Ninguém busque atribuir dotes artísticos à versão tupiniquim do imperador romano. Diz a lenda que Nero, enlouquecido, ateou fogo a Roma para, com sua lira, compor, a partir do fogo, uma ode comparável à de Homero, que narrou em seus versos o incêndio de Troia, na Grécia.
Nosso Nero, o presidente Jair Bolsonaro, mal sabe tocar campainha. Sua ode, portanto, é muda, de um silêncio ensurdecedor. Bolsonaro, porém, sabe tocar fogo. E é isso o que faz com seu silêncio ensurdecedor.
Enquanto Bolsonaro não faz o que a cartilha recomenda a qualquer democrata – reconhecer sua derrota -, ele autoriza sua trupe enlouquecida a riscar fósforos pelo país, com as estradas bloqueadas por caminhoneiros e os bolsonaristas repetindo o mantra amalucado do golpe militar que suavizam chamando de “intervenção”.
Como há malucos de plantão do outro lado da cerca, parte do Movimento Sem Terra (MST) arrisca dar uma de paladinos para tirar na mão os caminhoneiros que bloqueiam as estradas. Irresponsabilidade respondida com irresponsabilidade. Gasolina para tentar apagar a fogueira acesa por Bolsonaro. Tudo o que ele deseja.
Felizmente, a essa altura, não há qualquer apoio institucional para nenhuma dessas maluquices. As Forças Armadas não deram qualquer guarida a essa ideia estapafúrdia de “intervenção”. A única força armada que hoje falha em seu papel é a Polícia Rodoviária Federal, que demora em tomar providências para liberar as estradas. Mas, diante da ordem do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), já começou a agir.
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À revelia do silêncio de Bolsonaro, o mundo político à sua volta trabalha para seguir no caminho da normalidade. Para além das Zambellis ensandecidas, o Centrão já avisou a Bolsonaro que não tem disposição para embarcar na aventura golpista. E, pelo contrário, já sinalizou a ele que há um caminho institucional que ele pode seguir caso queira, e que faz todo o sentido.
PublicidadeNas conversas que aconteceram na segunda-feira (31), representantes do Centrão, incluindo o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, procuraram convencer Bolsonaro de que ele sai das eleições maior do que entrou, caso ele queira. A primeira constatação óbvia vem do fato de que, mesmo derrotado, Bolsonaro teve agora 400 mil votos a mais do que obtivera em 2018, quando foi eleito presidente. Mas o raciocínio do Centrão é que, além dos 58 milhões de voto que Bolsonaro teve agora, há mais de 30 milhões de brasileiros que não votaram nem nele nem em Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Essas pessoas fazem parte também da oposição ao governo eleito. Fazem parte, portanto, da massa da sociedade que Bolsonaro pode liderar. Porque não há ninguém nem próximo de ter a maior parte dessa massa.
Caso queira, e é isso o que o Centrão tenta convencer Bolsonaro, ele pode ser o líder de metade do país, cacifando-se para 2026.
Mas ele também pode ficar com o seu hospício e tentar tocar fogo em Roma. Não deu certo com Nero. Provavelmente, também não dará certo com ele. Até porque agora nem há quem saiba tocar lira para ele dançar.
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