A essência do ordenamento jurídico brasileiro pode ser encontrada na Constituição promulgada no dia 5 de outubro de 1988. É válido afirmar que a República Federativa do Brasil tem como principal característica, ou marca distintiva, ser um Estado Democrático de Direito realizador da dignidade da pessoa humana em suas múltiplas e complexas dimensões.
O poder público, por força da lei maior, deve ser o motor da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza, da marginalização e dos preconceitos e discriminações. Para realização desses objetivos, uma série de ferramentas devem ser utilizadas. Entre elas, encontra-se a ampla publicidade dos atos, contratos, políticas e programas desenvolvidos pelo Estado (art. 37, caput, da Constituição).
O prestígio constitucional explícito da publicidade dos negócios públicos seria um discurso vazio, desprovido de consequências práticas, caso não fossem adotados os instrumentos legais para dar concretude a esse relevantíssimo valor. Nesse sentido, foi adotada, no dia 18 de novembro de 2011, a Lei 12.527, conhecida como Lei de Acesso à Informação (LAI).
Leia também
A LAI veicula expressamente as seguintes diretrizes: a) observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; b) divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; c) utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; d) fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública e e) promoção do controle social da administração pública.
A LAI garante a qualquer interessado, por qualquer meio legítimo, o direito de apresentar pedido de acesso a informações aos órgãos e entidades públicas. Exige-se que o pedido contenha a identificação do requerente e a especificação da informação requerida. No âmbito federal, o painel de acompanhamento da execução da LAI indica que foram apresentados 1.385.067 pedidos de informações entre 15 de maio de 2012 e 28 de maio de 2024.
O amplo acesso às informações manuseadas e produzidas pela Administração Pública viabiliza a participação ativa do cidadão nas ações governamentais. Ademais, são inquestionáveis os avanços: a) na prevenção da corrupção, por conta das condições de monitorar efetivamente atos e decisões de interesse público; b) na melhoria da gestão pública, em função da identificação de entraves à eficiência administrativa; c) na melhoria do processo decisório, em razão das várias contribuições especializadas, ou não, que podem ser colhidas no âmbito da sociedade e d) no fortalecimento da democracia, na medida em que podem ser verificados os procedimentos decisórios quanto à efetividade da participação social.
Infelizmente, o governo passado (Bolsonaro) e o atual (Lula 3) adotaram posturas claramente voltadas para restringir a transparência e, por consequência, o controle social.
No governo passado, foi editado um decreto alterando a regulamentação da LAI. O Decreto 9.690, de 23 de janeiro de 2019, ampliou o número de autoridades que podiam definir informações como protegidas. O governo Bolsonaro também editou a Medida Provisória 928, de 23 de março de 2020, que suspendia os prazos de resposta por intermédio da Lei de Acesso à Informação durante a pandemia do coronavírus.
“Ao defender que os votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deveriam ser sigilosos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforça o controle ao acesso de informações e a falta de transparência, prática que era adotada na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e vem sendo copiada por setores do seu governo. Os casos em que pastas e órgãos estatais negaram a divulgação ou colocam sob sigilo dados públicos se acumulam desde o início do mandato./Os gastos das viagens nacionais e internacionais do presidente, a lista de entradas e saídas do Ministério da Economia, a relação dos 3,5 mil convidados que participaram do coquetel de posse no Itamaraty no início do ano são alguns exemplos em que o petista contraria a promessa de campanha de aumentar a lisura e o acesso às decisões do governo federal” (fonte: estadao.com.br).
Os referidos óbices opostos pelos governos Bolsonaro e Lula 3 à transparência na gestão pública compõem um quadro de entraves de maior alcance. Com efeito, observa-se um crescente movimento, nos últimos anos, de enfraquecimento do combate à corrupção em suas várias manifestações. O episódio mais emblemático envolveu uma aliança entre o petismo, o bolsonarismo e o Centrão para promover, com a aprovação da Lei n. 14.230, de 2021, um profundo retrocesso no tratamento da improbidade administrativa.
Nesse ambiente significativamente degradado, nos deparamos com uma notícia do seguinte teor: “O procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, impõe sigilo às informações sobre passagens e diárias que recebe para viagens de trabalho que já custaram R$ 75 mil. Desde que tomou posse, em dezembro do ano passado, Gonet evita divulgar para onde vai e qual o motivo e o destino da viagem. Procurada, a Procuradoria-Geral da República (PGR) não se manifestou” (fonte: estadao.com.br).
Não custa lembrar que, por força da Constituição (arts. 127; 128, parágrafo primeiro e 129, incisos II e III), o procurador-geral da República é a mais importante autoridade pública responsável pela fiscalização da administração pública, incluída, obviamente, a efetivação do princípio da publicidade.
O mau exemplo é manifesto. O secretismo, como diria Odorico Paraguaçu, lança mão da justificativa genérica de “razões de segurança”. Os itinerários e objetivos dos deslocamentos são omitidos. Somente os valores pagos pelo poder público são divulgados. As tais “razões de segurança” não fazem o menor sentido, sobretudo porque as informações são publicizadas depois de a viagem ter sido realizada. Não consta que alguém, com alguma pretensão de atentar contra a integridade física do chefe do Ministério Público, disponha de uma máquina do tempo para voltar ao passado e cometer alguma sandice.
A superação desse triste movimento de retrocesso no combate à corrupção e enfraquecimento do controle social exige uma vigorosa resposta da cidadania ativa. É crucial, nesse e em outros campos relevantes, trabalhar na conscientização, mobilização e organização dos segmentos sociais mais consequentes e interessados na ampliação quantitativa e qualitativa dos avanços institucional e socioeconômico. Esse papel, diferente do que imaginam largos setores da sociedade brasileira, não está reservado a salvadores da Pátria, mitos, vestais ou ungidos pelos deuses.
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário