, porque a “mensagem” emitida denota causa e efeito. Ou seja: aparenta lógica, embora seja uma fraude!
A lógica desse tipo de comunicação – veiculada via redes sociais, sem que seja facilmente captada em pesquisas – é despertar reações, sentimentos e comportamentos dos mais primitivos ao ser humano. Nela não há espaço para racionalidade. O que interessa é dividir e interditar o debate e provocar julgamento moral, sentimento de rejeição e até de ódio aos “inimigos” – pessoas, instituições, partidos ou movimentos – que defendam ideias e propostas que contrariem os interesses do mercado financeiro e da agenda conservadora.
Invariavelmente, o alvo das campanhas difamatórias e de criminalização são pessoas, instituições, movimentos ou partidos (considerados “comunistas”) que defendem os interesses coletivos, a solidariedade, o humanismo, a justiça, o meio ambiente, a proteção dos vulneráveis e necessitados. O mote é sempre o mesmo: associar essas pessoas, instituições, movimentos ou partidos a práticas que agridam a fé, os valores, os costumes e a moral de milhões de brasileiros. Para tanto, espalham – via mídias sociais – boatos, mentiras, notícias falsas (as tais fake news) ou informações não checadas contra os que pensam diferente (os “comunistas”), envenenando e alimentando esse tipo de sentimento maniqueísta em relação aos supostos “inimigos”.
Esse modelo de comunicação, num ambiente conflagrado como o atual, encontra terreno fértil. No caso do Brasil, há uma enorme crise fiscal do Estado e um excesso de demandas da sociedade, a saber: o aumento do desemprego, da criminalidade e da violência. Há uma população desalentada e com medo, que, acima de tudo, tem facilidade para disseminar um discurso que aponta os supostos responsáveis por “tudo de ruim que está ai”. O inimigo, para muitas dessas pessoas, é justamente o sistema político, a estrutura democrática e o véu institucional que a cerca. Isso inclui, evidentemente, os partidos que foram governo nos últimos 20 anos.
Quando analisamos o resultado da eleição, especialmente os eleitos por força das redes sociais, quase que como regra, constata-se facilmente que são pessoas cujo perfil bate com o de negação da política e das instituições. São pessoas que se apresentam contra o sistema e que desconhecem a complexidade do processo decisório, propondo soluções fáceis para problemas difíceis. Um grupo de sem noção que não tem a menor ideia do que são, o que fazem e como funcionam as instituições do Estado. Por isso mesmo é comum associarmos essas questões à ideia da busca por um “salvador da pátria”.
Nestas eleições, portanto, os robôs estiveram presentes nas duas pontas: como máquina e como pessoa. De um lado, como máquinas de captação de votos, os robôs não apenas direcionaram a mensagem “certa” para a pessoa “certa”, quanto “dialogaram” com eleitores incautos, via redes sociais.
De outro, o eleitor se comportando como máquina, na medida em que muitas pessoas agiram mecanicamente, votando sem refletir sobre as consequências de seu voto. Num ambiente desses, as escolas, a imprensa, os partidos, os movimentos sociais e sindicais e o próprio Estado precisam urgentemente investir na formação política, cívica e cidadã, sob pena de completa manipulação dos eleitores pelas máquinas, e da perpetuação de um paupérrimo nível de debate político/eleitoral. Se isso não for feito, a consequência será a completa desmoralização da democracia, que tem como pressuposto a real manifestação de vontade do eleitor.
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