A ideia em um segundo O eleitor racional é um mito. Processos eleitorais são guiados, cada vez mais, por fake news, demagogia e adesões irrefletidas a determinados candidatos ou partidos. Essa configuração torna difícil o acerto de previsões dos resultados eleitorais. |
O eleitor irracional
Bryan Caplan escreveu sobre o mito do eleitor racional. Algumas de suas conclusões são bastante interessantes e lançam luz sobre a difícil arte de acertar a previsão de resultados eleitorais. A premissa de que o eleitor é racional faz com que seja possível prever sua decisão, calculando-se qual é aquela mais propensa a fazer com que alcance seus objetivos – se você presume a racionalidade, este será o caminho, uma vez que o eleitor é racional.
Ocorre que essa caricatura de homem estritamente racional, o Homo oeconomicus dos modelos matemáticos, só existe assim, como modelo. As pessoas dão sucessivos exemplos de intransitividade (sustentação de preferências contraditórias), para não entrar no papel desempenhado pelas emoções no processo decisório. No campo da política, para piorar, a performance mental das pessoas parece recrudescer a um nível ainda mais baixo – as análises e argumentações são eminentemente infantilizadas e o próprio cidadão reconheceria isso, em outras áreas de sua vida nas quais têm interesses reais.
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Fernando Pessoa chamou os partidos políticos de exércitos civis. Essa talvez seja uma primeira boa explicação para a adesão irrefletida a propostas e candidatos – as pessoas se tornam militantes, abraçando ideias e pessoas duvidosas com base em emoções, e não no pensamento racional. A ideologia política tornou-se a religião da pós-modernidade.
Os políticos têm clara consciência do fenômeno e o exploram à vontade. Um bom exemplo, registrado no livro de Caplan, descreve um candidato à reeleição para governador, nos Estados Unidos, que, ao ouvir de um apoiador: “Todas as pessoas que pensam votam no senhor!”; respondeu: “Não é o bastante. Eu preciso de uma maioria”. Seria engraçado, se o problema com o eleitor irracional prejudicasse somente a si próprio, mas afeta a todos, porque, como resultado de sua irracionalidade, políticas públicas inadequadas são escolhidas e implementadas (ou políticas adequadas são preteridas e não implementadas).
Irracionalidade enviesada
Não bastasse o fenômeno da irracionalidade, há que se considerar a prevalência de vieses a distorcer o processo cognitivo e decisório dos eleitores. As fake news, por exemplo, cumprem um importante papel nesse sentido, fazendo com que o eleitor não seja somente irracional, mas irracional do modo certo.
As pessoas precisam da estrutura de seu sistema de crenças. É nele que encontram segurança – funcionam como um atalho, menos custoso, em termos cognitivos, do que se empenhar a sério em um esforço para compreender o mundo. Não há enganadores se não houver pessoas dispostas a serem enganadas – a ilusão persiste porque é necessária.
As pessoas querem que suas respostas pessoais estejam corretas. Elas normalmente querem isso com tanta intensidade que evitam qualquer contraevidência e se recusam a pensar sobre quaisquer evidências que lhes sejam apresentadas. Esse viés de confirmação, no campo da política, nos leva a considerar que os eleitores vão estar no seu pior comportamento cognitivo – demonstrarão ausência de espírito crítico, irritabilidade, credulidade e busca de respostas simples para questões complexas.
Contra fatos, todos os argumentos
Um exemplo prático.
A tabela apresenta somente fatos objetivos. Sua apresentação, contudo, desperta uma série de reações nos eleitores que já fizeram suas escolhas. Exageros tanto para o que os dados significam de “retrocesso” para o país quanto para o que eles possam nada significar, ou, preferivelmente, significar algo que não possa, de qualquer modo, ser debitado a determinado candidato.
A economia tende a afetar o resultado eleitoral, particularmente quando a economia se torna um dos principais temas no momento da campanha, como é o caso brasileiro presente. Portanto, fosse o eleitor racional, o resultado da eleição já estaria dado. Não é assim, entretanto, justamente por conta do elemento de irracionalidade.
Outro fenômeno associado à polarização acentuada é o chamado efeito halo. Se as pessoas optam por um candidato, passam a considerar tudo o que estiver relacionado a esse candidato como positivo. O antipetismo, que acabou sendo determinante nas eleições presidenciais de 2018, é um exemplo de efeito halo reverso – tudo o que for associado ao PT é considerado como algo ruim. Para as eleições de 2022, parece que caminhamos para o enfrentamento de dois efeitos halo – o antipetismo e o antibolsonarismo. Duas massas de pessoas que não fazem muita questão dos fatos, apenas dos argumentos (os seus).
Irracionalidade e incerteza
A racionalidade pressupõe uma ponderação de meios e fins, cálculo de consequências a partir de determinadas linhas de ação. If…then [se… então] tornou-se um dos comandos mais nucleares na programação de computadores, justamente por isso. Se acontecer isso, faça aquilo – a informática é racionalidade objetificada. Por isso, a racionalidade reduz a incerteza, ao possibilitar que sejam atribuídas probabilidades a determinadas consequências de determinados rumos de ação.
Na sua ausência, entretanto, opera-se na incerteza – que é a subjetividade multiplicada “n” vezes – ou seja, para se conseguir qualquer previsão, ter-se-ia que consultar cada indivíduo separadamente e computar a sua preferência revelada. Não é por menos que tantos modelos de previsão de resultados eleitorais não acertem o alvo.
Eleições e governo: a dissonância democrática
Se fosse possível aplicar a teoria padrão da escolha racional, teríamos uma situação em que os candidatos buscariam conquistar votos por meio de sinalizações de que atenderiam às preferências reveladas pelos eleitores. Quando o eleitorado age de forma irracionalmente enviesada, contudo, os candidatos encontram um forte incentivo para anunciar ações que lhes rendam popularidade, sem se preocupar com resultados ou consequências.
Dessa forma, a demagogia acaba sendo uma estratégia vencedora. Por isso o mais provável é que assistamos aos candidatos se movimentando de ideias populares em ideias populares, sem que suas propostas anunciadas guardem qualquer conexão com a pragmática de governo que implementarão caso eleitos. Eis aqui o fenômeno da dissonância democrática!
Termômetro
CHAPA QUENTE | GELADEIRA |
A pouco mais de três meses das eleições, o cenário é de estabilidade nas pesquisas. Melhor para Lula, que aparece à frente de Jair Bolsonaro em todos os levantamentos e com chances de vencer no primeiro turno, como mostra o Datafolha divulgado nessa quinta-feira. O petista tem 53% dos votos válidos, ante 32% do atual candidato à reeleição. A chamada terceira via não empolga o eleitorado. Ciro Gomes (PDT) tem 10% dos válidos e Simone Tebet (MDB), apenas 1%. No segundo turno, Lula tem 57% e Bolsonaro, 34%. | O presidente Jair Bolsonaro gosta de repetir em alto e bom som que não há corrupção em seu governo. Nesta semana o discurso anticorrupção do presidente sofreu um forte abalo com a prisão pela Polícia Federal do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, suspeito de participar de um esquema de corrupção no MEC. Ao comentar o assunto, Bolsonaro tentou capitalizar a ação da PF no caso e jogou o problema no colo de Ribeiro, o mesmo por quem ele havia dito que colocaria a “cara no fogo”. Chamuscou-se. |