Renata Piazzon e Viviane Romeiro *
A premência de que o Brasil tenha, finalmente, um mercado de carbono regulado gera expectativa em qualquer indivíduo ou instituição com esperança de que o aumento médio da temperatura global seja limitado a 1,5 grau Celsius. O país, que tem todas as condições de ser líder mundial da economia de baixo carbono, e assim tem se apresentado ao mundo, precisa dar o exemplo. Isso significa cumprir suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), conforme compromisso firmado no Acordo de Paris e reforçado recentemente pelo governo brasileiro por meio do reajuste da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC). Um mercado regulado de carbono contribuiria para isso e colocaria o Brasil pareado a outros países que já têm seus mercados estabelecidos.
A aprovação do Projeto de Lei (PL) 412/2022, que regula o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), no Senado, foi sem dúvida uma boa notícia e um movimento importante. A aprovação definitiva do projeto, agora na Câmara dos Deputados, será uma oportunidade “inequívoca para que o país conte com um mercado de carbono estruturado, com diretrizes e princípios claros”, conforme posicionamento publicado pela Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, rede que reúne mais de 370 representantes dos setores privado, acadêmico, financeiro e da sociedade civil.
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O texto em tramitação traz elementos relevantes que resultam de longo debate não somente no Senado, mas também junto a diversos setores produtivos e com escuta à sociedade. No entanto, ainda cabem aprimoramentos, considerando as particularidades brasileiras, para que tenhamos um mercado íntegro e alinhado à realidade do país.
Um ponto que vem dividindo opiniões de especialistas é sobre a exclusão explícita do setor agropecuário primário na versão do PL aprovada no Senado. Por um lado, as experiências internacionais de sistemas similares focam especialmente no setor industrial e em parte do setor energético, já que a maioria desses países tem como principal fonte de emissão de GEE a queima de combustíveis fósseis. Por outro, como o perfil de emissões de GEE do Brasil é muito diferente, mostra-se importante avaliar o papel de AFOLU (agricultura, florestas e uso do solo) em um instrumento político como o mercado regulado de carbono, mas considerar também outros instrumentos cabíveis para impulsionar a descarbonização desses setores. Ainda assim, o setor agropecuário primário deve poder ter a oportunidade de ser inserido futuramente no sistema juntamente aos demais. Não há contrariedade na incorporação gradual de mais setores, e a lei deve deixar aberto esse caminho.
O setor agropecuário, ao mesmo tempo que, hoje, responde por uma parte das emissões de GEE do país, é essencial para a redução ou remoção de grandes quantidades das emissões. Sabidamente, a agricultura e pecuária, por meio da adoção de técnicas de baixo carbono, como sistemas integrados, plantio direto e outras, são uma solução para o país cumprir suas metas de enfrentamento às mudanças climáticas.
É fato que a maioria dos países não têm a atividade agropecuária primária inclusa no modelo regulatório proposto pelo projeto de lei em tramitação no Congresso Brasileiro, que é o de cap and trade. Entretanto, o setor do agro segue com avanços técnicos e metodológicos para mensurar suas emissões, o que certamente poderá viabilizar sua inclusão no mercado, a partir do momento em que forem possíveis as análises em escala, com baixo custo e individualizadas, o que não impede o estabelecimento de outros instrumentos políticos específicos para a descarbonização desse setor.
Um segundo ponto a ser analisado é a governança do SBCE, que está prevista para ser estabelecida por meio do Comitê Interministerial de Mudanças Climáticas (CIM) – concentrada, portanto, no Poder Executivo. Uma Câmara Regulatória foi incluída nas últimas versões do texto do PL, e é fundamental fortalecer uma governança multinível que assegure maior envolvimento dos agentes regulados e que as decisões levem em conta os diversos setores implicados no SBCE, o que abrange os governos subnacionais e federativos, o setor privado, a academia e a sociedade civil.
Por fim, considerando as características e vocações brasileiras em relação às emissões e oportunidades de redução, remoção e compensação de GEE, é fundamental que os mercados regulado e voluntário coexistam. A oferta voluntária inserida no mercado regulado, conforme previsto pelo PL, é estratégica para o país, uma vez que tem sido um importante gerador de desenvolvimento de créditos por meio da conservação e restauração florestal e da agropecuária de baixo carbono. Em paralelo, o mercado voluntário tende, ainda, a ganhar relevância e maior garantia com a possibilidade de um mercado regulado que possibilite uma porcentagem de compensação (offsets). Os dois mercados, agregados, contribuirão para multiplicar o impacto de redução e remoção de GEE.
Na nossa visão, portanto, caberia a um único projeto de lei realizar a gestão do SBCE e, ao mesmo tempo, do registro, credenciamento e demais temas pertinentes à possibilidade de um percentual de créditos de carbono no mercado regulado. Não se trata de uma tentativa de regular o mercado voluntário, mas de assegurar uma intersecção estratégica da oferta voluntária no mercado regulado
É mais do que chegado o momento de concretizarmos o mercado de carbono nacional para cumprirmos nossas metas de redução de emissões, conforme nosso compromisso no Acordo de Paris, e impulsionar a economia de baixo carbono. Essa será uma contribuição relevante para elevar o país à posição de liderança que lhe cabe na agenda climática internacional.
* Renata Piazzon é cofacilitadora da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e diretora-geral do Instituto Arapyaú. Viviane Romeiro é diretora de Clima, Energia e Finanças Sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS) e colíder da Força-Tarefa Mercados de Carbono da Coalizão Brasil.